REl - 0600665-45.2020.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/11/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

Consoante prevê o art. 275, § 1º, do Código Eleitoral: “Os embargos de declaração serão opostos no prazo de 3 (três) dias, contado da data de publicação da decisão embargada, em petição dirigida ao juiz ou relator, com a indicação do ponto que lhes deu causa”.

No caso, o sistema do Processo Judicial Eletrônico registrou ciência do acórdão embargado em 03.11.2021, quarta-feira, a parte embargante opôs sua irresignação no dia 08.11.2021, a segunda-feira posterior, primeiro dia útil após o encerramento do prazo.

Tempestivo, portanto.

No mérito, o embargante sustenta expressamente a oposição no argumento de que “inova a condenação em aplicação de multa por litigância de má-fé”, e não aponta qualquer dos vícios aptos a ensejar a oposição de embargos conforme a legislação de regência, quais sejam, a omissão, a contradição, a obscuridade ou o erro material.

Transcrevo os termos do acórdão contra o qual há insurgência do embargante. Em resumo, a Corte identificou a apresentação de uma versão fraudada do cheque n. 000006, originariamente não cruzado e que surgiu nos autos dotado de cruzamento quando anexado ao recurso:

1. Dos documentos juntados em grau recursal

Destaco que o recorrente acostou documentação em fase recursal, circunstância que, na classe processual sob exame, prestação de contas, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, mormente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. A medida visa, sobretudo, salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e na celeridade processual, conforme precedentes desta Corte.

Registro, ademais, que, entre os documentos acostados em fase recursal, encontram-se duas cópias do cheque n. 000006, conta 06.117605.0-0, Banrisul.

Circunstância que causa estranheza.

Explico.

Na primeira das cópias, ID 38148033, o título está preenchido de modo nominal, sem cruzamento, enquanto na segunda cópia apresentada "em complementação", ID 38148183, o cheque se encontra nominal e cruzado, de modo que é inevitável a conclusão de que a segunda cópia apresentada foi objeto de indevido preenchimento posterior. Noto que, nos esclarecimentos prestados em grau inicial e repisados por ocasião do recurso, o prestador reconhece o não cruzamento do cheque.

Transcrevo trecho do recurso eleitoral:

Da divergência na identificação de pessoa DENISE MARIN BATISTA, note que há contrato de prestação de serviço devidamente firmado e demonstrado na prestação de contas. Ademais, igualmente segue cópia do contrato, recibo de pagamento e do cheque de número 000006 da conta do candidato no valor de R$2.000,00(dois mil reais), documentos referentes ao pagamento do contrato de prestação de serviço de cabo eleitoral para a campanha eleitoral.

Note que a referida ordem de pagamento a vista emitida em nome da prestadora do serviço, ALESSANDRO BRITO DA SILVA cumpre os requisitos legais, exceto o cruzamento do mesmo, razão pela qual, mesmo que devidamente orientado o prestador, acabou por ser depositado em conta corrente de titularidade de terceiro, vez que o prestador não possui conta bancária de sua titularidade possível de receber o depósito, agravada pela dificuldade de acesso físico à rede bancária frente às medidas sanitárias impostas em razão da pandemia.

Repito: a incoerência revelada na apresentação de imagem de cheque preenchido de modo cruzado, o qual anteriormente fora apresentado sem cruzamento, inevitavelmente aponta para manipulação intencional da imagem da cártula. Ademais, o próprio recorrente argumenta, em dado momento, que o cheque “cumpre os requisitos legais, exceto o cruzamento do mesmo”.

A apresentação de provas em meio digital alcança facilidades aos demandantes na formação do conjunto probatório, situação bastante positiva mas que, por outro lado, impõe responsabilidades às partes, sobretudo no que diz respeito ao dever de lealdade, letra expressa do Código de Processo Civil, em seu art. 5º.

E refiro que a manipulação foi intencional porque, após a realização da primeira cópia do cheque, com apresentação nos presentes autos virtuais, foi necessário "cruzar" o cheque à mão, com caneta, e efetuar nova cópia e nova juntada, em procedimento que não pode ser considerado acidental, ainda que a ele se aplique a maior condescendência possível.  

