REl - 0600879-70.2020.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/11/2021 às 14:00

VOTO

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Preliminarmente

Em sede preliminar, cumpre registrar a viabilidade dos documentos apresentados com o recurso.

Embora o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral possua entendimento no sentido de que julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relatora Min. Rosa Weber. DJE: 31.10.2016), este Tribunal Regional, sempre em juízo de exceção, tem se pautado pela potencialização do direito de defesa no âmbito dos processos de prestação de contas, especialmente quando se trata de documento simples que dispense a necessidade de nova análise técnica ou de diligências complementares, não apresentando prejuízo à tramitação processual.

O posicionamento encontra fundamento no art. 266 do Código Eleitoral e está amparado pela reiterada jurisprudência deste Tribunal, conforme ilustram as ementas das seguintes decisões:

Recurso Eleitoral. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento dos documentos apresentados em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento.

(TRE-RS – RE 522-39/RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 14.3.2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. APRESENTAÇÃO INTEMPESTIVA DE DOCUMENTOS. CONHECIDOS, EXCEPCIONALMENTE, POR NÃO DEMANDAREM ANÁLISE TÉCNICA OU DILIGÊNCIAS ADICIONAIS. FALHA SANADA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Conhecidos, excepcionalmente, os documentos apresentados de forma extemporânea, por permitirem através de simples leitura, a aferição do saneamento ou não das falhas, independentemente de diligências adicionais, conforme a jurisprudência deste Tribunal para as eleições de 2018. Ressalvada a posição de que, respeitada eventual mudança normativa, este entendimento não deve ser mantido em relação às contas das eleições vindouras, caso em que as circunstâncias ora consideradas não serão relevadas, aplicando-se o instituto da preclusão.

2. Irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Partidário. Tendo a parte juntado a microfilmagem dos cheques faltantes, possibilitando a aferição de que foram emitidos de forma nominal a fornecedor, tal como informado na prestação de contas, resta suprida a falha apontada pelo parecer técnico mediante a juntada de provas que não demandaram diligências complementares.

3. Aprovação com ressalvas.

(Prestação de Contas n 060240891, ACÓRDÃO de 02/12/2019, Relator: GERSON FISCHMANN, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão) (Grifei.)

Assim, conheço dos documentos juntados.

Prossigo, passando ao exame da questão de fundo.

 

Mérito

O juízo de origem desaprovou as contas da recorrente, em razão do recebimento de doações em valor superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais), mediante forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, e determinou o recolhimento de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) ao Tesouro Nacional, conforme disposto no art. 21, § 4º, c/c art. 32, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19.

Conforme consta nos autos, o relatório conclusivo (ID 39326883) apontou que foi realizado, em 13.11.2020, um depósito on-line no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), na conta de campanha da candidata, identificado com o seu CPF.

A recorrente não negou o depósito, sustentando que a quantia foi devolvida, sendo utilizado do valor irregular apenas R$ 421,56 (quatrocentos e vinte e um reais e cinquenta e seis centavos). Alegou ainda a desnecessidade de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

Adianto que assiste, em parte, razão à recorrente.

De fato, o conjunto de operações em tela está em desacordo com o art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual as doações financeiras acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) devem ser realizadas por meio de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, in verbis:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

Friso que o escopo da norma é possibilitar o cruzamento de informações com o Sistema Financeiro Nacional, de modo a permitir que a fonte declarada seja confirmada por meio dos mecanismos técnicos de controle da Justiça Eleitoral.

Contudo, conforme se verifica nos documentos juntados com o recurso (ID 39327483), a recorrente logrou êxito em demonstrar que, em 13.11.2020, foram sacados R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) da sua conta pessoal, sendo depositado valor idêntico na sua conta de campanha.

Assim, embora não observada a forma prevista na legislação eleitoral para a efetivação da doação, julgo que restou identificado o doador do recurso e, portanto, sua origem, nos termos do § 2º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ainda, verifica-se nos autos que a recorrente fez a devolução da quantia doada de forma irregular por meio do cheque n. 850006, no dia 20.11.2020 (IDs 3932633 e 39327483).

