REl - 0600440-98.2020.6.21.0115 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/11/2021 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Juntada Intempestiva de Documentos

Ainda em sede preliminar, cumpre analisar a alegação de falta de análise do juízo de primeiro grau da documentação juntada aos autos.

O recorrente admitiu que se manifestou intempestivamente por ocasião da apresentação de documentos com a finalidade sanear as irregularidades (ID 39427533), bem como busca justificar a mora sob a afirmação de que os candidatos tiveram dificuldades de acesso a informações em razão da pandemia, requerendo, ao fim, o reconhecimento de violação no curso processual, da ampla defesa e do contraditório.

Ao analisar os autos, verifica-se que o parecer técnico preliminar foi emitido em 17.01. 2021 (ID 39426783), no qual foram identificadas irregularidades nas contas do candidato.

Por sua vez, o recorrente foi devidamente intimado em 19.01.2021, porém, deixou transcorrer in albis o prazo para manifestação. Somente em 10.02.2021, o prestador juntou documentação no intuito de sanar as falhas de sua contabilidade (ID 39427083).

In casu, contata-se que foram observados os procedimentos previstos na Resolução TSE n. 23.607/19, não ocorrendo a sustentada violação ao devido processo legal e nem prejuízo ao contraditório e à ampla defesa. Dessa forma, não há nulidade a ser decretada sobre os atos processuais havidos durante o curso da instrução de primeiro grau.

Entretanto, no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal Regional tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pelo exame de novos documentos em grau recursal, ainda que não submetidos à apreciação do juízo de primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica.

Nesse sentido, o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR ACOLHIDA. CONHECIMENTO DE NOVOS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. MÉRITO. RECEBIMENTO DE VALORES PROVENIENTES DO DIRETÓRIO NACIONAL DA AGREMIAÇÃO SEM A IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR ORIGINÁRIO. DOCUMENTOS APRESENTADOS SUPRIRAM A FALHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar acolhida. Juntada de novos documentos com o recurso. Este Tribunal, com base no art. 266, caput, do Código Eleitoral, tem se posicionado pelo recebimento de documentos novos com as razões de recurso, até mesmo quando não submetidos a exame de primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura mostra capacidade de influir positivamente no exame das contas, ou seja, o saneamento da falha deve resultar de plano da documentação, sem necessidade de qualquer persecução complementar.

2. Recebimento de valores provenientes do diretório nacional da agremiação, sem a identificação dos doadores originários, em afronta ao art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15. Os esclarecimentos prestados, associados às informações constantes nos recibos das doações, permitem aferir, de forma clara, os doadores originários com seus respectivos CPFs, cumprindo a determinação normativa. Afastadas as sanções impostas. 3. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 1428 SANTIAGO - RS, Relator: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 25/04/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 75, Data 29/04/2019, Página 7) (Grifei.)

Logo, sendo essa a hipótese dos autos, prestigiando o amplo exercício do direito de defesa pelo recorrente e o interesse público pela transparência das contas eleitorais, conheço dos documentos juntados no ID 39427083.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Do Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidato ao cargo de vereador, relativa às eleições do ano de 2020.

A sentença que desaprovou as contas e impôs multa no valor de R$ 670,23 (seiscentos e setenta reais e vinte e três centavos) reconheceu as seguintes falhas: a) falta do comprovante de recolhimento à respectiva direção partidária das sobras financeiras de campanha relativas a conta “Outros Recursos”; b) ausência de comprovação de propriedade de bem estimável (veículo), cedido à campanha eleitoral; c) divergências entre os dados de fornecedor registrados da prestação de contas e as informações da Secretaria da Receita Federal; d) divergência entre o registro de despesas na prestação de contas e aqueles informados para a Justiça Eleitoral, obtidas mediante circularização; e) extrapolação do limite de gastos com recursos próprios; f) atraso na abertura da conta de doações de campanha; e g) divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos.

