MSCrim - 0600224-60.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/11/2021 às 14:00

 VOTO

A decisão que deferiu a liminar foi exarada nos seguintes termos:

Cuida-se de mandado de segurança impetrado por ALEXANDRE ARANALDE SALIM contra atos do Juízo Eleitoral da 144ª Zona Eleitoral de Planalto, que deferiram, nos autos da Ação Penal n. 0600187-23.2021.6.21.0144, movida em face de Alcir José Hendges, em decorrência da imputação da prática dos delitos dos arts. 324, 325 e 326, com a causa de aumento do art. 327, incs. II e III, todos do Código Eleitoral, pedidos da defesa para que a) fossem juntadas as declarações de ajuste anual do imposto de renda do Promotor de Justiça Alexandre Salim, vítima dos crimes, assim como da sua empresa “Saad, Amim e Salim Cia. Ltda.”, relativas aos exercícios financeiros de 2018 e 2019; b) fosse requisitada ao Ministério Público, cópia integral do Processo Administrativo Disciplinar instaurado contra Alexandre Salim.

Relata que o Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia em face de Alcir José Hendges pela prática de calúnia, difamação e injúria, durante a propaganda eleitoral e com finalidade eleitoral, por meio que facilitou a divulgação das ofensas, contra o Promotor de Justiça Alexandre Salim, funcionário público e em razão de suas funções.

Autuada a ação penal eleitoral sob o nº 0600187-23.2020.6.21.0144, a defesa requisitou na audiência do dia 27/05/2021 a juntada da declaração de imposto de renda dos exercícios de 2018 e 2019 nos autos, da pessoa física, Promotor de Justiça Dr. Alexandre Salim, e da sua pessoa jurídica, Saad, Amim, Salim Cia. e Ltda.

Diz que a a medida foi deferida sem fundamentação alguma, por despacho de 8 de junho de 2021 e trouxe tumulto ao processo.

Na audiência do dia 1º de julho de 2021, a defesa requereu fosse oficiado ao Ministério Público requisitando "na integralidade" o Processo Administrativo instaurado contra a vítima Alexandre Salim.

Em 15/09/2021, aduz que, novamente, de forma insuficientemente fundamentada, o juízo impetrado deferiu a juntada da íntegra de processo administrativo disciplinar instaurado contra Alexandre Salim.

Pede, em liminar, a suspensão das decisões que deferiram as provas requeridas pela defesa na ação penal eleitoral nº 0600187-23.2020.6.21.0144, quais sejam, a juntada da declaração do Imposto de Renda da pessoa física e jurídica vinculada ao Impetrante, além da requisição/solicitação ao CNMP e juntada da íntegra do processo administrativo disciplinar em que foi sancionado administrativamente. Requer, ao final, a concessão da segurança.

É o relatório.

Decido.

Inicialmente, consigno que o mandado de segurança tem a função de garantir direito líquido e certo contra ato abusivo ou ilegal de autoridade pública, e por isso não pode ser usado como substitutivo de recurso, sob pena de se desnaturar a sua essência constitucional.

Além disso, o manejo de mandamus contra decisão judicial restringe-se às hipóteses excepcionais em que o ato impugnado se revelar teratológico, padecendo de flagrante ilegalidade ou abuso de poder.

Mesmo nesses casos excepcionais, a impetração somente será cabível quando não houver nenhum outro instrumento processual para atacar a decisão, na inteligência do enunciado da Súmula n. 267 do STF: “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”.

Confira-se, neste sentido, o Enunciado n. 22 da Súmula do TSE: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial recorrível, salvo situações de teratologia ou manifestamente ilegais”.

Na seara eleitoral, há a possibilidade de cabimento hipotético de mandado de segurança contra ato judicial, com suporte no art. 19 da Resolução TSE n. 23.478/16, o qual preconiza a irrecorribilidade das decisões interlocutórias (ou aquelas sem caráter definitivo) proferidas nos feitos eleitorais, conforme já assentado por esta Corte – exemplificativamente, o MS n. 19.498, Rel. Des. El. Hamilton Langaro Dipp, e o MS n. 30.573, Rel. Des. El. Ingo Wolfgang Sarlet.

