REl - 0600553-75.2020.6.21.0075 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/11/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada na origem, em razão da aplicação de recursos próprios no valor de R$ 6.453,00, excedendo em R$ 5.222,22 o limite de 10% dos gastos de campanha previstos para o cargo em disputa.

O tema encontra a sua regulamentação no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990  (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

Grifei.

Na hipótese, o candidato aplicou recursos financeiros próprios na campanha, em espécie, no valor de R$ 1.063,00, bem como realizou a cessão do veículo próprio estimada em R$ 5.390,00. Portanto, considerados os recursos financeiros e os estimáveis em dinheiro, o montante alcança R$ 6.453,00.

Assim, como referido, sendo de R$ 12.307,75 o limite de gastos para o cargo em tela, e estando o candidato limitado ao uso de 10% deste valor em recursos próprios, ou seja, R$ 1.230,78, a sentença concluiu pelo excesso na monta de R$ 5.222,22.

Entretanto, desse total, devem ser descontados os valores utilizados para o pagamento de gastos pessoais com combustíveis, na cifra de R$ 467,50, por aplicação do art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante o qual não configura gasto eleitoral e não pode ser pago com recursos de campanha o valor despendido em combustível e manutenção do veículo utilizado pelo candidato, in verbis:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(…).

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

Com efeito, sequer haveria a obrigatoriedade de contabilização da referida despesa na movimentação financeira de campanha, razão pela qual não se mostra razoável que a quantia integre a aferição dos limites de gastos manejados pelo candidato.

Nesse sentido, bem ponderou a Procuradoria Regional Eleitoral que o candidato “poderia, simplesmente, ter deixado de doar para a campanha os valores utilizados para adquirir combustível (não havia exigência de contabilização dessas receitas e despesas), não podendo ser punido por ter sido mais transparente do que exige a norma”.

Por outro lado, o recorrente alega que os recursos estimáveis, consistentes na cessão do veículo próprio, não deveriam ser considerados para fins de aferição do limite de gastos, pois excepcionados pelo art. 27, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ocorre que a exceção invocada não alcança as doações em questão.

Não obstante seja o uso de recursos próprios do candidato disciplinado no § 1º do art. 27, alocando-se no mesmo dispositivo que trata das doações de pessoas físicas e permitindo a confusão apresentada na tese recursal, resta claro que a ressalva contida no § 3º se direciona apenas à hipótese prevista no caput, qual seja, as doações de terceiros, pessoas físicas, e não àquelas advindas do próprio candidato.

Outrossim, o art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe expressamente sobre a contabilização das doações estimáveis em dinheiro para efeito de cálculo de limite de gastos realizados pelo candidato, litteris:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:

[…].

III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas.

Grifei.

Ao não excepcionar os recursos estimáveis em dinheiro do parâmetro para aferição do limite de gastos de cada cargo em disputa, a norma visa à igualdade, ainda que relativa, entre os concorrentes, ou seja, uma forma de mitigar eventuais desequilíbrios patrimoniais prévios dos candidatos, que poderiam interferir de modo substancial nos resultados da campanha.

Nesse aspecto, convém trazer à colação as judiciosas considerações da Procuradoria Regional Eleitoral:

E a razão de ser da inclusão, no limite do autofinanciamento com recursos próprios, das doações estimáveis em dinheiro é assegurar o princípio da isonomia entre os candidatos. Caso assim não fosse, por exemplo, um candidato que não possuísse veículo automotor teria incluído, para o cômputo dos seus limites de gastos, as despesas realizadas com recursos próprios com aluguel de carro, enquanto o candidato que possuísse veículo não teria qualquer gasto incluído para aferição do mesmo limite legal, para a realização de idêntica atividade de campanha.

O posicionamento relativo à contabilização das receitas financeiras e estimáveis em dinheiro na verificação do atendimento do limite de gastos restou acolhido pelo Tribunal Superior Eleitoral, em pleitos anteriores, justamente com o escopo de assegurar tratamento isonômico entre os candidatos, conforme ilustra ao seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS. BENS ESTIMÁVEIS. FALHA GRAVE. MULTA. DESPROVIMENTO.