Inicialmente, constatou-se um pequeno erro material na sentença, no ponto que afastou a irregularidade relativa ao pagamento de fornecedores cujos sócios receberam o auxílio emergencial. Como bem pontuado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, Fabio Nesi Venzon, o juízo a quo ao consignar em sua decisão “os doadores inscritos em programas sociais” está se referindo aos fornecedores que receberam o benefício social, conforme registrado no parecer técnico (ID 39426783).

Passo a analisar, individualmente, as falhas apontadas pela análise técnica.

a) Ausência do comprovante de recolhimento à respectiva direção partidária das sobras financeiras de campanha relativas a conta “Outros Recursos”.

A primeira irregularidade apontada no parecer técnico, se refere a ausência de apresentação do comprovante de recolhimento à respectiva direção partidária das sobras financeiras de campanha relativas a conta “Outros Recursos”, no valor de R$ 0,50 (cinquenta centavos).

A legislação eleitoral estabelece a obrigatoriedade de transferência das sobras de campanhas eleitorais ao órgão partidário da respectiva circunscrição, de acordo com a origem das receitas e a filiação partidária do candidato, até a data prevista para a apresentação das contas na Justiça Eleitoral, consoante preceitua o art. 50, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Compulsando os autos, verifica-se que o recorrente, ainda que intempestivamente (10.02.2021), realizou a transferência das sobras de campanha para o partido e apresentou o respectivo comprovante (ID 39427333).

Dessa forma, considerando o valor ínfimo e a apresentação do comprovante, considero sanada a presente irregularidade.

b) Ausência de comprovação de propriedade de bem estimável (veículo) cedido à campanha eleitoral.

Com relação a segunda irregularidade, o parecer técnico (ID 39426783) identificou a possível omissão de movimentação financeira em razão da ausência de comprovação de propriedade do veículo Ford Fiesta 1.6 Flex, ano 2011, placa IRZ5378, cedido para campanha como doação estimável e registrado na prestação de contas (ID 39425683).

Todavia, a falha não trouxe prejuízo à transparência da contabilidade, pois, ao consultar Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88374/210001229792/bens), foi possível apurar que o candidato declarou a propriedade de veículo automotor ao requerer o registro da sua candidatura e juntou aos autos o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV), emitido para exercício de 2019 (ID 39427183).

Desse modo, reputo atendido o disposto no art. 25, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/2019, segundo o qual “Os bens próprios do candidato somente podem ser utilizados na campanha eleitoral quando demonstrado que já integravam seu patrimônio em período anterior ao pedido de registro da respectiva candidatura”.

Assim, afasto a irregularidade em tela.

c) Divergências entre os dados de fornecedor registrados na prestação de contas e as informações da Secretaria da Receita Federal.

A terceira irregularidade apontada pela analista técnica se refere à divergência entre os dados do fornecedor Comércio de Combustíveis Oliveira Ltda., constantes da prestação de contas e as informações da Secretaria da Receita Federal.

Ao analisar o Demonstrativo de Despesas com Combustível (ID 39425033), o fornecedor registrado nas contas é a empresa Comércio de Combustíveis Oliveira (CNPJ 90.364.183/0001-17). Em consulta realizada no sítio eletrônico da Receita Federal (https://servicos.receita.fazenda.gov.br/servicos/cnpjreva/Cnpjreva_Comprovante.asp), o referido CNPJ pertence à empresa Arcide Fontanella (nome fantasia: Posto do Dico).

Para esclarecer a irregularidade apontada, o recorrente apresentou o cheque nominal não cruzado n. 000003 e as notas fiscais ns. 133854 (R$ 157,11), 134423 (R$ 207,30) e 134630 (R$ 128,43), emitidas pela empresa Comércio de Combustíveis Oliveira (CNPJ 04.582.645/0004-83).

