REl - 0600435-98.2020.6.21.0140 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/11/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, os recorrentes buscam a condenação dos recorridos por abuso de poder político e condutas vedadas, narrando que Iliandro Cesar Welter, na qualidade de Prefeito de Campo Novo e candidato à reeleição, não eleito, editou, em 05.11.2020, ou seja, em período próximo à data do pleito, o Decreto Municipal n. 126/2020, o qual, com base no índice IGP-M, atualizou o valor das cestas básicas assistenciais previstas na Lei Municipal n. 2.339/20, de R$ 155,00 para R$ 180,01.

Assim, conforme a narrativa recursal, houve usurpação da competência legislativa da Câmara Municipal e aumento ilícito do benefício com fins meramente eleitoreiros, com a distribuição das referidas cestas básicas sem qualquer critério, contemplando pessoas que não faziam jus ao benefício, razão pela qual Iliandro Cesar Welter incorreu em abuso do poder político e violou o disposto no art. 73, inc. IV e § 10, da Lei n. 9.504/97.

Conforme aponta a sentença, não se controverte nos autos que a distribuição de cestas básicas à população foi realizada com base na Lei Municipal n. 2.339/20 e justificada pela situação de calamidade pública e aumento da vulnerabilidade social decorrente das medidas de enfrentamento à pandemia causada pela Covid-19.

Com efeito, o Decreto Executivo Municipal n. 37/20 declara calamidade pública no Município de Campo Novo para fins de prevenção e de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia de coronavírus, circunstância que permite a realização das doações em anos eleitorais, na forma da exceção estipulada pelo art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, in verbis:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(...).

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Dessa forma, a existência de calamidade pública e de estado de emergência afasta a necessidade de que a entrega de bens decorra de programa social em execução nos anos anteriores, dada a natureza imprevisível de tais intercorrências.

Além disso, a Lei Municipal n. 2.339, de 08.04.2020, estabeleceu como medida complementar de redução da vulnerabilidade social das famílias sujeitas à diminuição de renda no período, a distribuição de cestas básicas, com previsão de seu valor, do total a ser distribuído e dos produtos básicos de sua composição, consoante transcrevo (ID 42968083):

Art. 1º Como medida complementar às estabelecidas para área da Saúde no Decreto n 37/2020, na área social é estabelecida a do fornecimento emergencial pelo município, aos trabalhadores autônomos, diaristas, avulsos e aos desempregados e as famílias que se encontrem em estado de vulnerabilidade social, de até 250 (duzentas e cinquenta) cestas básicas de alimentos e produtos de higiene, até o valor de R$ 155,00 (cento e cinquenta e cinco) reais cada sexta, constituída dos seguintes produtos básicos:

 

 

Art. 2 Fica a Secretaria Municipal da Assistência autorizada a efetuar a compra emergencial de até 250 (duzentos e cinquenta) cestas básicas com fulcro no art. 24, IV da Lei 8666/93, devendo a compra ser precedida de pesquisa formal de preços e atendimento das demais formalidades previstas no art. 26 da Lei 8666/93.

Art. 3 As despesas com a aquisição de que dispõe o art. 2 correrão por conta da seguinte dotação orçamentária 05.02.08.244.43.2029.339032.00000000.0001 da Lei de Meios Vigente.

Art. 4 A Secretaria Municipal de Assistência Social é incumbida de estabelecer mecanismos e controles para a adequada distribuição das cestas básicas adquiridas.

Art. 5 Determina-se a Secretaria Municipal de Assistência Social envidar medidas visando a mobilização, conscientização e o envolvimento e a participação de empresas, instituições e pessoas para o custeio de mais cestas básicas e outras medidas emergenciais complementares demandadas.

Art. 6 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.

