REl - 0600364-35.2020.6.21.0031 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/12/2021 às 10:00

VOTO

A prestação de contas foi desaprovada em virtude de irregularidades no adimplemento de duas despesas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

A primeira falha refere-se ao custeio de gasto com alimentação da candidata, no valor de R$ 2.500,00, com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC); a segunda, à emissão de dois cheques no valor de R$ 4.300,00 cada, sendo que um foi devolvido por falta de fundos (cheque n. 850001) e o outro, compensado sem identificação do beneficiário no extrato bancário (cheque n. 850005).

Do exame das razões recursais, observa-se que a recorrente não impugnou a primeira irregularidade, pertinente à quantia de R$ 2.500,00, devendo ser mantida a sentença no ponto.

Ressalto que, na forma do art. 35, § 6º, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, o custo com alimentação da própria candidata não é considerado gasto eleitoral, portanto não pode ser adimplido com valores das contas de campanha ou procedentes do FEFC.

Nesse mesmo sentido, a manifestação da douta Procuradoria Regional Eleitoral, litteris: “Quanto à primeira irregularidade (pagamento da alimentação própria da candidata com recursos do FEFC, no valor de R$ 2.500,00), a recorrente nada alegou, devendo, consequentemente, ser mantida a sentença no ponto”.

Em relação à segunda irregularidade, a recorrente alega que os dois cheques foram emitidos para adimplir despesa com o fornecedor Ismael Nogueira Kirst, por serviços prestados no valor total de R$ 4.300,00, sendo que uma das cártulas foi descontada e a outra foi devolvida.

Com a peça recursal, a recorrente juntou a imagem do cheque devolvido, n. 850001, emitido nominalmente para Ismael Nogueira Kirst, no valor de R$ 4.300,00 (ID 41108933), e a nota fiscal eletrônica de serviços de propaganda e publicidade, NFe n. 202033 (ID 41108883), emitida em nome do prestador de serviços Ismael Nogueira Kirst.

Por se tratar de dois documentos simples, a documentação pode ser conhecidos nesta instância, uma vez que sua análise não demanda reabertura da instrução.

Entretanto, esses documentos não possuem o condão de afastar a irregularidade apontada na sentença.

As imagens são do cheque devolvido por falta de fundos (cheque n. 850001) e da nota fiscal do serviço, todavia, não há a juntada de qualquer documento comprobatório do efetivo pagamento ao fornecedor contratado, pois no extrato bancário não consta o beneficiário do cheque n. 850005, no valor de R$ 4.300,00.

Desse modo, permanece não comprovada a destinação da referida quantia, oriunda do FEFC. Nessa mesma linha, colho a manifestação do Parquet:

[…]

Depois, porque os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

Com efeito, tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento dos valores, apontando-se, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Por outro lado, se os valores não transitam pelo sistema financeiro nacional, é muito fácil que sejam, na realidade, destinados a pessoas que não compuseram a relação indicada como origem do gasto de campanha.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se tratam de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FEFC.

[...]

 

Por essas razões, não assiste razão à recorrente ao apontar que a falha está sanada pela documentação juntada ao recurso, seja porque não foi trazida cópia do cheque nominal e cruzado, seja porque houve omissão da identificação do beneficiário do recebimento do valor em questão, impedindo a rastreabilidade da quantia utilizada na campanha, conforme determina o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

 

Ademais, em consulta ao extrato bancário eletrônico disponibilizado pelo TSE no site DivulgaCandContas, está demonstrado que não consta no campo CPF/CNPJ o beneficiário do cheque efetivamente compensado na conta bancária, n. 850005, emitido pela candidata (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87491/210000883675/extratos).

Como o cheque n. 850001 foi devolvido e o de n. 850005 foi compensado sem identificação de seu beneficiário, não houve a devida comprovação da utilização dos recursos do FEFC e do pagamento realizado ao prestador de serviços declarado nas contas.

Desse modo, as razões recursais e a documentação acostada ao recurso são insuficientes para sanar a irregularidade em questão.

Outrossim, não se discute a boa-fé ou a má-fé da recorrente, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência e a lisura da prestação de contas. Na hipótese, houve descumprimento das regras contábeis aplicáveis a todos os candidatos.

Destarte, o recurso não comporta provimento, dado que remanescem as irregularidades no valor total de R$ 6.800,00, em razão de pagamento irregular de despesa de alimentação, no valor de R$ 2.500,00 e de não comprovação de despesas adimplidas com recursos do FEFC, no valor de R$ 4.300,00.

A quantia somada (R$ 6.800,00) representa 86,29% das receitas financeiras, no montante de R$ 7.880,00, não sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas, mesmo que com ressalvas, pois as falhas são graves e comprometem de forma insanável a confiabilidade e a transparência da movimentação financeira.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 6.800,00, nos termos da fundamentação.