REl - 0600170-45.2020.6.21.0060 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/11/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo juízo a quo, em virtude da utilização de recursos de origem não identificada (nota fiscal não declarada, cujo adimplemento se deu com recursos que não transitaram pela conta de campanha) no valor de R$ 450,00 (ID 41889733).

Em suas razões, a recorrente aduz que utilizou cheque pessoal próprio para o pagamento da despesa de R$ 450,00 para a aquisição de material publicitário (panfletos e adesivos), com a expectativa de recebimento de recursos provenientes do partido, o que não ocorreu.

Acertadamente, a sentença (ID 41889733) foi no seguinte sentido:

 

No caso dos autos, verificou-se a ausência de documentos arrolados na Resolução TSE n. 23.607/2019 e o atendimento apenas parcial das exigências da legislação eleitoral. Embora não se tenha verificado o recebimento de recursos de fonte vedada, nem a aplicação indevida de recursos públicos, foi apurado que o candidato recebeu recursos de origem não identificada.

Conforme exame de contas, foi identificada a omissão relativa a despesa, que consta na base de dados da Justiça Eleitoral, no valor de R$ 450,00, tendo como fornecedora Jessica Gonçalves da Silva.

Intimada para se manifestar sobre possível omissão de gastos, a prestadora de contas alegou que “a apontada impropriedade deriva do lançamento, na prestação de contas, de uma Nota Fiscal/Recibo, no valor de R$ 450,00 (quatrocentos e cinquenta reais), em favor de Jessica Gonçalves da Silva. III. Ocorre que, de fato, o documento fiscal foi emitido antes da efetiva prestação dos serviços e incluído, inadequada e intempestivamente, na prestação de contas.” Aduziu que “…inspirada no princípio da boa-fé, forneceu todas as informações relativas à efetiva execução orçamentária da campanha eleitoral. Excetuado o erro formal questionado, não há a mais ínfima discrepância entre a franciscana contabilidade e a campanha eleitoral realizada.”

As alegações apresentadas não são capazes de justificar a inconsistência apurada pela examinadora. Ao contrário do que argumenta a candidata, a despesa de R$ 450,00 não foi lançada na prestação de contas, que foi apresentada sem movimentação financeira, mas foi identificada através de batimento com a base de dados da Justiça Eleitoral, que dispõe de informações prévias coletadas de fornecedores, através de circularização, notas fiscais eletrônicas etc. Sendo assim, mesmo após manifestação da prestadora de contas, permanece a omissão do gasto eleitoral.

Nesse contexto, a omissão da despesa, apurada no exame, permite concluir que recursos não declarados, e cuja origem não é possível identificar, foram utilizados para o seu pagamento, o que representa grave mácula às contas. Considerando que a irregularidade, embora de pequeno valor, atinge a totalidade da movimentação financeira, impõe-se a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de valores, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/2019.

A irregularidade é incontroversa e a alegação da recorrente de que possuía expectativa de que o partido fosse repassar recursos para a satisfação da despesa não possui o condão de afastar a irregularidade.

Com efeito, o pagamento de despesas eleitorais deve obedecer ao que estabelecido pelo art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual impõe que “os gastos eleitorais de natureza financeira (...) só podem ser efetuados por meio de: (I) cheque nominal cruzado; (II) transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; (III) débito em conta; ou (IV) cartão de débito da conta bancária”.

Nesse sentido, o que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44582583):

Tendo sido verificado que foi emitida nota fiscal contra o CNPJ da prestadora, não declarada na prestação de contas, não há comprovação dos recursos utilizados para adimplemento das obrigações.

Assim, as despesas relativas à nota fiscal em comento foram pagas com valores não individualizados nos registros financeiros da campanha, configurando recursos de origem não identificada,

Caracterizada a utilização de recursos de origem não identificada, mostra-se cabível a determinação de recolhimento dos valores equivalentes ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32 da Resolução TSE nº 23.607/2019.

No caso em tela, não tendo transitado na conta específica o pagamento da despesa de R$ 450,00, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade a receitas e gastos de campanha.

A matéria em exame foi amplamente debatida nesta Corte, conforme ementa que reproduzo, que bem evidencia o entendimento sufragado:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Rel 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021.)

(Grifo nosso)

Contudo, tenho que a importância, embora seja significativa diante da receita declarada (R$ 550,00), em valor absoluto é reduzida (R$ 450,00), inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.2019:

 

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020) (grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.) (Grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de pagamento da multa ao Tesouro Nacional, diante da caracterização do recurso como de origem não identificada.

Ante o exposto, VOTO pelo PARCIAL PROVIMENTO do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de CLAUDIA BEAUVALET RODRIGUES, mantendo a determinação do recolhimento da importância de R$ 450,00 ao Tesouro Nacional.