 

O debate posto nos autos, em verdade, refere-se à edição do Decreto Executivo Municipal n. 126, de 05.11.2020, pelo qual foi atualizado o valor máximo previsto para as aludidas cestas básicas de R$ 155,00 para R$ 180,01, a partir da variação do índice IGP-M do período, nos seguintes termos (ID 42968033):

DECRETO EXECUTIVO MUNICIPAL N° 126/2020, DE 05 DE NOVEMBRO DE 2020.

Atualiza o limite definido pela Lei n° 2.339/20, para a aquisição das cestas básicas.

ILIANDRO CESAR WELTER, Prefeito Municipal de Campo Novo, Estado do Rio Grande do Sul, no uso de suas atribuições legais, que lhe são conferidas pela Lei Orgânica Municipal, e

CONSIDERANDO que a Lei n° 2.339/20, que autorizou o Município a efetuar a compra de 250 cestas básicas, para enfrentamento da crise causada pela pandemia de Coronavirus, definiu o limite de até R$ 155,00 por cesta básica;

CONSIDERANDO que, além da recomposição inflacionária, é de conhecimento público que, desde abril, quando foi aprovada a Lei, vários itens da cesta básica, como o arroz e o óleo de soja, sofreram um forte aumento de preços, em função da pandemia, de modo que o valor definido na Lei n° 2.339/20 é insuficiente, atualmente, para a compra dos itens constantes da cesta básica:

DECRETA:

Art. 1° - Fica atualizado o valor limite para a aquisição das cestas básicas, definido pela Lei n° 2.339/20, para R$ 180,01, de acordo com o IGP-M.

Art. 2° - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3° - Revogam-se todas as disposições em contrário.

 

Em sua defesa, os ora recorridos asseveram que todas as aquisições de cestas básicas pelo Poder Público Municipal, com base na Lei n. 2.339/20, ocorreram em data anterior ao referido Decreto, sendo distribuídas até 30.10.2020, e que não houve nenhuma outra compra ou entrega com incidência do valor atualizado do benefício.

A alegação é corroborada pelo conteúdo do Parecer n. 196/20, da Procuradoria-Geral do Município de Campo Novo, emitido em 03.11.2020 (ID 42968833), no qual se noticia que, até aquela data, “foram adquiridas 140 cestas básicas em virtude da Lei” e “que o valor de R$ 155,00 não é mais suficiente para a aquisição dos itens básicos definidos na Lei Municipal”, recomendando, ao final, que:

(...) antes do prosseguimento da presente Dispensa de Licitação, seja elaborado um Decreto atualizando o valor da cesta básica para R$ 180,01, de acordo com o índice IGP-M, que inclusive está de acordo com o valor apurado pela pesquisa de mercado realizada pelo Município, ou, caso a Administração entenda ser mais adequado, que sejam excluídos alguns itens da cesta, a fim de adequá-la ao valor de R$ 155,00.

 

Consta nos autos, ainda, a declaração de Helouise Dapieve, assistente social do Município de Campo Novo, em que afirma que “desde o dia 30 de outubro de 2020 não foi realizada nenhuma distribuição de cestas básicas pelo benefício eventual, sendo a única entregue via Promotoria para a usuária Neuza Cristiane Krupp no dia 11 de novembro” (ID 42968783).

Em sequência, a prefeitura publicou o Decreto n. 127, de 17.11.2020, que revogou o anterior Decreto n. 126/2020 (ID 42968933).

Como ser percebe da prova coligida aos autos, não há qualquer evidência de que tenham sido distribuídos benefícios assistenciais a eleitores com base no aludido Decreto que pretendeu atualizar o valor da cesta básica estipulado em lei.

Tal circunstância sequer é refutada pela parte recorrente, a qual, ao contrário, confirma o fato ao referir que o decreto foi revogado “somente porque a responsável pelo setor de compras da prefeitura se negou a efetivar o procedimento licitatório com base no édito irregular do prefeito, conforme depoimento de Jussara”.