Na hipótese, observa-se que o CNPJ da referida empresa Comércio de Combustíveis Oliveira constante nas notas fiscais é diferente daquele informado no Demonstrativo de Despesas com Combustível (ID 39425033) e o pagamento desses gastos foi realizado com cheque não cruzado, contrariando o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Contudo, ao examinar o extrato da conta de campanha disponível no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88374/210001229792/extratos), verifica-se, na identificação da contraparte, que o cheque n. 000003, nominal à Comércio de Combustíveis Oliveira, no valor de R$ 492,00 (quatrocentos e noventa e dois reais), foi descontado pelo mesmo fornecedor apontado como beneficiário na cártula (ID 39427283).

Como se percebe, ainda que não cruzada a cártula, a quantia foi efetivamente descontada à conta bancária do fornecedor informado, fato que cumpre os efeitos pretendidos pela norma, demonstrando, de forma confiável, o destino da verba de campanha.

Dessa forma, remanesce, quanto ao ponto, a mera falha formal quanto ao lançamento equivocado do CNPJ da empresa contratada no demonstrativo contábil, o que, diante da regularidade da nota fiscal e da correspondência entre o beneficiário do pagamento e o fornecedor do serviço, não compromete a lisura do gasto eleitoral em questão.

d) Divergência entre o registro de despesas na prestação de contas e aqueles informados para a Justiça Eleitoral, obtidas mediante circularização.

O parecer técnico (ID 28109733) identificou possível omissão de gastos eleitorais em razão da divergência entre o registro de despesas na prestação de contas e o confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, obtidas mediante circularização, emitidas pelo fornecedor Comércio de Combustíveis Oliveira Ltda., conforme o seguinte quadro:

De fato, restou incontroverso que foram emitidas notas fiscais pelo fornecedor Comércio de Combustíveis Oliveira Ltda. com a indicação do número do CNPJ atribuído à campanha do candidato, no valor total de R$ 876,34 (oitocentos e setenta e seis reais e trinta e quatro centavos).

No intuito de esclarecer os apontamentos, o recorrente explicou que o pagamento dessas despesas foi realizado com os cheques ns. 3 e 4 ao fornecedor informado.

Para comprovar suas alegações, o prestador juntou aos autos as notas fiscais ns. 133854 (R$ 157,11), 134423 (R$ 207,30), 134630 (R$ 128,43), quitadas com o o cheque n. 3, bem como as notas fiscais ns. 135898 (R$ 179,35) e 135199 (R$ 204,15), emitidas pela empresa Comércio de Combustíveis Oliveira (CNPJ 04.582.645/0004-83) ao candidato (IDs 39427283 e 39427233), como exige o art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Simultaneamente, houve a apresentação das cópias dos cheques ns. 3 (R$ 492,00) e 4 (R$ 383,00), não cruzados e nominais ao fornecedor (IDs 39427283 e 39427233).

Outrossim, por meio de consulta aos extratos eletrônicos disponibilizados pelo TSE, constata-se que as referidas despesas eleitorais foram efetivamente quitadas mediante a emissão dos cheques aludidos, compensados na conta n. 06.016702.0-3, agência 0341, do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, no dia 10.11.2020, em favor da empresa Comércio de Combustíveis Oliveira, CNPJ 04.582.645/0004-83 (disponível em (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88374/210001229792/extratos).

Dessa forma, foi possível aferir as informações relativas à contratação da despesa e o pagamento efetuado ao fornecedor, com a devida identificação contraparte beneficiária do pagamento, de modo a sanear a falha constatada.

