REl - 0600040-15.2021.6.21.0159 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/12/2021 às 10:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo e adequado, motivo pelo qual dele conheço.

 

2. Mérito

2.1. Recebimento de recursos de origem não identificada

Segundo consta no parecer conclusivo (ID 41834033), foi identificado o recebimento de recursos financeiros de origem não identificada nas contas-correntes do partido recorrente, no valor total de R$ 15.785,20. Há uma extensa lista de doações realizadas por pessoas físicas com CPF em situação de “inválido”. Tal situação inviabiliza a correta identificação dos doadores.

O fato é que o recorrente realizou mero pedido de reforma, sem trazer nenhuma razão plausível e capaz de sanar a irregularidade. A ausência de argumentos sólidos e capazes de alterar o resultado sentencial inviabiliza o provimento deste recurso.

As doações realizadas por pessoas físicas têm como requisito indispensável a identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador, consoante expressamente exigido pelos arts. 7° e 8º, § 2º, ambos da Resolução TSE n. 23.464/15 (grifo nosso):

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou contribuinte, ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos. (...) Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual, distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (Lei nº 9.096, de 1995, art. 39, § 3º). (...) §2º O depósito bancário previsto no § 1º deste artigo deve ser realizado nas contas “Doações para Campanha” ou “Outros Recursos”, conforme sua destinação, sendo admitida sua efetivação por qualquer meio de transação bancária no qual o CPF do doador ou contribuinte, ou o CNPJ no caso de partidos políticos ou candidatos, sejam obrigatoriamente identificados.

 

Desse modo, a falha não foi sanada, uma vez ter sido descumprida a determinação contida no art. 13, parágrafo único, inc. I, al. “b”, da Resolução TSE n. 23.464/15, não sendo possível atestar, com segurança e confiabilidade, a procedência de valores apontados, configurando-se recursos de origem não identificada, no total de R$ 15.785,20

Portanto, sem razão o recorrente neste ponto.

 

2.2. Recebimento de contribuições de detentores de cargo, emprego ou função pública de livre nomeação e exoneração (fontes vedadas)

Constou na sentença recorrida que houve o recebimento de recursos de fonte vedada, doações realizadas por detentores de cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta, nos termos do impedimento descrito pelo art. 12, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15. O valor da irregularidade apontada é de R$ 182.124,02.

Em suas razões, o recorrente sustenta que os doadores não se enquadrariam no conceito de autoridade e, na sequência, busca a aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17 e a aplicação da anistia criada pela Lei n. 13.831/19.

No que diz respeito ao recebimento de recursos de fontes vedadas, tem-se que as contribuições anteriores a 06.10.2017 são regidas pelo art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, e as posteriores àquela data, pelo inc. V do mesmo artigo, com a redação dada pela Lei n. 13.488/17. Vejamos:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

 

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

V – pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (redação dada pela Lei nº 13.488/2017)

 

Entretanto, na redação anterior da referida lei, o TSE já havia assentado, por meio da Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta 1428, que o conceito de autoridade abrangeria os servidores com cargo de chefia ou direção, sem exceções:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades. (Grifei.)

 

O Ministro Cezar Peluso, redator da consulta, ao examinar o elemento finalístico da norma, que vedava as doações de autoridades, assim se posicionou:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

(…)

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

 

Posteriormente, a Resolução TSE n. 23.464/15 não deixou dúvida de que os exercentes de cargos de chefia e direção se enquadram no conceito de autoridade pública para fins da vedação prevista no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95, com a redação vigente à época dos fatos. Dispunha o art. 12 da aludida Resolução:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I – origem estrangeira;

II – pessoa jurídica;

III – pessoa física que exerça atividade comercial decorrente de concessão ou permissão; ou

IV – autoridades públicas.

 

Desse modo, no exercício de 2016, não havia dúvida a respeito de quem era considerado autoridade pública para fins da vedação legal.

Saliento que se pretende, justamente, garantir a isonomia de oportunidades entre as agremiações partidárias e respeitar a vontade daqueles que voluntariamente se filiam aos partidos a fim de fornecer recursos financeiros para as legendas partidárias, de modo a prevenir a patrimonialização das posições públicas pela distribuição oportunística de cargos, corolários próprios do ambiente de regularidade democrática e republicana.

Assim, mostra-se desarrazoado o argumento de possibilidade de aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17, com a inclusão do inc. V no art. 31 da Lei n. 9.096/95, que, em inarredável retrocesso, passou a autorizar a doação de autoridades públicas, desde que houvesse filiação partidária.

Ao contrário do que pretende o recorrente, as prestações de contas são regidas pela lei vigente à época dos fatos. A norma material aplicada a todos os partidos políticos deve ser a mesma, sendo impossível a retroação de efeitos de norma posterior, sob pena de representar em quebra da isonomia entre partidos.

