REl - 0600506-09.2020.6.21.0138 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/11/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Preliminar

Em preliminar, os recorrentes alegam cerceamento de defesa em virtude do indeferimento do pedido para oficiar a empresa Comércio de Combustíveis David Ltda. para que informasse/comprovasse: a) o abastecimento do veículo do candidato a vice-prefeito; e b) o pagamento ou o inadimplemento das notas fiscais emitidas em sequência.

Verifica-se que o pedido foi indeferido, com base nos seguintes fundamentos (38035383):

(…) No presente caso, o pedido para a que o estabelecimento prestasse esclarecimentos foi indeferido, pois o prestador de contas utilizou recursos de origem não identificada para o pagamento de gastos não declarados na prestação de contas e comprovados mediante consulta realizada ao site da Receita Estadual (https://www.sefaz.rs.gov.br/dfe/Consultas/ConsultaPublicaDfe). Verificou-se, na oportunidade, que as notas fiscais, autênticas e regulares, foram emitidas para o destinatário Volmir Ticiani, CNPJ n. 38.678.716/001-46. Além disso, o pagamento dos valores foi realizado de forma presencial em dinheiro, à vista. Trata-se de gastos realizados com combustível, nos valores de R$ 207,00 e de R$ 200,00, emitidas por posto de combustível no qual os prestadores já abasteceram o carro (gasto de R$ 140,00 e R$ 50,00). O CNPJ utilizado foi o do candidato a vice-prefeito. Além disso, na própria página dos candidatos no divulgacandcontas as notas fiscais estão devidamente registradas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86231/210000790562/nfes). Quanto ao ponto, o Ministério Público Eleitoral manifestou-se no mesmo sentido. (...)

Na hipótese sob exame, não verifico a existência de cerceamento de defesa tendo em vista que todas as intimações foram válidas, tendo sido concedidos aos recorrentes todos os momentos processuais previstos na legislação eleitoral para apresentação de defesa e juntada de documentos.

Ainda, conforme referido na decisão de indeferimento da diligência, o pedido mostrou-se injustificável, tendo em vista que é possível verificar, em consulta no portal da Receita Estadual/RS (https://www.sefaz.rs.gov.br/dfe/Consultas/ConsultaPublicaDfe), que as notas fiscais eletrônicas n. 43620 (R$ 200,00) e n. 43621 (R$ 207,00) permanecem com a situação ativa e com registro de pagamento em dinheiro.

Por fim, destaco que os dados constantes da nota fiscal eletrônica encontrada na base de dados da Justiça Eleitoral são considerados válidos até que se comprove o contrário e, no presente caso, os prestadores de contas não se desincumbiram da obrigação prevista no art. 92, § 6º da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, rejeito a preliminar.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidatos a prefeito e vice-prefeito, relativa às eleições do ano de 2020.

As contas dos recorrentes foram desaprovadas com base em parecer técnico conclusivo (ID 38035083), em virtude das seguintes irregularidades: a) pagamento de despesas com combustível com recursos que não transitaram na conta bancária, determinando-se o recolhimento do valor de R$ 407,00 (quatrocentos e sete reais) ao Tesouro Nacional; b) pagamento de despesas com recursos do FEFC por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), sem determinação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

No tocante à primeira irregularidade, verifica-se que houve omissão relativa às despesas com combustível relacionadas às notas fiscais n. 43620 e n. 43621, emitidas pelo Comércio de Combustíveis David Ltda., no valor total de R$ 407,00 (quatrocentos e sete reais).

Os recorrentes, em suas razões, alegaram que não efetuaram os gastos apontados nas notas fiscais e que houve má-fé do fornecedor ao emitir, em sequência, as notas ficais no valor de R$ 200,00 e R$ 207,00, ambas no CNPJ do candidato a vice-prefeito. Sustentam que seria humanamente impossível consumir o combustível que supostamente originou a primeira nota fiscal para que fosse possível abastecer novamente o veículo e originar a segunda nota fiscal, considerando que o vice-prefeito possuía um único veículo para realizar a campanha.

Pois bem.

