REl - 0600364-47.2020.6.21.0124 - Voto Relator(a) - Sessão: 30/11/2021 às 14:00

VOTO

As contas foram desaprovadas em razão do recebimento de recursos de origem não identificada no total de R$ 1.160,00.

No caso dos autos, os extratos bancários das duas contas de campanha utilizadas para a movimentação de outros recursos apresentam dois depósitos em dinheiro, nos valores de R$ 150,00, na conta-corrente n. 511382, e R$ 1.010,00, na conta-corrente n. 511412, realizados em 06.11.2020.

Embora o depositante tenha sido identificado com o CPF do próprio candidato (ID 41919683 e 41919783), o procedimento contraria o art. 21, inc. I, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,09 para doações bancárias sucessivas em espécie, realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

(...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

§ 6º É vedado o uso de moedas virtuais para o recebimento de doações financeiras.

 

Nesse cenário, apesar de os comprovantes de depósitos indicarem como doador o CPF do próprio candidato, está correta a conclusão do juízo a quo, no sentido de que os valores não estão com a origem devidamente identificada.

Ressalto que é firme o posicionamento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, em virtude da ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e da natureza essencialmente declaratória desse ato bancário:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INCONFORMISMO. RESSARCIMENTO. VALORES DE DOAÇÃO. TESOURO NACIONAL.

1. A atual jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as doações acima de R$ 1.064,10 devem ser feitas mediante transferência eletrônica, nos exatos termos do art. 18, § 1º, da Res.-TSE 23.463, e o descumprimento da norma regulamentar não é reputado como falha meramente formal. Nesse sentido, já se assentou que “a aceitação de doações eleitorais em forma diversa da prevista compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos” (AgR-REspe 313-76, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018).

(...)

3. Em face da jurisprudência consolidada no tema, se não se admite a realização de depósito na "boca do caixa" para fins de prova da origem de doação, também a mera emissão do recibo eleitoral pelo candidato não possibilita, por si só, comprovar tal fato, o que ocorre justamente pela providência alusiva à transferência eletrônica entre contas bancárias, modalidade preconizada na resolução destinada a possibilitar a confirmação das informações prestadas.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 25476, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 02.8.2019.) (Grifei.)

 

Consigno, a tal respeito, que a Corte Superior entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,09 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

(...)

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

(...)

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 250, Data 19.12.2018, pp. 92/93.) (Grifei.)

 

No caso dos autos, inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos ou por qual motivo não foram realizados depósitos por transferências bancárias de modo conjunto, impossibilitando que a falha seja relevada.

Tal exigência normativa visa a assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso, como efetuado pelo recorrente.

O raciocínio é que o descumprimento da exigência de transferência bancária ou de cheque nominal cruzado não fica suprido pela realização de depósito em espécie identificado por determinada pessoa, circunstância que não se mostra apta para comprovar a efetiva origem do valor devido à ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário.

Destarte, o depósito em dinheiro igual ou acima de R$ 1.064,10, mesmo no caso de ser identificado com um CPF, ainda que do próprio candidato, é meio incapaz de comprovar a efetiva origem da receita devido à natureza essencialmente declaratória do ato.

E por esse motivo, ainda que o prestador, em suas razões, alegue equívoco no procedimento, referindo se tratar de mero erro formal, o fato de os comprovantes de depósito estarem identificados com o seu CPF, ou terem sido depositados em contas-correntes diferentes, não afasta a irregularidade.

Evidentemente, o fato de as contas bancárias serem distintas também não afasta a irregularidade, pois a norma estabelece limite diário para o recebimento desta modalidade de doação, e a falha acarreta o comprometimento da confiabilidade da transparência da movimentação financeira, não se tratando de falha meramente formal.

Os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, caso haja utilização dos recursos recebidos em desacordo com o estabelecido no dispositivo, ainda que identificado o doador, sendo essa a hipótese dos autos.

Não se trata de análise da boa ou má-fé dos prestadores, ou de hipótese de malversação e desvio dos recursos públicos recebidos, mas de manifesto e injustificável descumprimento de norma eleitoral aplicável a todos os candidatos.

