MSCiv - 0600090-33.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/11/2021 às 14:00

VOTO

O mandado de segurança é remédio constitucional colocado à disposição do jurisdicionado quando seu direito líquido e certo estiver sendo violado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, na esteira do que dispõe o art. 5º, inc. LXIX, da CF/88.

Registro ser descabida a impetração de mandado de segurança para o fim de obter a reforma de decisão judicial interlocutória, uma vez que o art. 19 da Resolução TSE n. 23.478/16 é expresso ao estabelecer que “as decisões interlocutórias ou sem caráter definitivo proferidas nos feitos eleitorais são irrecorríveis de imediato por não estarem sujeitas à preclusão, ficando os eventuais inconformismos para posterior manifestação em recurso contra a decisão definitiva de mérito”.

Além disso, nos termos da Súmula n. 22 do Tribunal Superior Eleitoral, “não cabe mandado de segurança contra decisão judicial recorrível, salvo situações de teratologia ou manifestamente ilegais”.

Nessa esteira, excepcionalmente, esta Corte tem conhecido de mandado de segurança impetrado em face de decisão judicial nas hipóteses de manifesta ilegalidade e de grave atentado contra direito líquido e certo do impetrante, demonstrado, de modo inequívoco, na petição inicial.

No caso, o mandamus é impetrado em face de decisão interlocutória proferida pelo juízo da 028ª Zona Eleitoral, nos autos da AIJE ajuizada em desfavor dos ora impetrantes, alegando supostas ilegalidades e abusividades que passo a analisar de forma individualizada.

 

Do deferimento do rol de testemunhas oferecido pelo Ministério Público Eleitoral.

Os impetrantes aduzem que o rol de testemunhas oferecido pelos autores da AIJE restou indeferido com fundamento na sua extemporaneidade, porém, posteriormente, o Promotor de Justiça Eleitoral, na condição de fiscal da ordem jurídica, apresentou idêntico requerimento de prova, o qual foi admitido pelo Magistrado impetrado sob os seguintes fundamentos:

Por fim, quanto ao pedido de inquirição de testemunhas formulado pelo Ministério Público (evento nº 87059162), é caso de deferimento. Isto porque na presente AIJE o Ministério Público atua como custus legis, de forma que o Parquet assume uma postura no sentido de empregar esforços pela busca da verdade e elucidação dos fatos, o que compreende o direito de produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes e recorrer, tudo nos termos do inciso II do art. 179 do Código de Processo Civil. E a tempestividade do pedido é notório, porque, nos termos do inciso II da mesma norma processual, o Ministério Público terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo. Por isso, por terem sido arroladas pelo Ministério Público como fiscal da lei, suas testemunhas serão inquiridas após o depoimento das testemunhas dos demandados, em audiência que a seguir será especificada.

 

Os impetrantes sustentam, assim, a tentativa deliberada de acobertar a omissão dos autores em arrolar as testemunhas na petição inicial e, assim, contornar o indeferimento da prova pelo juízo, em desvirtuamento do rito da ação, bem como, caso mantido a oitiva das testemunhas arroladas, afirmam que, tendo em vista que o Ministério Público Eleitoral assumiu o rol de testemunhas dos autores, não é possível que sejam ouvidas depois das testemunhas arroladas pelos requeridos.

Quanto ao ponto, não vislumbro flagrante ilegalidade ou abusividade na decisão que deferiu o rol de testemunhas oferecido pelo Ministério Público Eleitoral para oitiva após as testemunhas arroladas pelos réus.

Ora, a atuação do Ministério Público, na hipótese, ocorre como custos iuris, qualidade na qual terá vista dos autos depois das partes, podendo juntar documentos, certidões, produzir provas e requerer qualquer medida que entender necessária para o descobrimento da verdade, consoante preconizado no art. 179, incs. I e II, do CPC, ainda que consistam em providências sobre as quais as partes tenham agido com desídia ou omissão.

Assim, a despeito da coincidência e em relação ao rol de testemunhas inicialmente pretendido pelos demandantes, as oitivas pretendidas pelo Ministério Público Eleitoral, como fiscal da ordem jurídica, não representam testemunhas de acusação, representando, sim, em “depoimentos que serão colhidos para a melhor formação de convencimento tanto do Parquet como do próprio juízo” (TSE - RMS: 2141 - BA, Relator: LUIZ FUX, DJE de 12/09/2016).