A prova oral referida consiste no depoimento de Jussara de Fátima Zancanaro Machado Sell, ouvida em juízo na condição de informante, que afirmou trabalhar no setor de compras da Prefeitura e que todo início de ano fazia anotações sobre as necessidades da Assistência Social quanto à necessidade de cestas básicas. Narrou que houve a solicitação de elaboração de um registro de preços a partir do valor atualiza para as cestas básicas e que, ao tomar conhecimento de que o aumento do valor havia se dado por Decreto Executivo, alertou o prefeito que o ato estava equivocado e que seria necessária a edição de uma nova lei, pois o custo originário havia sido estabelecido por tal espécie normativa. Referiu, por fim, que, diante dessa colocação, o Prefeito optou por suspender a aquisição de novas cestas básicas e revogar o Decreto de atualização do valor.

Como se percebe, o depoimento ratifica a afirmação de que, em razão de dúvidas sobre a validade do ato editado pelo prefeito, verificada mediante controle interno da própria administração pública, o Decreto n. 126/20 jamais foi aplicado na aquisição e distribuição de cestas básicas.

Diante disso, o recorrente sustenta, em um segundo aspecto, que o ato normativo “serviu de instrumento de propaganda, (...) capaz de conquistar a simpatia do eleitorado, notadamente dos menos aquinhoados economicamente”.

A alegação, porém, está desprovida de qualquer fato concreto ou meio de prova que lhe suporte, tais como publicidades institucionais divulgadas pelo ente público, panfletos de campanha ou publicações em redes sociais acerca do tema.

Dessa forma, não há prova mínima de que o Decreto em tela tenha sido utilizada de forma ilícita ou abusiva para fins de propaganda eleitoral dos recorridos, conforme bem assentado na decisão recorrida:

Com efeito, a ausência de notícias de que os representados tivessem se utilizado da medida para angariar apoio e voto ou para de algum modo promover sua campanha eleitoral, mediante divulgações, anúncios ou atos de políticos, ou ainda a menção de tal programa em sua propaganda política, indica que o programa se desenvolveu de maneira normal e costumeira, sem que o ato tenha desvirtuado sua finalidade estritamente assistencialista.

 

Em sequência, os recorrentes asseveram que o então prefeito de Campo Novo permitiu a distribuição das cestas básicas fora dos critérios técnicos previstos na Lei Municipal n. 2.339/20, as quais, segundo a tese acusatória, “eram distribuídas de maneira irregular, com assinatura de papéis em branco pelos beneficiados, contemplando pessoas comprovadamente com patrimônio incompatível com o recebimento do benefício”, com o fim de angariar o apoio e voto de eleitores favorecidos, incidindo, assim, na vedação contida no art. 73, inc. IV, da Lei n. 9.504/97 e praticando abuso de poder político.

Na instrução do processo, os demandados acostaram matrículas de imóveis em nome de alguns beneficiários das medidas de assistência social do Município, dentre os quais, Apolônio Medeiros, Paulo Hermann, Elizadete Tondolo, Elimar Assmann, Elizandra Jung e Gilsileine Sampaio, sendo esta última a aquisição mais recente do respectivo bem, ocorrida no ano de 2013 (ID 42974433).

Ocorre que a constatação de que os favorecidos por cestas básicas possuem algum bem imóvel em seus nomes, não é suficiente para que se ateste a fraude no laudo de constatação de vulnerabilidade social dessas pessoas, a qual pode decorrer de outros fatores, tais como impossibilidade laboral temporária, incremento de despesas com saúde, redução de renda, etc.

Portanto, a propriedade de bem imóvel não descaracteriza a situação de vulnerabilidade socioeconômica para os fins da Lei Municipal n. 2.339/20, qual seja, mitigar os efeitos da crise sanitária de Covid-19, na linha da judiciosa ponderação colhida do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Outrossim, o fato de, conforme as certidões imobiliárias juntadas, alguns dos beneficiários possuírem patrimônio imobiliário em seus nomes, é circunstância que não constitui critério decisivo para a indeferimento de um benefício assistencial, devendo-se atentar que a Lei Municipal nº 2.339/2020 previa a entrega do benefício aos “trabalhadores autônomos, diaristas, avulsos e aos desempregados e as famílias que se encontrem em estado de vulnerabilidade social”, de modo que o critério norteador da concessão era a perda dos meios de subsistência, que pode atingir quem possua ou não algum bem em seu nome.