1.  Autos recebidos no gabinete em 25.8.2017.

2.  No caso, o TRE/SE julgou desaprovadas contas do agravante por exceder em R$ 1.805,12 o limite de gastos de campanha estipulado pelo TSE em R$ 10.803,91.

3.  É falha grave a atrair multa e rejeição do ajuste contábil ultrapassar em quase 18% o limite de gasto previsto no pedido de registro de candidatura, sem justificativas plausíveis para prática do ilícito, ainda que os valores em excesso se refiram a bens estimáveis em dinheiro. Precedentes.

4.  Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 16966, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE de 15.6.2018.) Grifei.

Na mesma senda, tem se posicionado a jurisprudência deste Tribunal Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. AUTOFINANCIAMENTO. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE LEGAL. DOAÇÃO ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. CESSÃO DE VEÍCULO PESSOAL. CONTABILIZAÇÃO PARA FINS DE LIMITE DE GASTOS. ART. 5º, INC. III, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. IGUALDADE ENTRE OS CONCORRENTES. IRREGULARIDADE DE PERCENTUAL ELEVADO. NÃO APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2020, em razão da extrapolação do limite legal de gastos com recursos próprios, e aplicou multa no valor correspondente a 30% da quantia em excesso.

2. Ao não excepcionar os recursos estimáveis em dinheiro do parâmetro para aferição do limite de gastos de cada cargo em disputa, a norma visa garantir a igualdade, ainda que relativa, entre os concorrentes, ou seja, é uma forma de mitigar eventuais desequilíbrios patrimoniais prévios dos candidatos, que poderiam interferir de modo substancial nos resultados da campanha.

3. A ressalva contida no § 3º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19 direciona-se apenas à hipótese prevista no caput, qual seja, às doações de terceiros, pessoas físicas, e não àquelas advindas do próprio candidato, reguladas pelo respectivo § 1º.

4. Caracterizada a irregularidade, consubstanciada no valor de R$ 1.107,87 em excesso de gastos operados com recursos próprios da candidata, o que representa 37,77% das receitas declaradas, resta inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para mitigar a repercussão da falha sobre o conjunto da contabilidade.

5. Desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas e a condenação à multa correspondente a 30% da quantia em excesso.

(TRE-RS; REl 0600423-10.2020.6.21.0100; Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, sessão de 29.06.2021.)

Assim, está caracterizada a irregularidade, consubstanciada no valor de R$ 4.754,72 (R$ 5.222,22 – R$ 467,50) em excesso de gastos operados com recursos próprios do candidato, que representa 67,41% das receitas declaradas (R$ 7.053,00), inviabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para mitigar a repercussão da falha sobre o conjunto da contabilidade.

Outrossim, não se discute a boa-fé ou a má-fé do recorrente, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência e a lisura da prestação de contas. Na hipótese, ainda que o recorrente tenha possibilitado a identificação das fontes e a origem dos financiamentos de sua campanha, houve descumprimento das regras contábeis aplicáveis a todos os candidatos.

Na hipótese, a penalidade de multa restou fixada na sentença no percentual de 100% da quantia em excesso, com supedâneo no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, patamar que se afigura razoável, adequado e proporcional à falha verificada, uma vez que superado em aproximadamente 386% o teto legal de gastos.

Por fim, ressalto que deve ser corrigido, de ofício, o erro material da sentença ao destinar o valor da multa prevista no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97 para o Tesouro Nacional, pois a sanção por excesso do limite de autofinanciamento deve ser recolhida ao Fundo Partidário, na forma do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para reduzir o valor da multa para R$ 4.754,72, a qual, corrigindo, de ofício, erro material na sentença, deve ser recolhida ao Fundo Partidário, na forma do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95, mantida a desaprovação das contas.