Por isso, a finalidade da intervenção ministerial em que pugna pela produção probatória é zelar pelo interesse público imparcial na busca da verdade dos fatos, o que não se confunde com o interesse de qualquer das partes, razão pela qual não é ilícita a oitivas das testemunhas indicadas pelo Ministério Público após aquelas arroladas pela parte autora e pelos réus.

Constato, assim, que o Juiz apontado como coator agiu em conformidade com o tratamento conferido pelo arcabouço jurídico ao Ministério Público Eleitoral como fiscal da ordem jurídica, não havendo excesso, teratologia ou ilegalidade na decisão.

 

Do deferimento da juntada da prova produzida em inquérito policial.

A peça inicial do presente Writ narra que o juízo processante da AIJE deferiu a juntada da prova produzida no inquérito policial que tramita junto à Polícia Federal acerca dos mesmos fatos e que o pedido reflete, em verdade, uma tentativa dos autores de trazer para o processo testemunhas não arroladas na inicial. Aduzem, em acréscimo, que há violação à proibição do fator não surpresa, pois o julgador permitiu a coleta de prova não requerida na exordial e que não constitui fato novo para fins de admissão posterior ao ajuizamento da ação.

A questão foi analisada pela Autoridade nos seguintes termos:

No caso concreto, o que se apura é que o compartilhamento das provas produzidas no IP em andamento não foi requerido na exordial. Todavia, note-se que, quando do ajuizamento desta ação (em 25.11.2020), não havia ainda sido instaurado o respectivo inquérito policial nº 2020.012086-DPF/PFO/RS, que somente ocorreu em 19.03.2021, conforme consulta no processo 0600036-80.2021.6.21.0028, desta 28ª ZE.

 

Assim sendo, a parte autora não teve oportunidade de solicitar o compartilhamento de provas a tempo e modo devidos, que era com a inicial, porque ainda não havia sido instaurado o IP, ainda que pudesse ser. Reputo o pedido, pois, como não sendo extemporâneo, de forma que pode neste momento ser apreciado e admitido, não sendo assim caso de preclusão – o qual assume especial importância no direito eleitoral.

 

Como se percebe, a juntada do inquérito policial não poderia ter sido deduzida na petição inicial da ação eleitoral porque ainda não havia sido instaurado, razão suficiente para que se afaste a alegação de preclusão.

Outrossim, o procedimento administrativo em questão investiga as mesmas condutas objeto da AIJE, mas sob a perspectiva criminal, tendo, portanto, total relação com os fatos narrados.

De seu turno, o art. 22, inc. VIII, da LC n. 64/1990 reza que o juiz pode requisitar documento necessário à formação da prova que se encontrar em poder de terceiro, dispositivo que deve ser conjugado com o art. 372 do CPC, consoante o qual “o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”.

In casu, não há evidências de que os impetrantes não tenham tido, nos autos da AIJE, a oportunidade de se pronunciar sobre os elementos encartados ou contrapô-los com outros meios de prova, o que será lhes possível fazer, minimamente, em sede de alegações finais.

Nessa senda, é remansosa a jurisprudência do TSE quanto à admissão de prova emprestada, proveniente de expedientes criminais, em AIJEs, quando reputada necessária ao esclarecimento dos fatos pelo julgador, conforme ilustra o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO (ART. 22 DA LC 64/90). CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (ART. 41-A DA LEI 9.504/97).

[...].

INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. INQUÉRITO. AUTORIZAÇÃO. COMPARTILHAMENTO. LICITUDE.

8. Admite-se, em AIJE, uso de prova emprestada legalmente produzida em procedimento investigatório criminal. Precedentes.

9. No caso, é lícito o compartilhamento de provas, incluídas as interceptações telefônicas, destacando-se que: a) o juízo competente autorizou a produção dessa prova; b) o Parquet requereu que o conteúdo do inquérito instruísse esta AIJE, o que foi deferido na íntegra pelo magistrado; c) os agravantes tiveram acesso às provas em todas as fases do processo; d) o decisum autorizativo, embora juntado pelo Ministério Público em segundo grau, era preexistente.

[...].

22. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe nº 16-35/SC, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 22.3.2018, DJe de 17.4.2018)

 

Portanto, a decisão do Magistrado quanto ao ponto não constitui ato ilegal ou abusivo.

 

Da admissão da juntada de áudio em formato não compatível com a regulamentação do PJe.

Os impetrantes relatam que o Juízo impetrado recebeu com a peça inicial prova em arquivo de áudio em formato incompatível com o regramento da Justiça Eleitoral, imputando o equívoco e a responsabilidade pela adequação do arquivo à serventia eleitoral.

Em sequência, alegam que o magistrado eleitoral fundamentou a liminar então deferida em prova que, à época, sequer estava visível nos autos, por razões que os próprios autores deram causa, ao não juntarem arquivo no formato próprio, o que, no entender os impetrantes, impediu o exercício do contraditório sobre a prova.

Sobre o aspecto, a decisão ora impugnada restou assim fundamentada:

Da ausência da gravação. Também alegam que, em exame a todos os documentos e gravações juntadas aos autos, a suposta gravação referida entre a Sra. Juliana e o Sra. Adair não está juntada aos autos. Entendem que como o dever dos autores é de apresentar a integralidade das provas que possuem, não há como corrigir, ou aditar a inicial em outro momento. A alegação não se sustenta diante dos atos processuais que constam do processo. Com efeito, sobre o áudio da conversa entre Juliana e Adair, foi apresentada pelo cartório a seguinte certidão:

 

CERTIFICO que, nesta data, junto aos presentes autos o arquivo "Gravação Ambiental Juliana e Adair Barrilli.3gpp", que consta no mesmo CD que originou a juntada dos documentos referidos na certidão com ID 44037476.

 

CERTIFICO que houve equívoco e o arquivo não foi juntado na época porque não estava visível inicialmente por possuir a extensão ".3gpp". Assim, o arquivo com esta extensão ficou oculto no CD. Foi somente visualizado recentemente, quando apliquei a função para verificar todos os arquivos em qualquer extensão "all files", procedimento não realizado na ocasião.

 

CERTIFICO, também, que arquivos com a extensão ".3gpp" não podem ser importados no Sistema PJE por serem de formato incompatível.

 

Por fim, CERTIFICO, que para proceder a juntada do arquivo nos autos foram realizados dois procedimentos no programa FormatFactory 4.9.0. Em primeiro lugar, o arquivo "Gravação Ambiental Juliana e Adair Barrilli.3gpp" foi transformado no formato Gravação Ambiental Juliana e Adair Barrilli.mp3. Em segundo lugar, como não era possível a importação, porque seu tamanho impedia o procedimento, o arquivo foi dividido em 05 partes, que puderam ser então importadas

 

Lagoa Vermelha, 12 de março de 2021.

 

SILVANA MARIA STEFENON,

 

Chefe de Cartório.

 

Assim, como se observa, o áudio foi apresentado com a inicial, junto com os demais documentos anexados conforme ID 44037476, ou seja, no momento adequado. Somente não foi anexado, por evidente problema técnico e por equívoco do cartório, de forma que não se pode imputar tal falha à parte autora. Seja como for, a gravação e o áudio estão juntados conforme certidão do evento 80712319, sendo oportunizado á parte demandada a ampla defesa, forte no despacho judicial e na juntada da petição dos réus pelo evento nº 83948429.

 

Com isso, em relação ao argumento posto na petição do evento de que “...a inicial afirmou que anexou a gravação ambiental com a petição -porém tal prova não foi acostada-, mas nessa petição nada é referindo quanto a juntada de CD para o cartório judicial, de modo que não há como aceitar que haja a juntada neste momento de áudio que não acompanhou a inicial”, cumpre referir o que foi certificado pelo cartório eleitoral, que tem fé pública, ao mencionar que “CERTIFICO que, nesta data, junto aos presentes autos o arquivo "Gravação Ambiental Juliana e Adair Barrilli.3gpp", que consta no mesmo CD que originou a juntada dos documentos referidos na certidão com ID 44037476”. Ou seja, trata-se de documento juntado com a inicial. E o equívoco mencionado na referida certidão, refere-se ao próprio cartório, que deveria ter verificado a existência de todos os arquivos, e em havendo problema de tamanho/extensão do arquivo para anexação ao PJE, a providência cartorária era intimar a parte para sanar o problema. Não tendo sido feito isso, o CD e seus arquivos, em especial este questionado pela defesa, foi, sim, juntado com a inicial.

