REl - 0600464-29.2020.6.21.0115 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/11/2021 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Juntada Intempestiva de Documentos

Ainda em sede preliminar, cumpre analisar a alegação de falta de análise do juízo de primeiro grau da documentação juntada aos autos.

O recorrente admitiu que se manifestou intempestivamente por ocasião da apresentação de documentos com a finalidade sanear as irregularidades (ID 39513783). Em suas razões, busca justificar a mora sob a afirmação de que os candidatos tiveram dificuldades de acesso a informações em razão da pandemia, requerendo, ao fim, o reconhecimento de violação, no curso processual, da ampla defesa e do contraditório.

Ao analisar os autos, verifica-se que o parecer técnico preliminar foi emitido em 17.01. 2021 (ID 39513433), no qual foram identificadas irregularidades nas contas do candidato.

Por sua vez, o recorrente foi devidamente intimado em 19.01.2021, porém, deixou transcorrer in albis o prazo para manifestação. Somente em 10.02.2021, o prestador juntou documentação no intuito de sanar as falhas de sua contabilidade (ID 39513783).

In casu, contata-se que foram observados os procedimentos previstos na Resolução TSE n. 23.607/19, não ocorrendo a sustentada violação ao devido processo legal e nem prejuízo ao contraditório e à ampla defesa. Dessa forma, não há nulidade a ser decretada sobre os atos processuais havidos durante o curso da instrução de primeiro grau.

Entretanto, no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal Regional tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pelo exame de novos documentos em grau recursal, ainda que não submetidos à apreciação do juízo de primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica.

Nesse sentido, o seguinte julgado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR ACOLHIDA. CONHECIMENTO DE NOVOS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. MÉRITO. RECEBIMENTO DE VALORES PROVENIENTES DO DIRETÓRIO NACIONAL DA AGREMIAÇÃO SEM A IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR ORIGINÁRIO. DOCUMENTOS APRESENTADOS SUPRIRAM A FALHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar acolhida. Juntada de novos documentos com o recurso. Este Tribunal, com base no art. 266, caput, do Código Eleitoral, tem se posicionado pelo recebimento de documentos novos com as razões de recurso, até mesmo quando não submetidos a exame de primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura mostra capacidade de influir positivamente no exame das contas, ou seja, o saneamento da falha deve resultar de plano da documentação, sem necessidade de qualquer persecução complementar.

2. Recebimento de valores provenientes do diretório nacional da agremiação, sem a identificação dos doadores originários, em afronta ao art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15. Os esclarecimentos prestados, associados às informações constantes nos recibos das doações, permitem aferir, de forma clara, os doadores originários com seus respectivos CPFs, cumprindo a determinação normativa. Afastadas as sanções impostas. 3. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 1428 SANTIAGO - RS, Relator: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 25/04/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 75, Data 29/04/2019, Página 7) (Grifei.)

Logo, sendo essa a hipótese dos autos, prestigiando o amplo exercício do direito de defesa pelo recorrente e o interesse público pela transparência das contas eleitorais, conheço dos documentos juntados no ID 39513733.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Do Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidato ao cargo de vereador, relativa às eleições do ano de 2020.

A sentença que desaprovou as contas e impôs multa no valor de R$ 749,09 (setecentos e quarenta e nove reais e nove centavos) reconheceu as seguintes irregularidades: a) ausência de comprovação de propriedade de bem estimável (veículo), cedido à campanha eleitoral; b) divergência entre o registro de despesas na prestação de contas e aqueles informados para a Justiça Eleitoral, obtidos mediante circularização; c) extrapolação do limite de gastos com recursos próprios; d) inconformidade entre o número da conta bancária informado no SPCE e aquele constante nos extratos eletrônicos; e e) saldo negativo no extrato bancário, no valor de R$ 0,42 (quarenta e dois centavos), caracterizando dívida de campanha.

Inicialmente, constatou-se um erro material na sentença, no ponto que afastou a irregularidade relativa ao pagamento de fornecedores cujos sócios receberam o auxílio emergencial. Como bem pontuado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, Fabio Nesi Venzon, o juízo a quo ao consignar em sua decisão os “doadores inscritos em programas sociais” está se referindo aos fornecedores que receberam o benefício social, conforme registrado no parecer técnico (ID 39513433).