Nesse norte, os elementos indicam atitude ardilosa e temerária, com a intenção de induzir o juízo em equívoco mediante comportamento desleal, a evidenciar litigância de má-fé e ensejar a aplicação de sanção, nos termos dos arts. 80 e  81, ambos do Código de Processo Civil:

 Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

 I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

 II - alterar a verdade dos fatos;

 III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

 IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

 V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

 VI - provocar incidente manifestamente infundado;

 VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

 Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.

 § 1º Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

 § 2º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.

 § 3º O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.

Não desconheço a severidade da sanção processual por litigância má-fé; contudo, a hipótese guarda grande similitude com precedentes, pois apresentada imagem de cheque que não condiz com a verdade dos fatos. Nesse sentido, julgado desta Corte, de relatoria do Des. Carlos Cini Marchionatti:

Recurso. Representação. Propaganda eleitoral. Fotografia parcial do material. Inverdade. Litigância de má-fé. Art. 80, incs. II, III e VI, do Código de Processo Civil. Eleições 2016.

1. Configura litigância de má-fé o uso de fotografia que não condiz com a realidade, com o propósito de inibir o direito de propaganda eleitoral. Alteração da verdade dos fatos mediante a instrução dos autos com reproduções fotográficas parciais do material original de publicidade. Fotos que omitem as informações obrigatórias previstas no art. 38, § 1º, da Lei n. 9.504/97, com intuito de revelar a suposta ilicitude na propaganda de campanha dos representados. Caracterizado o dolo na conduta. Incidência da litigância de má-fé.

2. Não há se falar em evitar-se surpresa quando o caso trata tão somente de fatos realizados no âmbito do processo pela própria parte, mormente quando inexiste inovação de tese jurídica em torno da matéria. Ademais, não evidenciada a ocorrência de prejuízo no exercício do direito de defesa do recorrente durante a tramitação do feito. Demonstrado o conhecimento e possibilidade de manifestação sobre os fatos da representação, inclusive com relação à litigância de má-fé. Não requerido pela parte o retorno dos autos à origem para saneamento. Elementos contextuais que autorizam a manutenção da sentença.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 26413, ACÓRDÃO de 09.05.2017, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 78, Data 11.05.2017, Página 3.)

(Grifei.)

Entendo suficiente a aplicação da multa em valor de um salário mínimo, a ser revertida em favor da União, pois a "parte adversa" na hipótese é a sociedade, e destaco que o projeto de novo Código Eleitoral, PLP n. 112/21, prevê a destinação das multas por litigância de má-fé à União Federal. O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados e, até o momento de elaboração do presente voto, encontra-se no Senado Federal aguardando inclusão em pauta de votação naquela Casa Legislativa. 

Ademais, indico a desconsideração, como prova, da cópia do cheque em que ele se encontra cruzado.

Passo ao mérito.

Ou seja, ainda que fosse possível a análise do tema em sede de embargos de declaração, e repito que não o é, o Tribunal declarou de ofício a litigância de má-fé, conforme previsão objetiva da legislação processual civil, por ter a parte alterado a verdade dos fatos ao apresentar junto ao recurso uma versão fraudada de documento.

Por fim, destaco a improcedência do argumento trazido em favor de uma suposta ausência de responsabilidade da parte, pois, conforme o embargante, o documento teria sido modificado na agência bancária: “provavelmente o cruzamento do referido cheque provavelmente ocorreu neste mesmo momento pelo funcionário da agencia bancária” (sic).

 Ora, a alegação não retira a responsabilidade da parte pela prática de má-fé ao apresentar perante o Poder Judiciário um documento fraudado, pois o manuseio e a juntada de documentos em processo judicial há de ser precedida por sua leitura e análise cuidadosa do conteúdo, pelos quais a parte é, indiscutivelmente, responsável.  Aliás, sequer a juntada seria necessária, pois já havia cópia do cheque nos presentes autos virtuais.

 

Diante do exposto, VOTO para rejeitar os embargos.