E, interposta correição parcial neste Tribunal (Processo n. 0600004-18.2021.6.21.0144) o Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, assentou a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, de sorte que as decisões sem caráter definitivo não são impugnáveis de imediato por não estarem sujeitas à preclusão, salvo aquelas taxativamente previstas no art. 581 do CPP, em que é cabível o recurso em sentido estrito, segundo orientação consolidada na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO PENAL. ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL. DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. NATUREZA INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONFORMIDADE COM A LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA E COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. DESPROVIMENTO.

1. O recebimento da denúncia não desafia a impugnação pela via recursal, especialmente porque não se encontra ao abrigo das hipóteses excepcionais de cabimento de recurso em sentido estrito previstas no art. 581 do CPP. Precedentes.

2. O entendimento adotado pelo Tribunal Regional de São Paulo está amparado pela legislação de regência, além de estar em harmonia com a orientação jurisprudencial consolidada por este Tribunal Superior. 3. Agravo regimental desprovido.

(Agravo de Instrumento n. 060514881, Acórdão, Relator(a) Min. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 220, Data 06.11.2018.) (Grifo nosso)

Assim, diante da irrecorribilidade dos atos ora impugnados, tenho por conhecer da presente impetração.

E, ao analisar as decisões combatidas, considero demonstrados os requisitos para, liminarmente, suspendê-las.

Com efeito, a quebra do sigilo fiscal do impetrante e a determinação de que fosse juntado o inteiro teor do Processo Administrativo Disciplinar instaurado contra Alexandre Salim, não foi suficientemente fundamentada.

Confira-se a decisão sob ID 44847530:

Vistos.

Defiro os requerimentos da defesa transcritos no termo de audiência constantes

nestes autos, ID 88009109.

Oficie-se como requerido pela defesa. Prazo: 15 dias.

Cumpra-se.

Dil. Legais.

Em 8 de junho de 2021.

Em 15 de setembro de 2021, o juízo impetrado reiterou o deferimento da juntada da íntegra do Processo Administrativo Disciplinar, nos seguintes termos (ID 44847532):

[…]

3) No momento em que o Ministério Público Eleitoral acostou aos autos cópia da portaria de instauração e termo de aplicação de pena para fundamentar a sua pretensão, autorizou a defesa requerer a juntada da íntegra do Processo Administrativo Disciplinar.

Descabe pretender que seja acostado ao feito apenas as peças que interessam uma das partes.

Isso posto, defiro o pedido.

3.1) Oficie-se à Corregedoria-Geral do Ministério Público solicitando a remessa de cópia integral do PAD instaurado com fundamento na Reclamação Disciplinar n.º PR.00035.01082/2019-4. Prazo: quinze dias.

Como se percebe, não foi declinada nas decisões qual a relevância e pertinência da quebra do sigilo fiscal e do inteiro teor do PAD, com a denúncia oferecida na Ação Penal sob n. 0600187-23.2020.6.21.0144 que relatou os seguintes fatos delituosos (ID 44847528):

1º FATO:

No dia 11 de novembro de 2020, no município de Alpestre/RS, por meio de publicação do candidato na rede social Facebook (https://www.facebook.com/alcir.hendges/videos/4024347307593270),o denunciado Alcir José Hendges caluniou, durante a propaganda eleitoral e com finalidade eleitoral, por meio que facilitou a divulgação das ofensas, o Promotor de Justiça Alexandre Salim, funcionário público e em razão de suas funções, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.

Na ocasião, o denunciado verbalizou em vídeo publicado no seu perfil de candidato na rede social “Facebook” que a vitima coordenou uma “armação política” denominada Operação Paiol, praticando atos em desvio de função e finalidade a fim de favorecer interesses dos seus adversários políticos. Ao assim proceder, indicou a prática de crimes funcionais que não foram cometidos pelo Promotor de Justiça, como prevaricação e abuso de autoridade.

2º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do fato acima descrito, o denunciado difamou, durante a propaganda eleitoral e com finalidade eleitoral, por meio que facilitou a divulgação das declarações, o Promotor de Justiça Alexandre Salim, funcionário público e em razão de suas funções, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.