Passo a analisar, individualmente, as falhas apontadas pela análise técnica.

a) Ausência de comprovação de propriedade de bem estimável (veículo) cedido à campanha eleitoral.

Na primeira irregularidade, o parecer técnico (ID 39513433) identificou a possível omissão de movimentação financeira em razão da ausência de comprovação de propriedade do veículo GM/Celta 4P, LIFE, Ano 2007, cor branca, placa INP 8280 cedido para campanha como doação estimável e registrado na prestação de contas (ID 39512033).

Todavia, tal falha não trouxe prejuízo à transparência da contabilidade, pois, ao consultar o Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88374/210001229431/bens), foi possível apurar que o candidato declarou a propriedade de veículo automotor ao requerer o registro da sua candidatura e juntou aos autos o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV), emitido para exercício de 2020 (ID 39513833).

Desse modo, reputo atendido o disposto no art. 25, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual “Os bens próprios do candidato somente podem ser utilizados na campanha eleitoral quando demonstrado que já integravam seu patrimônio em período anterior ao pedido de registro da respectiva candidatura”.

Assim, afasto a irregularidade em tela.

b) Divergência entre o registro de despesas na prestação de contas e aqueles informados para a Justiça Eleitoral, obtidos mediante circularização

Com relação à segunda irregularidade, o parecer técnico (ID 28109733) identificou possível omissão de gastos eleitorais em razão de divergência entre o registro de despesas na prestação de contas e o confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, obtidas mediante circularização, emitidas pelo fornecedor Comércio de Combustíveis Oliveira Ltda., conforme o seguinte quadro:


De fato, restou incontroverso que foram emitidas notas fiscais pelo fornecedor Comércio de Combustíveis Oliveira Ltda. com a indicação do número do CNPJ atribuído à campanha do candidato, no valor total de R$ 535,08 (quinhentos e trinta e cinco reais e oito centavos).

No intuito de justificar os apontamentos do parecer técnico, afirma que o pagamento das notas fiscais ns. 132719 (R$ 99,89) e 134191 (R$ 84,47) foi realizado com um único cheque (R$ 184,26).

De fato, dos extratos eletrônicos disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral, verifica-se o desconto do cheque n. 4, no montante de R$ 184,26, à conta bancária do “Comércio de Combustíveis Oliveira Ltda” (disponível em https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88374/210001229431/extratos).

Entretanto, a quantia alcançada pela soma das notas fiscais ns. 132719 (R$ 99,89) e 134191 (R$ 84,47) é de R$ 184,36, havendo uma diferença de R$ 0,20 (vinte centavos) em relação valor constatado na cártula emitida.

Ainda, o recorrente explicou que a nota fiscal n. 132716, no valor de R$ 1,00 (um real), foi um erro do fornecedor que esqueceu de anular o documento.

Por fim, relativamente às notas fiscais ns. 134218 (R$ 50,12) e 134548 (R$ 99,90), informa que foram emitidas em razão de abastecimento particular com recursos pagos pela pessoa física, salientando que, por um equívoco, o Posto de Combustível emitiu a nota para o CNPJ de campanha.

Sobre o tema, a legislação eleitoral preconiza que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, conforme preceitua o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

Nesse sentido, impõe-se ao candidato o dever de comprovar que a despesa eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma regular.

A emissão de nota fiscal sem o registro da despesa correspondente na prestação de contas revela indícios de omissão de gastos eleitorais em violação ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

[…]

g) receitas e despesas, especificadas;

No presente caso, o não reconhecimento das despesas eleitorais referente às notas fiscais não declaradas haveria de ser comprovado, v.g., com a demonstração do cancelamento da nota fiscal emitida, nos termos previstos no art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 92. (...).

[...]