 

Registre-se que no início da petição inicial, a parte autora faz menção expressa sobre a existência do áudio da conversa e sua degravação, ao mencionar que “.. 3. As suspeitas dos autores sobre a prática ilícita dos réus durante o pleito eleitoral tiveram início a partir do acesso a GRAVAÇÃO AMBIENTAL realizada pela servidora pública municipal Juliana nas dependências da Prefeitura Municipal de Muliterno durante o expediente de trabalho e alguns dias antes da data marcada para a eleição (vide arquivo de áudio e termo de degravação em anexo)”, acreditando que o áudio também tivesse sido anexado ao processo, o que se confirma pela certidão do evento 80712319, que atestou que o áudio estava no CD juntado pela autora, no qual constam todos os demais anexos. Certidão esta, aliás, que tem fé pública. De forma que, ainda que não tenha sido suscitado o problema pela parte autora, incumbia sim ao cartório agir de ofício, procedendo na respectiva juntada, ao verificar, primeiro, a existência do documento no CD entregue com a inicial, e, segundo, a sua não anexação aos autos junto com os demais documentos. Não se trata, pois, de documento extemporâneo, como afirma a parte ré, mas sim de documento apresentado com a inicial.

 

Além disso, a parte autora anexou com a inicial o termo de degravação da conversa entre Juliana e Adair Barilli – evento 43672237, oportunidade em que o réu, na contestação, poderia já exercer sua defesa sobre o referido documento.

 

Seja como for, a parte demandada foi intimada para se manifestar sobre o áudio juntado no evento 80712319, e assim exerceu o direito de defesa.

 

Por tais razões, não acolho o pedido de desentranhamento do áudio acostado aos autos, posto não vislumbrar nulidade e por não ter ocorrido violação ao devido processo legal e ao direito de ampla defesa dos demandados.

 

Depreende-se do excerto transcrito que, embora a parte demandante não tenha apresentado o arquivo de mídia em formato compatível com sistema PJe, o Magistrado entendeu que houve falha do serviço cartorário na apuração oportuna da impossibilidade técnica de recepção da prova e, por consequência, em oportunizar à parte o saneamento ou correção do defeito.

Por essa razão, houve a conversão e adequação da mídia pelo próprio Cartório Eleitoral, o que também se justifica sob o prisma do princípio da cooperação entre todos aqueles que participam do processo (art. 6º do CPC) e como medida eficaz à garantia da celeridade do processo.

Colho o mesmo entendimento da bem lançada manifestação da douta Procuradoria Regional Eleitoral:

Nos termos do art. 6º do CPC, todos devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva, o que permite a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do diálogo processual, e não mais como um mero espectador do duelo das partes, como anota a doutrina.

 

Dentre as consequências normativas do modelo processual cooperativo, aponta-se o dever de prevenção, que vale genericamente para todas as situações em que o êxito da ação ou da defesa possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo, do qual uma das áreas de aplicação é a sugestão de certa atuação da parte, como se vê no disposto no art. 321 do CPC: (...).

 

Além disso, conforme destacado na decisão judicial atacada, o termo de degravação da conversa permitiu o exercício do contraditório e da ampla defesa desde o ajuizamento da ação, bem como, após a disponibilização do áudio nos autos eletrônicos, os réus foram novamente intimados para dizer sobre a prova, não havendo de se falar em violação ao devido processo legal.

Destarte, em relação ao tema, mais uma vez, a decisão interlocutória impugnada não se reveste de ilegalidade flagrante ou teratologia jurídica que justifique a impetração do mandamus.

 

Da juntada de áudios, vídeos e conversas de Whatsapp com a petição inicial.

No concernente ao tópico, os impetrantes sustentam a nulidade dos áudios e reproduções de conversas por Whatsapp acostados com a petição inicial da AIJE porque os autores não informaram como obtiveram as provas, as quais, no entender dos impetrantes, podem ter sido obtidas por meio ilícitos, como interceptações não autorizadas e invasão de aparelhos.