 

Consta, ainda, a alegação dos recorrentes de descumprimento formal dos procedimentos estabelecidos pela municipalidade para a seleção dos beneficiários, representada na narrativa de que a distribuição, em alguns casos, ocorreu sem qualquer critério técnico e que houve irregularidades na elaboração de laudos de vulnerabilidade social.

Considerando que os demandantes não indicaram os supostos eleitores que teriam sido cooptados com fins eleitorais mediante a entrega indevida das cestas básicas, a prova oral produzida restringiu-se aos servidores públicos que atuaram na execução do programa social, cujos depoimentos foram bem apreendidos na sentença, consoante colho:

A informante Priscila afirmou que no ano 2020 trabalhou como Coordenadora do CRAS, onde eram distribuídas, regularmente, em torno de vinte cestas básicas mensais. Em 2020, no entanto, a distribuição de cestas básicas superou esse número, sendo que o controle ficou a cargo da Secretaria de Assistência Social. Referiu que acompanhava o motorista na entrega das cestas básicas às famílias beneficiadas, afirmando que, no momento da entrega do benefício, por orientação de Gessi, então Secretária de Assistência Social, era colhida assinatura dos beneficiários em folhas em branco. Questionada, referiu que o recebimento do benefício deveria ser precedido de avaliação social. Indagada sobre os laudos que instruem o processo, se teriam sido confeccionados depois da entrega das cestas básicas aos beneficiários, respondeu afirmativamente, mas declarou não ter presenciado a confecção de tais laudos. Em relação à distribuição do benefício a pessoas que não mereciam, referiu que tal fato teria ocorrido, reportando-se às famílias de Apolônio Medeiros, Paulo Hermann e Gilsileine Sampaio, por se tratar, respectivamente, de servidor municipal aposentado, proprietário de oficina mecânica e professora estadual. Não soube precisar o número de cestas básicas relativas ao programa municipal que foram concedidas no ano eleitoral, destacando que a Secretária de Assistência Social, muitas vezes, não ouvia a opinião técnica para a autorizar a concessão dos benefícios, sob o argumento de que “tudo se justificava por causa da pandemia”. Sobre a profissão de Paulo Hermann, disse ser mecânico, autônomo. Ainda, ao ser indagada pelo Ministério Público Eleitoral se todas as pessoas que moram na escola invadida receberam o benefício assistencial, respondeu afirmativamente. Por fim, alegou não saber o valor da cesta básica, nem mesmo se houve alteração deste por meio de Decreto.

A informante Elisiani afirmou que coordenava o atendimento ao público até o final de setembro de 2020. Referiu que atendia presencialmente ou por telefone as pessoas que buscavam os serviços da secretaria e as encaminhava para a Assistente Social, Heloise. Referiu que existia discordância entre Heloise e Gessi em relação ao fornecimento de cestas básicas, porque Gessi, muitas vezes, contrariava a opinião técnica, concedendo cestas básicas sempre “que achava que dava”, independentemente dos critérios legais, pois para ela tudo se justificava em razão do covid. Afirmou que acompanhou o motorista em entregas de cestas básicas, oportunidade em que coletavam assinatura dos beneficiários em folhas em branco, não sabendo dizer como eram feitos os laudos. Referiu que existia um laudo padrão do covid (formulário impresso) e laudos feitos manualmente pela Assistente Heloise. Questionada, afirmou que teve casos em que a Secretária mandou entregar cestas básicas a quem não necessitava, referindo-se à professora Gilsileine Sampaio, ao funcionário aposentado, Apolônio e também ao proprietário da oficina, Paulo Hermann. Perguntado, confirmou que, em razão da pandemia, houve um período em que o comércio local ficou fechado, inclusive as oficinas mecânicas, acrescentando, em relação a Paulo Hermann, que o mesmo tem uma filha com limitações mentais, a qual recebia cesta básica da APAE. Questionada sobre os critérios para concessão das cestas básicas, referiu que a pessoa deveria ser beneficiária do programa bolsa família, não possuir renda e existir laudo da assistente social. Referiu que a cesta básica especial era de R$ 155,00 (cento e cinquenta e cinco reais), não sabendo informar se houve aumento do valor. Indagado pelo Juiz Eleitoral se a “falta de critérios” para entrega de cesta básica, supostamente adotada pela Secretária de Assistência Social, teria ocorrido somente no período eleitoral, a informante alegou não saber precisar, referindo não  ter acompanhado todo o período.