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

Na mesma linha, a jurisprudência desta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. SUPLENTE. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. OMISSÃO DE DESPESA. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Omissão de despesas caracterizada pela existência de documentos fiscais sem o correspondente registro na prestação de contas. Falha grave que impossibilita a identificação da origem dos recursos utilizados para pagamento das despesas contratadas. Na espécie, apesar das alegações da prestadora acerca da emissão unilateral da nota fiscal e da argumentação sobre a responsabilização por ato de terceiro, não foi demonstrado o cancelamento do documento, de forma que se impõe o reconhecimento da omissão na prestação de contas. 2. As despesas omitidas na prestação de contas caracterizam recursos de origem não identificada, visto que foram ou serão pagas com recursos que deixarão de transitar pelas contas de campanha e de submeter-se ao controle da Justiça Eleitoral, o que atrai a imposição de recolhimento do valor equivalente ao Tesouro Nacional. Falha equivalente a 4,67% do total da receita declarada, possibilitando a aplicação dos precedentes desta Corte e do TSE que autorizam a aprovação com ressalvas das contas. (PC n. 0602542-21.2018.6.21.0000, j. em 05.11.2019, Relator: DES. ELEITORAL GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHALER)

Da análise dos documentos fiscais se extrai que as notas fiscais emitidas em nome do candidato ainda permanecem como ativas.

Dessa forma, ausente o cancelamento da nota ou a apresentação de justificativa idônea relativa à impossibilidade de realizar o procedimento junto ao órgão fiscal, conclui-se que o gasto eleitoral ocorreu em benefício da campanha do candidato e que deveria ter sido registrado na prestação de contas.

No ponto, colho os fundamentos indicados no parecer exarado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Nesi Venzon, os quais agrego as minhas razões de decidir:

Primeiramente, observa-se que a soma das despesas referentes às NFEs 132719 e 134191 resulta em R$ 184,36, não correspondendo ao pagamento de 184,26, realizado em 28.10.2020. Segundo, as NFEs 132716 (R$ 1,00), 134218 (R$ 50,12) e 134548 (R$ 99,90) foram lançadas contra o CNPJ da campanha eleitoral, não tendo havido o seu cancelamento conforme determina o art. 92, §§ 5º e 6º da Res. TSE 23.607/19.

Logo, conclui-se que o candidato realizou despesas com o fornecedor Comercio Combustíveis Oliveira LTDA no montante de R$ 535,08 porém declarou e efetivou o pagamento de R$ 383,86 (subsistindo uma diferença de R$ 151,22). Como as divergências no seu conjunto não foram esclarecidas, subsiste a irregularidade na sua integralidade.

Por conseguinte, as despesas relativas às notas fiscais omitidas na prestação de contas foram pagas com valores não individualizados nos registros financeiros, assim, tecnicamente, devem ser consideradas como recebimento de recurso de origem não identificada e, portanto, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

No mesmo sentido, colacionado julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDA A DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA COM O RECURSO. MÉRITO. OMISSÃO DE DESPESA. GASTO COM COMBUSTÍVEL. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. EXCESSO DO LIMITE DE AUTOFINANCIAMENTO. REDUÇÃO DA MULTA. RECOLHIMENTO AO FUNDO PARTIDÁRIO. SIGNIFICATIVO VALOR ABSOLUTO DAS IRREGULARIDADES. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra desaprovação de prestação de contas de candidato ao cargo de vereador, com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, em virtude de omissão de despesa com combustível referente à nota fiscal emitida contra o CNPJ de campanha, determinando o recolhimento do respectivo montante ao Tesouro Nacional, e da extrapolação do limite de gastos com recursos próprios, impondo a devolução ao erário do valor correspondente ao excesso, além da aplicação de multa equivalente a 200% da quantia ultrapassada.

2. Conhecida a documentação apresentada com o recurso, seguindo a orientação firmada neste Tribunal, pois seu exame independe de novo parecer técnico.