Assim restou deduzido na decisão interlocutória impugnada em relação à questão:

Também sustentam a nulidade da prova. Alegam que os autores trazem aos autos provas obtidas por meio ilícito, eis que como não faziam parte do grupo denominado de Guerreiros do 14, muito menos eram participantes das conversas privadas realizada entre dois interlocutores, e nem indicam a forma de obtenção de ditas provas, resta evidente que se trata de prova ilícita; ainda, alegam que os autores, e disto se pode deduzir, mediante o uso de hacker, ou outro expediente ilícito, invadiram os celulares de alguma pessoa, e retiraram as informações que desejaram e a partir delas efetuaram as montagens de forma que fossem adequados aos seus propósitos contidos na exordial; desta forma, argumentam que o uso de prova ilícita não é admitida como meio de prova, sendo inconcebível a utilização de uma prova ilícita, situação que esta, inclusive, assegurada no artigo 5º da Constituição Federal; expõem que o caso tratado nos autos revela exatamente a existência de prova ilícita, pois foi obtida com violação ao direito de intimidade, rompendo a conversa privada das pessoas, eis que os autores não eram interlocutores da mesma, de forma que, estando diante da clássica teoria da árvore dos frutos envenenados, pela qual, reconhecida a nulidade de uma prova, todas as demais que dela derivam devem assim ser assim consideradas. Em suma, alegam que houve violação do art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal. Como consequência, tendo os autores obtido as conversas por meio ilícito, restam contaminadas ditas provas, e por isso elas devem ser descartadas dos autos, assim como aquelas derivadas, inclusive as requisições judiciais que foram efetuadas, pois elas partiram das provas ilícitas acostadas. Isto porque os representantes, em nenhum momento, informaram quem efetivamente lhes apresentou o material que querem transformar em prova. Por tais razões, em sede liminar postulam: a) a exclusão de todos os vídeos, fotos, áudios constantes dos autos, os quais foram obtidos de forma ilícita; b) a exclusão de todas as provas requisitadas pelo juízo, porquanto decorrente das provas ilícitas apresentadas.

 

Sem razão os demandados, posto que não reputo como sendo prova ilícita a anexação de conversas e de áudios de whatsapp, bem como de fotos, primeiro porque não há nenhum indício nos autos de que se trata de conversas obtidas pelos autores em forma de interceptação ilícita, e, em segundo lugar, cuida-se de grupo de whatsapp com mais de 40 integrantes, grupo este denominado de “LISTA DOS INTEGRANTES DO GRUPO “GUERREIROS DO 14”, de forma que com o que menos se preocupou este grupo foi com a possibilidade de vazamento das conversas e de outros dados e questões discutidas pelos seus integrantes, o que possivelmente tenha ocorrido em face do acesso a tantos dados em mãos da parte autora. Não há, como dito, nenhuma evidência de atuação da parte autora na obtenção ilícita de tais dados, o que a meu ver já afasta a alegada ilicitude da prova. Reitere-se, não há nenhum indicativo, elemento de prova, ou indícios, de que a parte autora tenha participado, de alguma forma, da captação das conversas, áudios, vídeos e fotos que instruem a inicial, a ensejar a declaração de nulidade pela ilicitude na obtenção desta prova. Agora, o acesso a tais elementos de prova, que como dito, possivelmente tenham chegado às mãos da parte autora de forma voluntária (não há prova igualmente que tenha sido de outra forma), dado o número considerável de integrantes do grupo de whatsapp, o que pressupõe a absoluta ausência de preocupação com a privacidade ou intimidade (mas sim a preocupação que sobreleva foi com a finalidade, tanto é que já agendada pelo grupo a data de encerramento do mesmo), e de onde se originaram os elementos de prova, não se mostra conduta ilegal. A prova, assim, não é ilícita. Tampouco se trata, na espécie, de denúncia anônima, haja vista que os elementos de prova que instruem a inicial são elementos concretos e que indicam, em tese, além de outras práticas ilegais, a prática da captação ilegal de sufrágio por parte dos demandados.