Na oportunidade, o denunciado alegou que o ofendido, durante as investigações da Operação Paiol, havia mentido e litigado de má fé contra o acusado e que, por consequência, sofrera condenação em procedimento apartado, só não tendo sido exonerado de suas funções como Promotor de Justiça em razão da pendência de recurso em instâncias superiores.

No entanto, a referida condenação por litigância de má-fé ocorreu em processo trabalhista, sem qualquer relação com a atuação do Promotor de Justiça na Operação Paiol, sendo a alegada punição disciplinar sofrida pelo membro do Ministério Público também totalmente desvinculada da referida operação.

3º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do fato acima descrito, o denunciado injuriou durante a propaganda eleitoral e com finalidade eleitoral, por meio que facilitou a divulgação das ofensas, o Promotor de Justiça Alexandre Salim, funcionário público e em razão de suas funções, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.

Na ocasião, o denunciado durante a exposição do vídeo supramencionado ressaltou que a vítima “é o tipo de Promotor que envergonha a instituição do Ministério Público e que não tem credibilidade nenhuma”.

O crime foi cometido por meio que facilitou a divulgação das ofensas (rede social “Facebook”), tendo, até o momento em que ajuizada representação eleitoral pelo Ministério Público para retirada da publicação (Processo n.º 0600164-77.2020.6.21.0144), 184 “curtidas”, 46 comentários e 59 compartilhamentos.

O crime foi cometido contra funcionário público em razão de suas funções.

ASSIM AGINDO, o denunciado ALCIR JOSÉ HENDGES incorreu nas sanções dos artigos 324, 325, 326, com a causa de aumento do art. 327, incisos II e III, todos do Código Eleitoral, tudo na forma do art. 69 do Código Penal.

Diante da narrativa dos fatos delituosos e da prova deferida pelo juízo impetrado, em análise perfunctória, vislumbro que, à míngua de fundamentação adequada, tenho como não demonstrada a pertinência da prova deferida com o objeto da ação penal, padecendo de ilegalidade as decisões ora impugnadas. A propósito, a quebra do sigilo fiscal deve vir acompanhada de sua utilidade e relevância ao deslinde do feito, sob pena de se constituir decisão que flerta com a teratologia.

Dessa forma, verifico a presença dos requisitos previstos no inciso III do art. 7º da Lei 12.016/09 para determinar a suspensão dos atos impugnados.

DIANTE DO EXPOSTO, defiro o pedido liminar para suspender os atos impugnados nos autos da Ação Penal 0600187-23.2020.6.21.0144, demonstrados no ID 44847530 e ID 44847532 destes autos, até o julgamento final do presente Mandado de Segurança.

Notifique-se a autoridade apontada como coatora, a fim de que, no prazo legal, preste as informações que entender necessárias.

Prestadas as informações ou ultrapassado o prazo fixado sem manifestação, abra-se vista dos autos à Procuradoria Regional Eleitoral para parecer.

 

Como forma de evitar desnecessária tautologia, adoto nesta fundamentação os argumentos dispostos na decisão (ID 44847525) que concedeu a liminar e suspendeu os efeitos do ato impugnado.

Em sede preliminar, observa-se que a impetração do Mandado de Segurança ocorreu em 05.10.21, dentro do prazo legal (120 dias), consoante o disposto pelo art. 23 da Lei 12.016/09.

Outro ponto preliminar aventado diz com o cabimento excepcional do mandado de segurança como instrumento recursal (art. 5º, inc. II, da Lei 12.016/09, Súmula n. 267 do STF e Súmula n. 22 do TSE), admitindo-se na medida em que inexiste recurso específico para atacar decisão interlocutória que autoriza produção de prova em processo penal eleitoral (art. 19, caput, da Resolução TSE n. 23.478/16, c/c o art. 581 do CPP).