A informante Gessi, Secretária de Assistência Social à época, afirmou que, das duzentas e cinquenta cestas autorizadas pela lei, o município adquiriu apenas setenta, em razão de que houve muitas doações feitas pela comunidade. Referiu que todas as cestas básicas fornecidas basearam-se em laudo técnico da Assistente Social. Sobre a necessidade de aumento do valor das cestas básicas, afirmou que os vencedores da licitação alegaram a impossibilidade de entregar todos os itens constantes na cesta pelo valor inicialmente licitado, devido ao aumento dos preços dos produtos, o que motivou o Decreto para reajustá-lo. No entanto, como foi questionada a validade do Decreto, houve a revogação do mesmo, tendo sido interrompida a concessão do benefício, sem que fossem adquiridas cestas básicas com o novo valor. Referiu que lamentou tal situação, pois muitas pessoas perderam o emprego e passavam por necessidades. Sobre a cesta básica fornecida para Paulo Hermann, afirmou que se tratava de um programa especial que atendia a clientela da APAE, já que Paulo tem uma filha especial. Em relação a Gilsileine Sampaio, referiu que a professora perdeu o contrato emergencial e o esposo ficou desempregado, sendo que a cesta básica que recebeu foi oriunda das doações comunitárias. Questionada sobre os laudos e folhas em branco, alegou que essas folhas se referiam à comprovação de recebimento de cestas básicas do recurso eventual, uma vez que, em razão da pandemia, as pessoas não mais vinham buscar a cesta básica na assistência social, mas as recebiam em suas casas para evitar aglomerações na secretaria, uma vez que a procura era grande. Confirmou que todas as cestas fornecidas pelo município foram precedidas de laudo social. Indagada, afirmou que as Assistentes Sociais eram Ieda Godoi e Heloise, sendo que Ieda estava em trabalho remoto e foi Heloise quem assumiu a parte dos laudos. Afirmou que muitas famílias pediam o auxílio, mas que a concessão dos benefícios se deva em conformidade com as exigências legais. Referiu que os critérios para concessão das cestas básicas, independentemente da origem do recurso, eram os mesmos. Informou que os laudos técnicos que porventura não estão no processo encontram-se arquivados na Secretaria de Assistência Social. Sobre sua relação com Heloise, afirmou que a considerava uma profissional competente e bastante criteriosa, sendo que respeitava seu posicionamento técnico, mesmo reconhecendo que “a fome tinha pressa”. Questionada pelo Ministério Público Eleitoral, afirmou que, quando não era possível visitar as famílias necessitadas, a avaliação social dava-se mediante oitiva das pessoas na Secretaria. Acerca dos laudos sociais, não soube precisar se eram assinados também pelos beneficiários. Pela Promotora de Justiça Eleitoral houve questionamento acerca de laudos técnicos que se encontram nos autos sem a assinatura dos beneficiários, restando esclarecido que a assinatura do beneficiário se dava no documento destinado à comprovação do recebimento da auxílio e não no laudo da Assistente Social, de modo que a coleta de assinaturas em folhas em branco era para comprovar que houve a entrega do benefício e efetuar a baixa no sistema do benefício eventual.