 

Anoto, portanto, que as conversas, os áudios e vídeos juntados aos autos, não foram obtidos via interceptação da parte autora, meio de prova no qual terceiro, geralmente estranho aos interlocutores, capta o conteúdo de diálogos, sendo que tal modo de produção probatória é efetivamente sujeito à reserva judicial, por força do art. 5º, inc. XII, da Constituição Federal. No caso dos autos, isso não ocorreu, ou ao menos nenhuma prova os demandados apresentaram para sustentar a ilicitude da prova neste formato. No caso, compreende-se que a questão ganha contornos bastante delicados porque a parte ré afirma que os representantes não faziam parte do grupo de whatsapp de onde vazaram os conteúdos, tampouco eram seus interlocutores, de forma que a garantia da inviolabilidade do sigilo de dados das comunicações, prerrogativa de índole constitucional, e de indiscutível fundamentalidade ao Estado Democrático de Direito, somente de fato estaria ferida acaso os autores tivessem participado da interceptação, o que não é o caso dos autos, ante a ausência de provas nesse sentido. Ter acesso a um elemento de prova, não significa que tal prova tenha sido obtida na clandestinidade ou na ilegalidade. A prova, integrante da inicial, pode sim ter chegado às mãos dos autores de forma legal e voluntária, possivelmente por um dos integrantes do grupo criado para a interlocução da prática dos ilícitos.

 

Com efeito, a alegação acerca da origem ilícita da prova consiste em mera suposição dos impetrantes, sem amparo em evidências concretas, sendo plenamente plausível que, em um grupo de whatsapp com cerca de 40 integrantes, tenha ocorrido a divulgação voluntário das mensagens por um de seus membros.

Ademais, conforme constou na decisão que apreciou o pedido liminar, a pretensão de decretação de nulidade da prova “não se delimita a mera questão de direito, mas clama por regular debate probatório, o que deverá ocorrer no bojo da própria ação principal”.

Dessa forma, no ponto em análise, não há demonstração inequívoca de violação a direito líquido e certo a ser amparado pelo mandamus.

 

Do acolhimento de embargos de declaração com efeitos modificativos, sem ter oportunizado à parte contrária o oferecimento de contrarrazões.

Na inicial do mandamus é sustentado, ainda, que a autoridade apontada como coatora agregou efeitos modificativos, em desfavor dos ora impetrantes, aos embargos de declaração opostos pela parte contrária em face de decisão saneadora da AIJE, sem ter oportunizado à parte embargada o direito de manifestação, contrariando o propugnado pelo art. 1.023, § 2º, do CPC.

Com efeito, o aspecto em questão fundamentou o deferimento parcial do pedido liminar formulado pelos ora impetrantes, consoante excerto que adoto da bem lançada decisão do Relator à época, Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes (ID 41663433):

De modo diverso, observo que a decisão de ID 87188435, que deferiu a juntada da prova emprestada produzida no inquérito policial n. 2020.012086-DPF/PFO/RS, bem como que reconsiderou a determinação de devolução dos aparelhos celulares aos réus Vinícius Mognon Rugini e Vitassir Brollo, ordenando o encaminhamento dos celulares para a perícia, ocorreu a partir do acolhimento de embargos declaratórios oposto pela parte autora, com manifestos efeitos modificativos em desfavor dos réus, sem que tenha sido oportunizada a apresentação de contrarrazões pela parte adversa, em infringência ao disposto no art. 1.023, § 2º, do CPC:

 

Art. 1.023. (…).

 

[…].

 

§ 2º. O juiz intimará o embargado para, querendo, manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sobre os embargos opostos, caso seu eventual acolhimento implique a modificação da decisão embargada.

 

Da inteligência do dispositivo em comento, resta claro que a modificação da decisão embargada, na hipótese, depende de prévia intimação da parte contrária para se manifestar em contrarrazões, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório e de consequente nulidade da respectiva decisão, na medida em que nega à parte a oportunidade de ter seus argumentos apreciados pelo juízo.

 

O digno Magistrado da 028ª Zona, inclusive, em informações prestadas (ID 41772933), reconhece o descumprimento da norma processual, ao menos, em relação à pronunciamento que, a partir dos embargos de declaração opostos, reconsiderou a decisão de devolução dos celulares apreendidos em poder dos réus Vinicius Mognon Rugini e Vitassir Brollo para então determinar a manutenção da custódia dos aparelhos até a realização de perícia.

Dessa forma, em cumprimento à medida liminar parcialmente deferida, o Magistrado impetrado determinou a intimação da parte demandada, nos termos do art. 1.023, § 2º, do CPC, proferindo nova decisão após a garantia do direito de manifestação da parte, conforme consta no ID 42157733.