No mérito, Alcir José Hendges, candidato a Prefeito de Alpestre nas eleições 2020 (não eleito) foi denunciado pelo Ministério Público Eleitoral pela prática dos crimes tipificados nos arts. 324 (calúnia), 325 (difamação) e 326 (injúria), com a causa de aumento do art. 327, incs. II e III, todos do Código Eleitoral, tudo na forma do art. 69 do Código Penal, em razão da (suposta) prática dos seguintes
fatos:

1º Fato: que o Promotor coordenou uma “armação política” chamada Operação Paiol, praticando atos de desvio de função e finalidade a fim de favorecer interesses dos adversários políticos do então candidato a prefeito.

2º Fato: que durante as investigações da Operação Paiol, o Promotor teria mentido e litigado de má-fé contra o candidato e, que, por isso, sofrera condenação em procedimento apartado, só não tendo sido exonerado de suas funções em razão de recursos pendentes em instâncias superiores.

3º Fato: que a vítima “é o tipo de Promotor que envergonha a instituição do Ministério Público e que não tem credibilidade nenhuma”.

Observe-se que, em síntese, os fatos narrados acima, ocorreram no dia 11 de novembro de 2020, na cidade de Alpestre/RS, oportunidade em que Alcir José Hendges, durante ato de sua propaganda eleitoral, proferiu ofensas em vídeo publicado no seu perfil de candidato na rede social “Facebook”, ou seja, por meio que facilitou a divulgação das ofensas, contra o Promotor Alexandre Aranalde Salim (funcionário público e em razão de suas funções).

As decisões ora atacadas e lavradas na Ação Penal n. 0600187-23.2021.6.21.0144, determinaram o que segue:

a) Na audiência do dia 27/05/21, a defesa requereu a juntada da declaração de imposto de renda dos exercícios de 2018 e 2019, da pessoa física (Promotor de Justiça Dr. Alexandre Salim), e da sua pessoa jurídica (Saad, Amim, Salim Cia. e Ltda). A ilustre magistrada deferiu o pedido da seguinte forma: “Defiro os requerimentos da defesa transcritos no termo de audiência constantes nestes autos “. (Grifo nosso)

b) De outra banda, na audiência do dia 01/07/21, a defesa requereu fosse oficiado ao Ministério Público requisitando na integralidade o Processo Administrativo Disciplinar - PAD instaurado contra a vítima Alexandre Salim. Oportunidade em que a douta magistrada da 144ª Zona Eleitoral de Planalto/RS, deferiu o pedido deste modo:

3) No momento em que o Ministério Público Eleitoral acostou aos autos cópia da portaria de instauração e termo de aplicação de pena para fundamentar a sua pretensão, autorizou a defesa requerer a juntada da íntegra do Processo Administrativo Disciplinar. Descabe pretender que seja acostado ao feito apenas as peças que interessam uma das partes.

Isso posto, defiro o pedido

Pelo que se depreende de ambas as decisões proferidas, o Juízo absteve-se de justificar e/ou demonstrar a existência de relação entre as provas deferidas, seja a juntada da Declaração do Imposto de Renda (pessoa física e jurídica do Parquet), seja a juntada da integralidade do PAD, e as ofensas proferidas pelo denunciado Sr. Alcir José Hendges.

Nesse sentido, a manifestação da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44861197):

[…]

Como se observa, as decisões que deferiram a juntada das provas requeridas pela defesa foram proferidas sem a apresentação da fundamentação jurídica necessária para justificar a pertinência dos elementos com os fatos imputados na denúncia, deixando, consequentemente, de atender ao disposto no art. 93, inc. IX da CRFB-8813, no art. 381, inc. III, do CPP14 e no art. 489, § 1º, do CPC.

 

Assim, embora a autoridade coatora tenha suscitado como razão de decidir o respeito ao princípio da ampla defesa, não há fundamento constitucional e/ou legal na decisão capaz de relativizar o sigilo da vida profissional da vítima dos crimes contra a honra com finalidade eleitoral, razão pela qual as decisões devem ser consideradas nulas.

Ante o exposto, VOTO pela concessão da ordem, para que sejam declaradas nulas as decisões proferidas na Ação Penal n. 0600187-23.2020.6.21.0144, que deferiram a juntada da declaração do Imposto de Renda da pessoa física e da pessoa jurídica vinculadas ao impetrante, bem como a requisição/solicitação ao CNMP e juntada da íntegra do processo administrativo disciplinar em que foi ele sancionado.