A seu turno, a testemunha Heloise, afirmou ter conhecimento da lei que autorizou a distribuição de cestas básicas para enfrentamento à pandemia. Sobre os critérios para concessão dos benefícios, mencionou embasarem-se na necessidade, eventual perda de emprego e situação de vulnerabilidade social. Referiu que foram efetuados os cadastros e emitidos laudos para todos os beneficiários da cestas básicas, confirmando tratar-se dos documentos juntados aos autos. Questionada, declarou não se recordar da entrega de cesta básica para Paulo Hermann. Afirmou que suas colegas Assistentes Sociais eram Ieda Godoi, Elisa e Jaqueline, sendo que a declarante foi contratada para trabalhar nos programas sociais, permanecendo até 30.12.2020, tendo em vista que houve prorrogação do seu contrato. Referiu que assinou praticamente todos os laudos, possivelmente mais de cem laudos. Aduziu que os laudos eram feitos manualmente para agilizar o trabalho, já que nem sempre se encontrava na secretaria e tinha os formulários à disposição. Afirmou que os laudos eram feitos conforme aconteciam os atendimentos, negando que tivessem sido elaborados em momento posterior ou mesmo em conjunto. Confirmou que os critérios de distribuição das cestas básicas dos diversos programas eram os mesmos. Referiu que foram negadas cestas básicas para algumas famílias que não preenchiam os critérios, sendo que as negativas se davam de forma verbal. Negou que houvesse discordância com a Secretária de Assistência Social a respeito da distribuição das cestas básicas, referindo que sua opinião sempre foi respeitada. Informou que as entregas dos benefícios eram feitas por seus colegas, normalmente Elisiane e os motoristas, Vilmar, Elias e Tiadolino. Alegou não se recordar da participação de Priscila nas entregas de cestas básicas. Respondendo ao Ministério Público Eleitoral, afirmou que foram emitidos laudos para todos os beneficiários do auxílio, alguns a partir de visitas da equipe técnica, outros com base nos atendimentos realizados na Secretaria ou, ainda, com base na realidade familiar que conhecia anteriormente. Informou que os laudos não eram assinados pelos beneficiários. Sobre a coleta de assinatura em folhas em branco, explicou que tal procedimento foi adotado no início da pandemia, para a distribuição das cestas básicas, oriundas do programa de benefício eventual, porque as pessoas estavam sendo orientadas a permanecer em casa, onde recebiam os alimentos, sendo necessário colher as assinaturas para efetuar a baixa no sistema e o devido controle das entregas. Reafirmou a inexistência de atrito com a Secretária de Assistência Social, asseverando que sua opinião técnica era observada. Em relação à observação feita pelo Juiz Eleitoral acerca da existência de laudos digitados e laudos manuais, confeccionados na mesma data, explicou que, certamente, os laudos digitados foram feitos em momentos em que se encontrava na Secretaria, bem como confirmou que a forma, estrutura dos laudos ou os termos frequentemente empregados eram praticamente os mesmos em todos, tratando-se de expressões padronizadas. Perguntado sobre por que não levar os formulários preenchidos para as pessoas assinarem, referiu que havia uma preocupação em realizar a baixa no sistema com o documento assinado e esta foi a prática administrativa então adotada, a qual não questionou.

 

O conjunto de depoimentos é firme e convergente no sentido de que foram elaborados laudos técnicos de vulnerabilidade social para todos os beneficiários do auxílio assistencial, sendo que alguns foram confeccionados a partir de visitas domiciliares e outras somente por meio de entrevistas com os assistidos, a partir de encaminhamentos por outros órgãos e de informações prévias de que dispunha a Secretaria de Assistência Social.

Outrossim, as referidas “folhas em branco” que teriam sido assinadas pelos cidadãos favorecidos visavam à guarda de um “recibo” de entrega das cestas básicas para posterior controle e conferência.