Na mesma linha, colaciono julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINARES AFASTADAS. JUNTADA DE DOCUMENTOS. NÃO CONHECIDA. PRESTAÇÃO DE CONTAS RETIFICADORA. ANÁLISE PELO JUÍZO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. NULIDADE PROCESSUAL AFASTADA. ATO INTIMATÓRIO REALIZADO. PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO - PJe. REGULARIDADE. RESOLUÇÃO TRE-RS N. 347/20. OMISSÃO DE RECEITAS E DE DESPESAS. IRREGULARIDADES SANADAS. IDENTIFICAÇÃO DA ORIGEM E DA DESTINAÇÃO DOS RECURSOS AUFERIDOS NA CAMPANHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas relativas às eleições de 2020, diante da omissão de receitas e despesas nos demonstrativos contábeis, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Preliminares afastadas: a) Admissibilidade de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura possa sanar irregularidades e não haja necessidade de nova análise técnica. Providência que não se coaduna com a hipótese de juntada da própria prestação de contas retificadora. Não conhecido o documento juntado com o apelo. b) O recorrente foi intimado do despacho judicial para apresentar defesa quanto aos apontamentos constantes do parecer conclusivo, por intermédio de ato de comunicação no Processo Judicial Eletrônico (PJe), em conformidade com o regramento contido no art. 26, § 4º, da Resolução TRE-RS n. 347/20.

3. Omissão de receitas. Apesar de não ter realizado o registro da receita, restou demonstrada a sua origem e comprovado não se tratar de recurso oriundo de fonte vedada. Gastos eleitorais quitados mediante a emissão de cheques, compensados, tendo o recorrente juntado as notas fiscais correspondentes, como exige o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. Não verificada má-fé por parte do prestador quanto às declarações prestadas à Justiça Eleitoral, tampouco prejuízo à identificação da origem e da destinação dos recursos auferidos na campanha. A inconsistência formal da escrituração contábil não constitui motivo suficiente à manutenção do juízo de reprovabilidade das contas. Aprovação com ressalvas.

5. Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n 060032786, ACÓRDÃO de 24/06/2021, Relator: DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE) (Grifei.)

Logo, ficou demonstrado que o gasto eleitoral com combustível foi pago com recursos que transitaram pela conta específica da campanha. Por conseguinte, não houve o comprometimento da fiscalização e análise da movimentação desses recursos pela Justiça Eleitoral.

Feitas essas considerações, afasto a irregularidade em análise.

e) Extrapolação do limite de gastos com recursos próprios.

O parecer conclusivo de exame técnico das contas (ID 39426783), identificou a extrapolação no uso de recursos próprios no valor de R$ 670,23 (seiscentos e setenta reais e vinte e três centavos), referente à doação de R$ 901,00 (novecentos e um reais) em dinheiro e de um veículo próprio no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), totalizando R$ 1.901,00 (mil, novecentos e um reais), com a imposição de multa correspondente a 100% do valor irregular.

O prestador alega inexistir a extrapolação na doação de recursos próprios, tendo em vista que os depósitos efetuados foram de R$ 901,00 (novecentos e um reais), sendo que os R$ 1.000,00 (mil reais) restantes consistem em receita estimável pela cedência do veículo de sua propriedade para uso na campanha.

É certo que a lei permite a utilização de recursos próprios pelos candidatos em suas campanhas eleitorais, desde que atendidos os requisitos e os limites previstos em lei.

Quanto ao tema, assim dispõe o art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/2019, in verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

[…]

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º). (Grifei.)

Observe-se que o dispositivo supracitado, além de limitar as doações de pessoas físicas em 10% sobre seus rendimentos no ano anterior, também condiciona o uso de recursos próprios até o mesmo percentual, calculado sobre o valor do teto de gastos do cargo ao qual o candidato concorreu.

In casu, as alegações e argumentos trazidos pelo recorrente não o socorrem, tendo em vista que a exceção prevista no § 3º do art. 27 supramencionado, refere-se exclusivamente ao caput do artigo e não ao seu § 1º, ou seja, os bens estimáveis em dinheiro não farão parte do cálculo apenas nos casos de doações de terceiros, pessoas físicas, que possuem limitação de doação de até 10% sobre seus rendimentos brutos auferidos no ano anterior a eleição.

Dessa forma, é imperioso concluir que a norma prevista no § 1º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19 abrange os valores doados pelo candidato em sua totalidade, sejam valores estimáveis em dinheiro ou não.