A emissão de nota fiscal sem o registro da despesa correspondente na prestação de contas revela indícios de omissão de gastos eleitorais em violação ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/2019, in verbis:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

(…)

g) receitas e despesas, especificadas;

O não reconhecimento de despesa haveria de ser comprovado, v.g., com a demonstração do cancelamento da nota fiscal emitida, nos termos previstos no art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

Na mesma linha a jurisprudência desta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. SUPLENTE. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. OMISSÃO DE DESPESA. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Omissão de despesas caracterizada pela existência de documentos fiscais sem o correspondente registro na prestação de contas. Falha grave que impossibilita a identificação da origem dos recursos utilizados para pagamento das despesas contratadas. Na espécie, apesar das alegações da prestadora acerca da emissão unilateral da nota fiscal e da argumentação sobre a responsabilização por ato de terceiro, não foi demonstrado o cancelamento do documento, de forma que se impõe o reconhecimento da omissão na prestação de contas. 2. As despesas omitidas na prestação de contas caracterizam recursos de origem não identificada, visto que foram ou serão pagas com recursos que deixarão de transitar pelas contas de campanha e de submeter-se ao controle da Justiça Eleitoral, o que atrai a imposição de recolhimento do valor equivalente ao Tesouro Nacional. Falha equivalente a 4,67% do total da receita declarada, possibilitando a aplicação dos precedentes desta Corte e do TSE que autorizam a aprovação com ressalvas das contas. (PC n. 0602542-21.2018.6.21.0000, j. em 05.11.2019, Relator: Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler)

Ainda, apesar dos recorrentes terem afirmado que as notas fiscais foram emitidas unilateralmente, por má-fé da empresa fornecedora de combustíveis, não trouxeram nos autos nenhum elemento para corroborar suas alegações.

Assim, inexistindo o cancelamento das notas fiscais, há evidência da realização do gasto eleitoral, situação que impede o afastamento da irregularidade.

Por conseguinte, a omissão de registro financeiro no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral há de ser considerada, tecnicamente, como recebimento de recurso de origem não identificada e, portanto, sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

No tocante à segunda irregularidade, não houve impugnação específica pelos recorrentes nas razões recursais, situação que impede a análise da matéria pela Corte, consonante o princípio do tantum devolutum quantum appellatum.

Por fim, destaco que as falhas (R$ 10.000,00 + R$ 407,00 = R$ 10.407,00) representam 48,51% das receitas declaradas (R$ 21.450,00), ficando, portanto, acima do percentual de 10% utilizado como limite para permitir a aprovação das contas com ressalvas. Assim, não há que se falar em proporcionalidade, razoabilidade ou insignificância, de forma que a manutenção da sentença de desaprovação é medida que se impõe.

No mesmo sentido a jurisprudência:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. IRREGULARIDADES: 1 E 2) DIVERGÊNCIAS ENTRE AS INFORMAÇÕES ACERCA DAS CONTAS BANCÁRIAS DECLARADAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS E AQUELAS CONSTANTES NOS EXTRATOS BANCÁRIOS. FALHA FORMAL. 3) DIVERGÊNCIAS ENTRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA REGISTRADA NA PRESTAÇÃO DE CONTAS E AQUELA CONSTANTE DOS EXTRATOS ELETRÔNICOS. FALHA NÃO PERSISTE. 4) AUSÊNCIA DE ESCLARECIMENTOS, COM DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS, SOBRE A ORIGEM E A DISPONIBILIDADE DOS RECURSOS PRÓPRIOS APLICADOS NA CAMPANHA. REMANESCE A FALHA. 5) GASTOS IRREGULARES PAGOS COM RECURSOS DO FEFC. DOCUMENTOS APRESENTADOS SANAM A FALHA. REMANESCE A IRREGULARIDADE DO ITEM 4, QUE REPRESENTA 21,80% DOS RECURSOS ARRECADADOS. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, RAZOABILIDADE E DA INSIGNIFICÂNCIA. DESAPROVAÇÃO E DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO.

(TRE/SP, PC nº 060042752, Acórdão, Relator(a) Des. Marcelo Vieira de Campos, Publicação: DJE, Tomo 18, Data 27.01.2021) (Grifei.)

Por essas razões, a sentença recorrida deve ser mantida em sua integralidade.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento dos recursos, mantendo a sentença de desaprovação das contas de Lauro Antonio Benedetti e Volmir Tician, bem como o dever de recolhimento do valor R$ 407,00 (quatrocentos e sete reais) ao Tesouro Nacional.