REl - 0601129-60.2020.6.21.0110 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/12/2021 às 09:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereador, CLÁUDIA RAQUEL DUARTE, no Município de Imbé/RS.

Consta que a sentença desaprovou a contabilidade da candidata devido a várias irregularidades que comprometeram as contas apresentadas, em especial a contrariedade ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, em percentual superior a 60% do valor movimentado. 

A sentença (ID 40952083) foi assim fundamentada:

As contas foram prestadas tempestivamente, por intermédio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE e tramitaram em forma digital através do Processo Judicial Eletrônico - PJE, conforme determina o § 1º do art. 46 da Res. TSE n.º 23.607/2019.

Feita a nova análise das contas a partir das alegações apresentadas pelo candidato, foi emitido Parecer Conclusivo pela Desaprovação das Contas.

O Ministério Público Eleitoral pugnou pela desaprovação da prestação de contas.

Conforme identificado na análise técnica das contas, verificou-se que houve várias irregularidades que comprometeram a regularidade das contas apresentadas, em especial a contrariedade ao art. 53, inciso I, alínea g da Resolução TSE n.º 23.607/2019, em um percentual superior a 60% do valor movimentado na prestação de contas.

Isto posto, considerando os apontamentos do Parecer Conclusivo de Desaprovação de Contas e a manifestação do Ministério Público Eleitoral, nos termos do inciso III, do art. 74 da Resolução TSE 23.607/2019, JULGO DESAPROVADA a presente prestação de contas da candidata identificada em epígrafe.

 

No parecer conclusivo (ID 40951733), foram identificadas divergências entre as informações relativas às despesas constantes na prestação de contas e aquelas apresentadas na base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante circularização e/ou informações voluntárias de campanha e/ou confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

No que concerne à primeira irregularidade, note-se que o atraso nos relatórios financeiros foi de apenas 10 dias, e os valores das receitas (R$ 19,00 e R$ 800,00 doados pela própria candidata) são módicos.

Assim, afasto a irregularidade apontada, por considerar que a falha não tem o condão de prejudicar a aferição da regularidade das contas.

Em relação à segunda irregularidade apontada - recebimento de recursos estimáveis que não pertencem ao patrimônio do doador e que não são fruto de sua atividade laboral, caracterizando receitas de origem não identificada, com violação ao disposto no art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE 23.607/19 -, a recorrente informa o recebimento de doação espontânea de um prestador de serviço, por meio de recurso estimável no valor de R$ 200,00. O doador se declara proprietário e possuidor de “impulsionamento de redes sociais" (ID 40950933) e que teria transferido à candidata os materiais a serem usados durante a campanha eleitoral, ou seja, ele teria impulsionado conteúdo no aplicativo Facebook durante a campanha da candidata.

Sem razão a recorrente.

Ao contrário do alegado, o que de fato aconteceu foi o pagamento do impulsionamento diretamente pelo doador, sem que houvesse a transferência do recurso financeiro diretamente para a conta bancária de campanha. A própria recorrente aduz em seu recurso (ID 40952333) que:

O mesmo doou parte do valor do impulsionamento de conteúdos, na quantia de R$ 200,00 (duzentos reais), sendo o responsável pelos impulsionamentos do Aplicativo Social “Facebook”, em recursos estimáveis, sendo responsável pelo pagamento do boleto. (Grifo nosso)

 

Quanto à terceira irregularidade, despesas junto a fornecedor cujo sócio ou administrador está inscrito em programa social, afasto a irregularidade, por entender que a simples inscrição em programas sociais não indica necessariamente a ausência de capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado.

A despesa objeto do apontamento provém da contratação de Diego Giralt Nunes, sócio de empresa, que se encontra inscrito como beneficiário de Programa Social. O fornecedor foi contratado para a criação e manutenção de site, no valor de R$ 340,00.

A recorrente afirma que, “quando da prestação de serviço efetuada por Diego Giralt Nunes, não ocorreu qualquer comunicação que indicasse o contratado ser beneficiário de Programa Social” e que, se houve irregularidade, seria do fornecedor. O serviço prestado foi de ordem simples (criação e manutenção de site), em valores baixos, e que não exige alta capacidade operacional.

Nesse sentido, recente julgado desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA DE BENS NO REGISTRO DE CANDIDATURA. APLICAÇÃO DE RECEITA PRÓPRIA NA CAMPANHA. JUNTADOS AO RECURSO DOCUMENTOS QUE COMPROVAM A EXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO E RENDA. PAGAMENTO DE DESPESA À EMPRESA CUJA PROPRIETÁRIA ERA BENEFICIÁRIA DO AUXÍLIO EMERGENCIAL. PANDEMIA. NOVO CORONAVÍRUS. PREVISÃO LEGAL. AFASTADA A IRREGULARIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas referentes às eleições municipais de 2020 para o cargo de vereador, em virtude da declaração de ausência de bens no requerimento de registro de candidatura, mas posterior aplicação de recursos próprios na campanha e pagamento de despesa a empresa cuja proprietária recebera auxílio emergencial do Governo Federal em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus.

2. Juntados ao recurso documentos que comprovam a existência de patrimônio, consistentes na prova de que, durante a campanha, o prestador recebeu indenização decorrente de rescisão de contrato de trabalho e da Declaração de Imposto de Renda do Ano-calendário de 2020, que atesta a existência de renda naquele ano. Embora este Tribunal tenha o entendimento de que, em processos de prestação de contas de campanha, os documentos simples juntados somente em grau recursal podem ser conhecidos, desde que sua análise não demande exame técnico contábil e possa ser realizada de plano e icto oculi pelo julgador, sem necessidade de reabertura da instrução, é certo que a documentação deveria ter sido apresentada de forma tempestiva durante a tramitação das contas no primeiro grau. Sanada a falha nesta instância recursal.

3. Afastada a irregularidade quanto à realização de despesas com fornecedor supostamente carente de capacidade econômica. Gasto contratado com beneficiária de auxílio emergencial do Governo Federal, tratando-se de pagamento efetuado a microempreendedor individual (MEI), atividade em que a concessão do benefício é expressamente autorizada pelo art. 2º, inc. VI, al. "a", da Lei n. 13.982/20.

4. Provimento. Aprovação das contas.

(REl 0600350-86.2020.6.21.0084, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 23.07.2021.) (Grifo nosso)

 

Ademais, como concluiu a Procuradoria Regional Eleitoral, a Lei n. 14.020/20 (que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda) não exige falência da pessoa jurídica para que seus sócios recebam benefício emergencial, bastando que a empresa esteja em dificuldades financeiras. É nesse sentido o ilustre parecer da Procuradoria Regional Eleitoral: “(...) uma empresa pode estar com dificuldades financeiras, em virtude da pandemia, mas operando”.

Por fim, em relação à quarta irregularidade - identificação de notas fiscais não declaradas com o fornecedor Facebook Serviços Online Brasil Ltda., no valor total de R$ 600,00, consistindo em gasto eleitoral pago com receitas de origem não identificada -, a matéria objeto de análise encontra-se disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 32, verbis:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada.

(...)

 

Em suas razões, a recorrente limita-se a informar que “tais documentos são disponibilizados apenas decorridos 30 dias após o pagamento do boleto, e a candidata não omitiu tal informação, pois devidamente lançados no SPCE os referidos boletos e os comprovantes de pagamentos e/ou doação”.

No tocante a essa irregularidade, não houve esclarecimento quanto à situação da nota fiscal emitida contra o CNPJ da campanha, não declarada, no valor de R$ 600,00, referente a despesas com serviços online do Facebook. Para o afastamento da irregularidade, deveria ser devidamente cancelado o cupom fiscal, providência não adotada.

Assim, afasto a 1ª e 3ª irregularidades, persistindo, porém, a 2ª e a 4ª falhas, que, somadas, perfazem R$ 800,00, valor absoluto reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.) (Grifo nosso)

 

Consoante esse entendimento, em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo o valor total de R$ 800,00 (2ª e 4ª irregularidades) inferior ao parâmetro da Justiça Eleitoral e não envolvendo utilização indevida de recursos públicos, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para aprovar com ressalvas as contas de CLÁUDIA RAQUEL DUARTE.