Entretanto, restou incontroverso a utilização do valor de R$ 421,56 (quatrocentos e vinte e um reais e cinquenta e seis centavos), provenientes da quantia doada de forma irregular (R$ 1.500,00), para o pagamento do cheque n. 850004 debitado em 13.11.2020, no valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).

Nesse sentido, por força do § 4º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, o valor deve ser recolhido aos cofres do Tesouro Nacional.

A irregularidade, consistente na quantia de R$ 421,56 (quatrocentos e vinte e um reais e cinquenta e seis centavos), representa 5,31% do total da receita financeira declarada na prestação de contas (R$ 7.935,51), ficando, portanto, abaixo do percentual de 10% utilizado como limite para permitir a aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência desta Corte e do TSE.

Nesse contexto, em que envolvido percentual ínfimo dos recursos recebidos pelo candidato, viabiliza-se o juízo de aprovação com ressalvas, aplicando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Oportunamente, colaciono julgado deste Tribunal e do TSE:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES DE 2016. VEREADOR. LIMITE DE GASTOS COM ALIMENTAÇÃO. DIVERGÊNCIA QUANTO À AUTORIA DAS DOAÇÕES. IRREGULARIDADES INFERIORES A 10% DA ARRECADAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Gastos com alimentação que excedem em 3,2% o limite de despesas dessa natureza e divergência entre os dados do extrato bancário e as declarações de doações registradas no balanço contábil que expressam 3,57% dos recursos arrecadados. Falhas que, somadas, representam menos de 10% dos recursos utilizados na campanha, não prejudicando a confiabilidade das contas. Incidência do princípio da proporcionalidade. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – RE: 41060 PORTO ALEGRE – RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 25/06/2018, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, Data 27/06/2018, Página 6) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL DE 2016. DIRETÓRIO NACIONAL DE PARTIDO POLÍTICO. IMPROPRIEDADE. OMISSÃO DE DESPESAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL. MERA FALHA FORMAL. ENTENDIMENTO APLICADO AO PLEITO DE 2016. ÚNICA IRREGULARIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESA PAGA COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO, NO VALOR DE R$ 1.350,00, QUE CORRESPONDE A, APROXIMADAMENTE, 0,10% DO TOTAL DE RECURSOS ARRECADADOS NA CAMPANHA (R$ 1.310.227,97). DEVOLUÇÃO DO RESPECTIVO VALOR AO ERÁRIO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTE. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS. (…) 4. Aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 4.1. Conforme o entendimento deste Tribunal Superior, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são aplicados na hipótese em que o valor das falhas é inexpressivo e não há indícios de má-fé nem prejuízo à análise das contas pela Justiça Eleitoral. Precedente. 4.2. Na espécie, a irregularidade ficou limitada à não comprovação de despesa paga com recurso do Fundo Partidário, no valor de R$ 1.350,00, que representa, aproximadamente, 0,10% do total de recursos arrecadados na campanha (R$ 1.310.227,97), o que permite aplicar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior. 5. Conclusão: contas aprovadas com ressalvas. 6. Determinação. Devolução ao erário do valor de R$ 1.350,00, referente à irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Partidário, no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado desta decisão, nos termos do art. 72, § 1º, da Res. TSE nº 23.463/2015.

(TSE – PC: 42477201660000000000 BRASÍLIA – DF, Relator: Min. Og Fernandes, Data de Julgamento: 27/08/2020, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 199, Data 05/10/2020, Página 0) (Grifei.)

Por essas razões, a sentença deve ser reformada para aprovar com ressalvas as contas do recorrente, reduzindo o valor a ser recolhido Tesouro Nacional para R$ 421,56 (quatrocentos e vinte e um reais e cinquenta e seis centavos).

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento parcial do recurso para aprovar as contas com ressalvas, reduzindo o valor a ser recolhido para R$ 421,56 (quatrocentos e vinte e um reais e cinquenta e seis centavos) ao Tesouro Nacional.