3. Omissão de despesas com combustível. Emissão de nota fiscal contra o CNPJ de campanha não declarada na prestação de contas, não havendo comprovação da fonte dos recursos utilizados para adimplemento das obrigações, caracterizando-os como de origem não identificada. Embora o prestador tenha declarado que o cupom fiscal foi emitido por equívoco, nenhum documento comprobatório do alegado foi juntado aos autos. Tampouco noticiado o cancelamento da nota fiscal. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

4. Identificada extrapolação do limite para aplicação de recursos próprios regulamentado pelo art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19. O desconhecimento da legislação eleitoral não exime ou exclui a ilicitude da conduta. Redução do valor da multa para 100% do valor ultrapassado, patamar máximo regulamentar. Afastada a condenação ao recolhimento da quantia excedida ao Tesouro Nacional, dada a falta de amparo legal. A sanção por excesso do limite de autofinanciamento deve ser recolhida ao Fundo Partidário, por se tratar de multa eleitoral.

5. A irregularidade representa 29,48% dos recursos declarados como recebidos, o que impossibilita a aprovação das contas, mesmo com ressalvas, pois o valor absoluto é significativo e superior ao parâmetro de mil UFIR, e o percentual supera o limite de 10% do total das receitas, considerados critérios objetivos à alteração do juízo de reprovação da contabilidade.

6. Parcial provimento. Redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional e da multa aplicada.

(PC n. 0600435-83.2020.6.21.0048, j. em 28.10.2021, Relator: DES. FEDERAL LUIS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE) (Grifei.)

Contudo, não tendo sido determinada pela sentença a devolução de recursos ao Tesouro Nacional e interposto recurso apenas pelo candidato, não cabe, nesta instância, apreciação de ofício da matéria, sob pena de violação do princípio da reformatio in pejus.

c) Extrapolação do limite de gastos com recursos próprios.

O parecer conclusivo de exame técnico das contas (ID 28109733) identificou a extrapolação no uso de recursos próprios no valor de R$ 749,09 (setecentos e quarenta e nove reais e nove centavos), referente à doação de R$ 979,86 (novecentos e setenta e nove reais e oitenta e seis centavos) em dinheiro e de um veículo próprio no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), totalizando R$ 1.979,86 (mil, novecentos e setenta e nove reais e oitenta e seis centavos), com a imposição de multa correspondente a 100% da quantia irregular.

O prestador alega não existir a extrapolação na doação de recursos próprios, tendo em vista que os depósitos efetuados foram de R$ 979,86 (novecentos e setenta e nove reais e oitenta e seis centavos), sendo que os R$ 1.000,00 (mil reais) restantes correspondem à receita estimável pela cedência do veículo de sua propriedade para uso na campanha.

É certo que a lei permite a utilização de recursos próprios pelos candidatos em suas campanhas eleitorais, desde que atendidos os requisitos e os limites previstos em lei.

Quanto ao ponto, assim dispõe o art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

[…]

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º). (Grifei.)

Observe-se que o dispositivo supracitado, além de limitar as doações de pessoas físicas em 10% sobre seus rendimentos no ano anterior, também condiciona o uso de recursos próprios até o mesmo percentual, calculado sobre o valor do teto de gastos do cargo ao qual o candidato concorreu.

In casu, as alegações e argumentos trazidos pelo recorrente não o socorrem, tendo em vista que a exceção prevista no § 3º do art. 27 supramencionado, refere-se exclusivamente ao caput do artigo e não ao seu § 1º, ou seja, os bens estimáveis em dinheiro não farão parte do cálculo apenas nos casos de doações de terceiros, pessoas físicas, que possuem limitação de doação de até 10% sobre seus rendimentos brutos auferidos no ano anterior a eleição.

Dessa forma, é imperioso concluir que a norma prevista no § 1º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19 abrange os valores doados pelo candidato em sua totalidade, sejam valores estimáveis em dinheiro ou não.

É o que está disposto expressamente no art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, litteris:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:

I – o total dos gastos de campanha contratados pelos candidatos;

II – as transferências financeiras efetuadas para outros partidos políticos ou outros candidatos; e

III – as doações estimáveis em dinheiro recebidas. (Grifei.)

Assim, tendo em vista que o limite de gastos nas eleições de 2020 para o cargo de vereador no Município de Santa Bárbara do Sul foi de R$ 12.307,75 (doze mil, trezentos e sete reais e setenta e cinco centavos), o prestador, ao utilizar recursos próprios na campanha no montante de R$ 1.979,86 (mil, novecentos e setenta e nove reais e oitenta e seis centavos), extrapolou em R$ 749,09 (setecentos e quarenta e nove reais e nove centavos) o limite previsto na norma (ID 39513433).