É o que está disposto expressamente no art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:

I – o total dos gastos de campanha contratados pelos candidatos;

II – as transferências financeiras efetuadas para outros partidos políticos ou outros candidatos; e

III – as doações estimáveis em dinheiro recebidas. (Grifei.)

Assim, tendo em vista que o limite de gastos nas eleições de 2020 para o cargo de vereador no Município de Santa Bárbara do Sul foi de R$ 12.307,75 (doze mil, trezentos e sete reais e setenta e cinco centavos), o prestador, ao utilizar recursos próprios na campanha no montante de R$ 1.901,00 (mil, novecentos e um reais), extrapolou em R$ 670,23 (seiscentos e setenta reais e vinte e três centavos) o limite previsto na norma.

Nesse contexto, julgo caracterizado o ilícito tendo em vista que o limite legal, objetivamente previsto, foi ultrapassado.

f) Atraso na abertura da conta de doações de campanha.

Em relação ao atraso na abertura da conta de doações de campanha, a unidade técnica apontou que a conta n. 0601670203 foi aberta em 09.10.2020, ao passo que a data de concessão do CNPJ havia sido em 28.09.2020, razão pela qual teria sido superado o prazo de 10 (dez) dias previstos no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Observo que a conta foi aberta 11 dias após a data de concessão do CNPJ ao candidato e não ficou comprovado nos autos que houve movimentação financeira antes da abertura de conta para a campanha, portanto a referida falha não impediu o exame das contas.

Diante dessas circunstâncias, a extrapolação do prazo previsto no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 não comprometeu as contas de forma grave, constituindo-se em mera impropriedade formal.

g) Divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos.

As irregularidades relativas aos cheques ns. 3 e n. 4, emitidos para pagamentos de combustível ao fornecedor Comércio de Combustíveis Oliveira Ltda., foram analisadas e afastadas nos tópicos “c” e “d” do voto.

Quanto à falta de lançamento na prestação de contas da tarifa bancária no valor de R$ 31,00 (trinta e um reais), no dia 22.10.2020, observa-se que foi estornada no dia seguinte, de acordo com os registros no extrato bancário juntado aos autos (ID 39426283), em nada comprometendo a regularidade ou o exame das contas.

Portanto, afasto a irregularidade em questão.

Percentual da Irregularidade Constatada

Por fim, permanece a irregularidade de extrapolação do limite de gastos com recursos próprios (R$ 670,23) que representa aproximadamente 9,84% das receitas arrecadadas pelo candidato (R$ 6.809,50), ficando, portanto, abaixo do percentual de 10% utilizado como limite para permitir a aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência desta Corte e do TSE.

Nesse contexto, em que envolvido percentual ínfimo dos recursos recebidos pelo candidato, viabiliza-se o juízo de aprovação com ressalvas, aplicando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, na linha de julgados deste Tribunal e do TSE:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES DE 2016. VEREADOR. LIMITE DE GASTOS COM ALIMENTAÇÃO. DIVERGÊNCIA QUANTO À AUTORIA DAS DOAÇÕES. IRREGULARIDADES INFERIORES A 10% DA ARRECADAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Gastos com alimentação que excedem em 3,2% o limite de despesas dessa natureza e divergência entre os dados do extrato bancário e as declarações de doações registradas no balanço contábil que expressam 3,57% dos recursos arrecadados. Falhas que, somadas, representam menos de 10% dos recursos utilizados na campanha, não prejudicando a confiabilidade das contas. Incidência do princípio da proporcionalidade. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – RE: 41060 PORTO ALEGRE – RS, Relator: DES. ELEITORAL MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 25/06/2018, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, Data 27/06/2018, Página 6) (Grifei.)