No aspecto, a jurisprudência entende que o “cumprimento de liminar concedida em mandado de segurança, ainda que satisfativa, não retira o interesse dos impetrantes no julgamento de mérito do writ, momento em que, após a análise pormenorizada dos autos, poderá ser confirmada ou revogada a medida” (AgRg no RMS 28.333/PA, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 25.11.2014, DJe 03.12.2014).

Por essa razão, entendo pela confirmação integral da decisão liminar proferida por seus próprios fundamentos antes reproduzidos, evitando-se, dessarte, desnecessária tautologia.

 

Da realização da audiência para a produção da prova oral sem aguardar a conclusão da prova pericial.

Narra a peça inicial que o juízo originário da AIJE determinou a realização de prova pericial, bem como, ao mesmo tempo, já fixou data de audiência para a produção da prova oral, em violação às regras processuais, pelas quais a coleta da prova oral somente poderia acontecer após a realização de prova pericial, porquanto, da prova técnica, podem advir questões que necessitem ser elucidadas em audiência.

Sobre o tema, novamente, colho as razões deduzidas pelo ilustre Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes quando apreciou os embargos declaratórios opostos contra a decisão que deferiu parcialmente a pretensão liminar (ID 41765083), adotando-as como razões de decidir:

Na hipótese, os embargantes limitam-se à alegação genérica de cerceamento de defesa por violação ao art. 361 do CPC, o qual estabelece que a audiência seguirá, preferencialmente, a ordem estipulada em seus incisos.

 

O termo “preferencialmente” não é destituído de sentido, de modo que, se inviável ou impertinente a ordem prescrita, poderá o magistrado, motivadamente, alterá-la, somente havendo nulidade se comprovado prejuízo concreto para alguma das partes.

 

Conforme menciona a doutrina de José Herval Sampaio Jr. (Comentários ao código de processo civil. Coord. Araken de Assis...[et. al.]. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, epub):

 

O art. 361 do novo texto não trouxe nenhuma mudança significativa ao Processo Civil, uma vez que possui dispositivo equivalente no CPC/73: o art. 452. A única alteração feita foi o acréscimo da palavra “preferencialmente” ao caput, enfatizando a interpretação da falta de obrigatoriedade em seguir a ordem elencada nos incisos seguintes, o que é bem salutar.

 

Assim, a ordem de produção de provas retratada no artigo é mais um norte, ou seja, um caminho a ser seguido pelo magistrado do que propriamente uma obrigação, oportunizando, assim, que, dentro da lógica processual, o magistrado possa adequar as peculiaridades de cada demanda durante a audiência no tocante à produção de provas orais. Procura-se, assim, evitar o tumulto e dar praticidade ao processo, de forma que a produção das primeiras provas possa completar ou até mesmo dispensar a produção das demais e também com tal abertura se verifique que em um eventual caso concreto, por exemplo, a ouvida primeiro das testemunhas do demandado contribua para a reconstituição dos fatos que mais se aproxime da verdade real e isso é o mais importante.

 

A referida previsão do CPC guarda harmonia com as disposições contidas nos incisos V e VI da Lei Complementar n. 64/90, este último que, inclusive, estabelece que o juiz proceda “a todas as diligências que determinar, ex officio ou a requerimento das partes” após a audiência de inquirição das testemunhas.

 

Ademais, pode o julgador, inclusive, dispensar a presença dos peritos em audiência, determinando a entrega dos esclarecimentos requeridos por escrito, no prazo que assinalar, ou mesmo, após o resultado da perícia, proceder a reinquirições de testemunhas ou novas oitivas, conforme se mostre necessário à apuração dos fatos.

 

Portanto, com base nas razões expostas, não vislumbro flagrante ilegalidade ou teratologia no ato judicial praticado, não há de se falar em violação a direito líquido e certo dos impetrantes.

Em conclusão, na esteira do parecer ofertado pelo douto Procurador Regional Eleitoral, cumpre tão somente a concessão da ordem relativamente à não abertura de prazo para contrarrazões aos embargos de declaração parcialmente acolhidos com efeitos infringentes, a fim de confirmar a decisão que concedeu a ordem em caráter liminar acerca do ponto.

 

Diante do exposto, VOTO por conceder parcialmente a segurança, confirmando a liminar parcialmente concedida, nos termos da fundamentação.