Nesse contexto, julgo caracterizado o ilícito tendo em vista que o limite legal, objetivamente previsto, foi ultrapassado.

d) Inconformidade entre o número da conta bancária informado no SPCE e aquele constante nos extratos eletrônicos.

Relativamente à divergência entre as informações da conta bancária informada na prestação de contas em exame e aquelas constantes dos extratos eletrônicos, a analista técnica realizou os seguintes apontamentos:

Compulsando os autos, verifica-se que o recorrente apresentou extrato bancário da conta de campanha aberta no Banco Banrisul S/A, agência 0341, conta n. 06.016670.0-8 (ID 39512933).

Nessas circunstâncias, a mera divergência de informações relativas à numeração da conta bancária de campanha do recorrente não constitui, por si só, irregularidade capaz de macular as contas em seu conjunto, pois consubstancia erro meramente formal, conforme previsão do art. 76, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 76. Erros formais e/ou materiais corrigidos ou tidos como irrelevantes no conjunto da prestação de contas não ensejam sua desaprovação e aplicação de sanção (Lei nº 9.504/1997, art. 30, §§ 2º e 2º-A).

Portanto, a irregularidade inicialmente constatada se traduz em mera impropriedade, que não afeta a regularidade e transparência das contas.

e) Saldo negativo no extrato bancário, no valor de R$ 0,42, caracterizando dívida de campanha.

O parecer técnico (ID 28109733) realizou apontamento no sentido da existência de dívida de campanha no valor de R$ 0,42 (quarenta e dois centavos).

O recorrente alega que não existe dívida de campanha, argumentando que “em 16/11/2020 a conta estava com saldo R$ 0,00”. Acrescenta que, “em 30/11/2020 (após as eleições) o banco efetuou indevidamente um débito de juros no valor R$ 0,42 (quarenta e dois centavos) na referida conta”, a qual já foi encerrada e “não ficou dívida alguma”.

Apesar dos esclarecimentos prestados pelo candidato e do valor irrisório do apontamento, verifica-se há omissão quanto à comprovação do adimplemento do débito, até o prazo previsto para a apresentação das contas, ou de sua assunção pelo respectivo órgão partidário, o que representa descumprimento das disposições contidas no art. 33, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Percentual da Irregularidade Constatada

Por fim, as irregularidades verificadas alcança a monta de R$ 900,73 (R$ 151,22 + R$ 749,09 + R$ 0,42), cifra que, conquanto represente 14% das receitas declaradas (R$ 6.179,86), mostra-se, em termos absolutos, reduzida e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módica, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), possibilitando a aprovação das contas com ressalvas.

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto, que prepondera sobre eventual aferição do alcance percentual das falhas, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o somatório das irregularidades se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10 (TRE-RS: PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020, e REl n. 0600399-70.2020.6.21.0103, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 20.05.2021).

Ainda, o juízo de primeiro grau aplicou multa no montante de R$ 749,09 (setecentos e quarenta e nove reais e nove centavos), correspondentes a 100% da cifra que superou o limite de gastos com aplicação de recursos próprios pelo candidato, quantum que se mostra adequado e proporcional às circunstâncias fáticas do caso concreto.

Ressalto que a determinação de multa é consequência específica da extrapolação do limite de doação de recursos próprios para campanha, estabelecido no § 4º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo devida mesmo no julgamento pela aprovação das contas com ressalvas.

Destaco, apenas, ser necessária a correção, de ofício, de erro material na sentença quanto à destinação da penalidade de multa ao Tesouro Nacional, uma vez que o valor de 749,09 (setecentos e quarenta e nove reais e nove centavos) deve ser recolhido ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos termos do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso para reformar a sentença e aprovar com ressalvas as contas de Paulo Roberto da Silva Esteriz, relativas ao pleito de 2020, mantendo a determinação de recolhimento da multa no valor de R$ 749,09 (setecentos e quarenta e nove reais e nove centavos), a qual, deverá ser destinada ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos termos do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.