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL DE 2016. DIRETÓRIO NACIONAL DE PARTIDO POLÍTICO. IMPROPRIEDADE. OMISSÃO DE DESPESAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL. ME0RA FALHA FORMAL. ENTENDIMENTO APLICADO AO PLEITO DE 2016. ÚNICA IRREGULARIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESA PAGA COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO, NO VALOR DE R$ 1.350,00, QUE CORRESPONDE A, APROXIMADAMENTE, 0,10% DO TOTAL DE RECURSOS ARRECADADOS NA CAMPANHA (R$ 1.310.227,97). DEVOLUÇÃO DO RESPECTIVO VALOR AO ERÁRIO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTE. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS. (…) 4. Aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 4.1. Conforme o entendimento deste Tribunal Superior, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicados na hipótese em que o valor das falhas é inexpressivo e não há indícios de má-fé nem prejuízo à análise das contas pela Justiça Eleitoral. Precedente. 4.2. Na espécie, a irregularidade ficou limitada à não comprovação de despesa paga com recurso do Fundo Partidário, no valor de R$ 1.350,00, que representa, aproximadamente, 0,10% do total de recursos arrecadados na campanha (R$ 1.310.227,97), o que permite aplicar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior. 5. Conclusão: contas aprovadas com ressalvas. 6. Determinação. Devolução ao erário do valor de R$ 1.350,00, referente à irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Partidário, no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado desta decisão, nos termos do art. 72, § 1º, da Res. TSE nº 23.463/2015.

(TSE – PC: 42477201660000000000 BRASÍLIA – DF, Relator: MIN. OG FERNANDES, Data de Julgamento: 27/08/2020, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 199, Data 05/10/2020, Página 0) (Grifei.)

Por essas razões, a sentença deve ser reformada para aprovar com ressalvas as contas do recorrente.

Ainda, o juízo de primeiro grau aplicou multa no montante de R$ 670,23 (seiscentos e setenta reais e vinte e três centavos), correspondentes a 100% da cifra que superou o limite de gastos com aplicação de recursos próprios pelo candidato, quantum que se mostra adequado e proporcional às circunstâncias fáticas do caso concreto.

Ressalto que a determinação de multa é consequência específica da extrapolação do limite de doação de recursos próprios para campanha, estabelecido no § 4º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo devida mesmo no julgamento pela aprovação das contas com ressalvas.

Nesse sentido, a jurisprudência deste Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. AUSENTE MÁ-FÉ. APORTE EM VALOR DIMINUTO. LIMITE DE 10% ULTRAPASSADO. MULTA MANTIDA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de candidata relativas ao pleito de 2020, diante da utilização de recursos próprios em montante superior a 10% do limite de gastos de campanha para o cargo em disputa, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, com fundamento nos arts. 27, §§ 1º e 4º, e 74, inc. III, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Parecer da unidade técnica deste TRE/RS a confirmar a destinação de recursos próprios para a campanha eleitoral em montante superior ao limitado pela legislação. A ausência de má-fé, somada ao diminuto valor absoluto da irregularidade, ultrapassando em pouco o limite de 10% dos valores auferidos, possibilitam o juízo de aprovação das contas com ressalvas. Circunstância que não exime a recorrente do pagamento da penalidade de multa.

3. Provimento parcial.

(TRE-RS – Prestação de Contas n 0600435-15, ACÓRDÃO de 11.5.2021, Relator: DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico-PJE) (Grifei.)

Destaco, apenas, ser necessária a correção, de ofício, de erro material na sentença quanto à destinação da penalidade de multa ao Tesouro Nacional, uma vez que o valor de R$ 670,23 (seiscentos e setenta reais e vinte e três centavos) deve ser recolhido ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos termos do art. 38, inc. I da Lei n. 9.096/95.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de Larri Leonel Bazzanella, relativas ao pleito de 2020, mantendo a determinação de recolhimento da multa no valor de R$ 670,23 (seiscentos e setenta reais e vinte e três centavos), a qual, corrigindo-se, de ofício, erro material da sentença, deve ser destinada ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos termos do art. 38, inc. I da Lei n. 9.096/95.