Ainda que se entenda por possível irregularidade na elaboração de alguns laudos, os quais poderiam estar baseados em critérios frágeis ou não devidamente comprovados, a prova dos autos não evidencia que a seleção dos beneficiários tenha ultrapassado o critério da necessidade social, tal como se poderia cogitar se os assistidos tivessem sido encaminhados pelos próprios recorridos ou houvesse, concomitantemente, a entrega de material de campanha e pedidos de voto.

Em realidade, não se demonstra qualquer correlação, direta ou indireta, entre a elaboração dos laudos sociais e alguma conduta dos recorridos, nem mesmo há indicativos mínimos de que a conduta dos servidores estava pautada por finalidades eleitorais.

Portanto, independentemente de eventuais dissensos técnicos ou máculas administrativas no cadastramento dos beneficiários das cestas básicas, não há prova que permita concluir pelo aspecto eleitoral dos fatos ou, mesmo, pelo uso promocional ou pela cooptação de eleitores com a distribuição do benefício.

Nessa linha, refere o magistrado a quo na judiciosa sentença:

De mais a mais, não foram trazidos elementos que evidenciassem a vinculação do benefício das cestas básicas à campanha eleitoral dos representados, porquanto em nenhum momento houve menção a eventual entrega de propaganda política ou pedido de votos aos beneficiados, tampouco indícios de que se tenha dispensado tratamento preferencial a possíveis simpatizantes da candidatura dos representados, nem mesmo se noticiou atos de campanha, mencionando o programa assistencial ou o reajuste do benefício  para o enaltecimento das candidaturas dos representados. Aliás, chama a atenção que as entregas das cestas básicas tenham sido acompanhadas por pessoas declaradamente contrárias à candidatura dos representados, como é o caso da informante Priscila, que, em juízo, afirmou que apoiava o candidato adversário. Ora, em se tratando de reeleição, não parece razoável esse “descuido” por parte dos representados, pois caso existissem irregularidades eleitorais na distribuição de cestas básicas certamente confiariam a entrega dos benefícios a seus “pares”, seja para ocultar tais mazelas dos adversários políticos, seja para garantir que, efetivamente, "trabalhariam" em favor de sua candidatura. Dito de outro modo, as circunstâncias indicam que a preocupação mais presente no âmbito da distribuição de cestas básicas foi assistir o maior número de famílias possível atingidas economicamente pela pandemia, quer por perda de emprego, interrupção de atividades ou doença, conforme externalizou a então Secretária de Assistência Social ao referir que lamentou a interrupção do fornecimento de cestas básicas porque havia muita gente que precisava e “a fome tinha pressa.”

 

Ademais, a prova dos autos revela que a administração pública distribuiu apenas 160 benesses da quantia de 250 que a lei específica lhe autorizava, optando por suspender novas aquisições de cestas básicas justamente na iminência do pleito, circunstâncias que não se coaduna com a suposta intenção de exploração eleitoreira do programa social.

Quanto ao ponto, com propriedade, pondera a Procuradoria Regional Eleitoral:

Importante notar, ainda, que: a) pelos depoimentos, havia uma distância entre a agente política que capitaneava a secretaria e os beneficiários das cestas básicas, cuja comunicação era estritamente formal, via formulários, pareceres e autorizações; b) o número de cestas básicas entregues foi abaixo do limite legalmente previsto, circunstância que contrasta com a ilação de distribuição indiscriminada dos bens; e (c), por fim, o fato de, no período logo anterior às eleições, mais precisamente entre 30.10.2020 e 15.11.2020 ou desde o início de outubro conforme o depoimento da então secretária, não ter sido entregue nenhuma cesta básica adquirida pela prefeitura.

 

Destarte, não está evidenciadas nos autos provas idôneas e convincentes da prática de conduta vedada, quanto mais provas robustas de abuso do poder político, devendo ser integralmente mantida a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral originária.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, confirmando integralmente a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral.