REl - 0600083-72.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/12/2021 às 09:00

VOTO

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

No mérito, a sentença, julgando aprovadas as contas, determinou a IDO LUIZ FRANCO DE SOUZA o recolhimento de R$ 1.250,00 aos cofres públicos, consoante excerto a seguir reproduzido:

Realizada a análise técnica, foram mencionadas irregularidades e/ou impropriedades que comprometessem as contas apresentadas assim descritas: a) No que diz a utilização do Fundo Especial de Financiamento de Campanha foi constatada a existência de nota fiscal emitida em nome do CNPJ do prestador e constante no documento dos autos n. ID 79076973 - Despesa no valor de R$ 1.200,00. O prestador das contas em sua manifestação destaca que contratou os serviços de som, conforme nota fiscal nº 263 junto a empresa ER Áudio & Informática, CNPJ 17.864.561/0001-31, de propriedade do Sr. João Eduardo Ferreira Ribeiro. Referiu também, que o pagamento pelo serviço, no valor de R$ 1.200,00, foi realizado através do cheque nº 000001, do Banrisul, e que o fornecedor endossou o supracitado cheque para a Sra. Luciana Vieira da Silva. O parecer conclui que a referida nota fiscal não possui as características indispensáveis para a comprovação dos gastos eleitorais, mencionando apenas “serviço de sonorização”.

b) Ausência de comprovante de pagamento da GRU 79076987 - Sobra Campanha (SOBRA FEFC) referente aos valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) não utilizados - R$ 50,00, (art. 50, § 5º, da Resolução TSE 23.607/2019).

O parecer conclusivo propõe a rejeição das contas, porém entendo que as irregularidades apontadas não impedem que a Justiça Eleitoral exerça a verificação das contas do candidato. Os valores apontados de R$ 1.200,00, referem-se a serviços de sonorização de foram comprovadamente contratados. Não ficou devidamente comprovado o pagamento, já que o prestador não trouxe documento demonstrando o alegado endosso do cheque destinado ao pagamento. Mas isso não impede a aprovação das contas em face de não ser um obstáculo ao exercício fiscalizatório das contas.

No que diz as sobras de campanha, de R$ 50,00, também não se revelam relevantes pelo pequeno valor, mas não isenta o prestador de seu recolhimento. 

Os apontamentos foram contabilizados portanto não vislumbro irregularidade de monta para justificar a desaprovação das contas. No entanto, tais valores (R$1.250,00) deverão, nos termos do art. 32, V da Res. 23.607/19 do TSE, ser recolhido ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

 

Gizo que o recorrente não se insurgiu contra o comando de ressarcimento de R$ 50,00 ao erário, decorrente da falta de prova de recolhimento das verbas do FEFC não utilizadas, de modo que a questão se encontra alcançada pela preclusão, pois o efeito devolutivo do recurso (tantum devolutum quantum appellatum) circunscreve a análise pelo Tribunal somente às matérias que foram efetivamente impugnadas pelo recurso, não sendo possível ao juízo ad quem apreciar matéria não devolvida, nos termos do art. 1.013, caput, do CPC.

Portanto, como se observa, a questão gravita em torno da comprovação de gasto com serviços de sonorização, no montante de R$ 1.200,00, quitado com recursos do FEFC, mediante cheque depositado por terceiro, alheio à relação contratual entre o fornecedor e o candidato.

Em consulta ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, percebe-se, a partir do exame do extrato eletrônico da conta bancária referente aos recursos do FEFC (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88013/210001055960/extratos), que o cheque n. 1, no importe de R$ 1.200,00, que supostamente teria sido empregado para pagamento de dispêndio de campanha contratado com ER ÁUDIO & INFORMÁTICA, CNPJ 17.864.561/0001-31, de propriedade de JOÃO EDUARDO FERREIRA RIBEIRO, findou por ser depositado por LUCIANA VIEIRA DA SILVA, CPF n. 016.189.650-26.

Cumpre frisar que, conquanto tenha sido alegado pelo candidato, na instância de origem, que o título de crédito em tela foi emitido em proveito do fornecedor, e que esse, posteriormente, o endossou para a depositante, não foi carreada ao feito a imagem da cártula.

Assim, na linha do propugnado pela ilustre Procuradoria Regional Eleitoral, não merece reforma o decisum hostilizado.

A forma de pagamento dos gastos eleitorais encontra-se disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal ao fornecedor, mas também cruzado.

A exigência de cruzamento do título visa impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço informados no ajuste contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

In casu, os documentos juntados não evidenciam que os recursos públicos foram realmente destinados ao prestador de serviços declarado, porquanto não consta no extrato bancário o nome da empresa como beneficiária do pagamento de R$ 1.200,00, nem tampouco foi juntada cópia da cártula empregada para quitação da despesa.

Sobre o ponto, colho a judiciosa manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral:

Não obstante, diga-se que os documentos previstos no art. 60, caput, e §§ 1º e 2º da Resolução TSE nº 23.607/2019 jamais se prestam, sozinhos, à comprovação dos gastos eleitorais, devendo, pois, serem entendidos como um reforço de comprovação em relação àqueles informados no art. 38 e seus incisos da mesma Resolução, segundo o qual “os gastos eleitorais de natureza financeira (...) só podem ser efetuados por meio de: (I) cheque nominal cruzado; (II) transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; (III) débito em conta; ou (IV) cartão de débito da conta bancária”. Em outras palavras, os documentos fiscais idôneos, com o preenchimento de todos os dados necessários a que alude o art. 60, devem se somar aos meios de pagamento determinados no art. 38, jamais podendo ser apontados como alternativos ou exclusivos para efeito de comprovação da efetiva e regular utilização dos recursos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Tal caráter meramente complementar dos documentos do art. 60 se extrai de dois pilares principais.

Primeiro, tais documentos não possuem fé suficiente, uma vez que são de produção unilateral, ou, no máximo, bilateral, entre o candidato e uma pessoa qualquer informada como fornecedor de serviço ou de bem, o que claramente pode dar margem a burlas mediante a entabulação de relações simuladas, com o intuito de encobrir o real destino dos valores da campanha.

Depois, porque os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

Com efeito, tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento dos valores, apontando-se, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Por outro lado, se os valores não transitam pelo sistema financeiro nacional, é muito fácil que sejam, na realidade, destinados a pessoas que não compuseram a relação indicada como origem do gasto de campanha.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se tratam de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FP ou FEFC.

Assinalo que não procede a alegação do recorrente, de que a despesa restou devidamente comprovada, por meio da nota fiscal anexada aos autos, uma vez que tal documento foi emitido na forma estabelecida pelo art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Esta Corte tem entendido que o documento fiscal não é hábil, por si só, para provar a realização de gasto eleitoral, fazendo-se mister a demonstração de que seu pagamento tenha se dado em conformidade com o prescrito no art. 38 do referido diploma normativo, mormente quando se tratar de uso de recursos públicos.

O tópico em exame foi amplamente debatido neste Colegiado, que sufragou o referido entendimento para o pleito de 2020, conforme ementa que reproduzo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(TRE-RS, REl 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 6 de julho de 2021.) Grifei.

Assim, ausente a devida demonstração da escorreita utilização de recursos públicos, impõe-se a obrigação de o candidato ressarcir o montante de R$ 1.250,00 ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, na forma decidida pelo juízo da origem.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por IDO LUIZ FRANCO DE SOUZA, para manter a determinação de recolhimento da quantia de R$ 1.250,00 ao Tesouro Nacional.