Nesse sentido, inclusive, já se posicionou reiteradas vezes esse TRE/RS:

AGRAVO REGIMENTAL. DIRETÓRIO ESTADUAL DE PARTIDO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXECUÇÕES. INVIÁVEL O PARCELAMENTO MEDIANTE DESCONTOS DOS REPASSES DO FUNDO PARTIDÁRIO. POSSIBILIDADE COM RECURSOS PRÓPRIOS. ART. 44 DA LEI 9.096/95. RESOLUÇÃO TSE N. 21.841/04. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012. 1. As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15 ao art. 37 da Lei 9.096/95 não se aplicam às prestações de contas partidárias de exercícios anteriores. A nova redação dada retirou a suspensão de quotas do Fundo Partidário e estabeleceu exclusivamente a imposição de multa de até 20% sobre o valor a ser recolhido. Tratando-se de prestação de contas do exercício financeiro de 2012, devem ser observadas as normas de direito material previstas na Resolução TSE n. 21.841/04.2. Irretroatividade da Lei n. 13.488/17 , in casu, por ser processo de exercício anterior a sua vigência. Obediência aos princípios do tempus regit actum, da isonomia e da segurança jurídica. 3. Agremiação condenada a recolher valores ao Fundo Partidário e ao Tesouro Nacional. Possibilidade de parcelamento. Vedado o uso de recursos do Fundo Partidário na medida em que o art. 44 da lei 9.096/95 prevê hipóteses taxativas de sua aplicação. 4. Negado provimento. (TRE-RS, PC nº 6380, Acórdão de 31/01/2018, Relator(a) DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS) (grifado)

 

Por fim, em relação à suposta anistia prevista no art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, uma vez mais, sem razão o recorrente.

O tema já foi examinado em diversas oportunidades por esse Tribunal. Observe-se que no julgamento do RE n. 35-92.2016.621.0005, sob a relatoria do eminente Des. Eleitoral Gerson Fischmann, houve a declaração incidental de inconstitucionalidade, formal e material, conforme a ementa que segue:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55- D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL. 1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas – benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente – atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19. 2. Mérito. O art. 7º, caput, e o art. 8º, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, estabelecem que as transações bancárias em favor do prestador de contas devem ser feitas, obrigatoriamente, mediante cheque cruzado ou depósito bancário direto, sempre com identificação do CPF ou CNPJ do doador. No caso dos autos, o examinador técnico detectou depósitos sem referência ao CPF ou CNPJ, sendo considerados de origem não identificada. Falha grave que impede o controle da Justiça Eleitoral sobre eventuais fontes vedadas e prejudica a transparência da contabilidade. 3. Constatado o recebimento de doações provenientes de autoridades públicas. Inaplicável ao feito, de forma retroativa, a alteração promovida pela Lei n. 13.488/17, que excluiu do rol de fontes vedadas o exercente de função ou cargo público demissível ad nutum, na administração pública direta ou indireta, desde que filiado à respectiva legenda. Incidência da legislação vigente à época dos fatos, em atenção aos princípios da isonomia e da segurança jurídica. 4. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições, as quais equivalem a 47,77% do total de recursos arrecadados, o que inviabiliza a aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, impondo a desaprovação das contas partidárias. 5. Afastada a penalidade de suspensão do recebimento de novas quotas até que a origem do recurso seja informada. A interpretação teleológica do texto do art. 46, inc. II, da Resolução TSE n. 23.432/14 evidencia que o repasse de novas quotas do Fundo Partidário somente ficará suspenso até que a justificativa seja aceita pela Justiça Eleitoral ou haja o julgamento do feito. Reduzido prazo de suspensão do Fundo Partidário para seis meses. Recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia impugnada, oriunda de origem não identificada e de fonte vedada. 6. Parcial provimento. (TRE-RS, RE n° 35-92, Acórdão de 19/08/2019, Relator(a) DES. GERSON FISCHMANN)

 

Via de consequência, apesar dos argumentos carreados pelos recorrentes, o fato é que houve a captação de R$ 182.124,02, advinda de fonte vedada (art. 12, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15), o que macula a regularidade da prestação de contas partidária.

2.3. Recebimento de doação realizada por pessoa jurídica

Ao fim, foi identificado pela unidade técnica que o partido prestador das contas recebeu o valor de R$ 1.019,07, advindo de doação realizada por pessoa jurídica, o que está em desacordo com o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Trata-se de fonte de arrecadação expressamente vedada pelo sistema jurídico.

No recurso, a agremiação resumiu-se a defender que houve mero equívoco por parte da doadora, que seria em verdade a pessoa física Fabiane de Almeida Leite. A alegação não veio acompanhada por qualquer comprovação, o que inviabiliza o acolhimento da argumentação.

As irregularidades (recursos de origem não identificada e advindas de fonte vedada) alcançam o valor total de R$ 198.928,29, o que representa 18,40% da receita arrecadada no exercício de 2016, à razão de R$ 1.080.769,93, inviabilizando a aprovação das contas com ressalvas.

Em relação à suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, tenho que o prazo de 04 (quatro) meses, arbitrado em primeiro, merece redução.

A aplicação do art. 36, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95, c/c o art. 47, incs. I e II, da Resolução TSE n. 23.464/15 deve ocorrer em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Sendo assim, aplicando o percentual das irregularidades (18,40%) sobre o prazo máximo de suspensão (12 meses), encontra-se o resultado, mais adequado, de 02 (dois) meses de suspensão dos repasses do Fundo Partidário.

Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso, mantendo a desaprovação das contas do Diretório Municipal do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) do Município de Porto Alegre, relativas ao exercício financeiro de 2016, assim como a determinação do recolhimento da quantia de R$ 198.928,29 e a multa de 20% sobre o valor da irregularidade, porém reduzindo o prazo da sanção de suspensão de quotas do Fundo Partidário para 02 (dois) meses.

É como voto, Senhor Presidente.