Além disso, o total dos depósitos sucessivos realizados por um mesmo doador, em um mesmo dia, deve ser somado para fins de aferição do limite legal de R$ 1.064,09, em que facultado o crédito em espécie, tal qual prescrito no art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Desse modo, é inviável a tese de que apenas o depósito de valor mais baixo, de R$ 150,00, deve ser recolhido ao erário. Nesse sentido, a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral:

O fato de terem sido recebidos depósitos, no mesmo dia, em valor inferior a R$ 1.064,10 por parte de um mesmo doador (o próprio candidato), mas que, somados, ultrapassam a aludida quantia, não afasta o ilícito nos termos do art. 21, § 2º, da Resolução TSE 23.607/2019, podendo, inclusive, indicar tentativa de burla à vedação.

Além disso, é irrelevante para fins de aferição da irregularidade o motivo pelo qual os depósitos foram divididos em R$ 1.010,00 e R$ 150,00.

Importante salientar que o objetivo da regra é, para quantias mais significativas, exigir uma forma de doação que assegura à Justiça Eleitoral que os recursos saíram da conta do doador declarado, haja vista que o mero depósito de dinheiro com identificação do CPF não permite essa segurança, pois a informação do CPF no caso de depósito é inserida pelo próprio depositante, abrindo-se a possibilidade de colocação de qualquer CPF, o que, obviamente, não ocorreria se utilizada a transferência eletrônica ou depósito de cheque cruzado e nominal.

Exatamente em virtude do que referido no parágrafo anterior, não é suficiente a identificação do CPF do depositante nos comprovantes de depósito, sendo necessário, para comprovação da origem dos recursos, a juntada de extrato da conta pessoal do depositante demonstrando que valor equivalente foi sacado na mesma data, prova que não foi produzida no presente feito. Ao contrário, o recorrente afirma que já estava na posse dos valores em espécie.

 

Por conseguinte, deve-se compreender o conjunto dos dois depósitos efetuados no dia 06.11.2020 como operações únicas, em espécie, de R$ 1.160,00, em afronta às normas de regência.

Outrossim, é descabida a alegação de que a incumbência pela falha deve ser reputada à instituição financeira, pois o art. 45, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao estabelecer a responsabilidade dos candidatos pela observância das normas eleitorais no tocante à arrecadação de recursos e a movimentação bancária de receitas e despesas.

Nesse ponto, sequer se confirma a tese de que o depósito de R$ 150,00 efetuado no dia 06.11.2020 teria sido utilizado para pagamento de taxas bancárias, sendo certo que a Justiça Eleitoral não é competente para analisar a legalidade ou não das cobranças realizadas pelas instituições financeiras.

Ademais, verifica-se no extrato bancário (ID 41919483, p. 2), diferentemente do alegado pelo candidato, que o saldo anterior em conta, de R$ 50,00, somou-se ao valor de R$ 150,00, e que a integralidade da quantia foi utilizada para a compensação do cheque n. 850.002, no valor de R$ 200,00, pela empresa Premiar Trofeus e Medalhas Eireli, CNPJ n. 03.260.560/0001-73.

Tais dados estão disponíveis no Divulga Cand Contas, no seguinte endereço <https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85111/210000643539/extratos>.

Dessa forma, as razões recursais e a documentação acostada às contas são insuficientes para sanar a irregularidade em questão.

No caso concreto, tendo em vista que os depósitos em dinheiro realizados na conta bancária caracterizam recursos de origem não identificada, o total da quantia recebida deve ser recolhido ao Tesouro Nacional com fundamento no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesses termos, o recurso não comporta provimento em virtude da irregularidade de R$ 1.160,00, quantia que representa 34,52% do total das receitas financeiras, no montante de R$ 3.360,00, e ultrapassa o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera módico.

Com essas considerações, não é adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois a falha é grave e compromete de forma insanável a confiabilidade da movimentação financeira.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 1.160,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.