REl - 0600140-39.2020.6.21.0018 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/11/2021 às 14:00

VOTO

A sentença reconheceu o recebimento de doações sem a devida identificação e assentou a existência de falhas na emissão de cheques (não cruzado/não nominal) (ID 27495633).

Em relação às irregularidades pertinentes aos cheques, as quais atingiram o montante de R$ 3.554,12, a decisão também consignou que

as irregularidades acima apontadas acarretam a não homologação dos referidos gastos, os quais não poderiam ter sido pagos com recurso da campanha, ainda que provenientes de "Outros Recursos".

Desse modo, a exclusão (glosa) dos gastos não homologados da contabilidade da campanha gera a recomposição do saldo.

Esse saldo, apurado na forma do art. 50, I, da Resolução TSE 23.607/2019, constitui-se em sobras de campanha, as quais devem ser transferidas ao órgão partidário (art. 50, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019).

Examino inicialmente a questão relativa aos gastos eleitorais, consignando que a arrecadação de campanha importou em R$ 4.150,00 (quatro mil, cento e cinquenta reais), sem a percepção de recursos públicos, de forma que toda a movimentação financeira ocorreu por intermédio da conta “outros recursos” (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86290/210000671136).

A sentença reproduziu as irregularidades apontadas no parecer, que sejam:

Nos termos do disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, os gastos eleitorais de natureza financeira devem ser efetuados por meio de cheque nominal cruzado.

A regra possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja nominal e também cruzado como forma de impor que o pagamento do título ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial que os prestadores de serviço informados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

Em consulta ao DivulgaCand (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86290/210000671136/extratos), verifiquei nos extratos bancários que:

- o cheque n. 01, no valor de R$ 600,00, foi compensado por “GRAFICA GUSMAO E PIRES LTDA 94.521.036/0001-64”;

- o cheque de n. 03, no valor de R$ 360,00, foi compensado por “FML SOCIEDADE JORNALISTICA LTDA 02.770.757/0001-90”;

- o cheque de n. 04, no valor de R$ 320,00, foi compensado por “JORNAL PONCHE VERDE LTDA 87.715.496/0001-68”;

- o cheque de n. 05, no valor de R$ 88,00, foi compensado por “RENATO LEAL KRUGER 01112814078 20.672.335/0001-63”;

- o cheque de n. 07, no valor de R$ 1.650,00, foi compensado por “GRAFICA GUSMAO E PIRES LTDA 94.521.036/0001-64”;

- o cheque de n. 08, no valor de R$ 530,00, foi compensado por “GRAFICA GUSMAO E PIRES LTDA 94.521.036/0001-64”.

Ainda, no mesmo extrato, é possível verifica que a informação “4845-CHEQUE TERCEIROS POR CAIXA – SAQUE ELETRÔNICO” foi consignada nos lançamentos pertinentes aos cheques ns. 02 (R$ 268,06) e 06 (R$ 268,06).

Na hipótese, salvo em relação aos cheques de ns. 02 e 06, reconheço que a finalidade da norma foi atingida, uma vez que é possível confirmar que os recebedores dos pagamentos efetivamente foram os fornecedores arrolados no parecer da análise técnica.

Em relação aos dois pagamentos no valor de R$ 268,06, que totalizam R$ 536,12 (quinhentos e trinta e seis reais e doze centavos), entendo que a prova dos autos não é suficiente para garantir a confiabilidade das transações.

Os contratos e recibos das contratações são aptos a comprovar a natureza das despesas, mas não para garantir a rastreabilidade da movimentação financeira, nos termos do que vem decidindo este Tribunal Regional.

Assim, não há como afastar a mácula em relação às despesas que totalizaram R$ 536,12 (quinhentos e trinta e seis reais e doze centavos).

No entanto, quanto à caracterização desses valores como sobras de campanha e a fim de garantir tratamento isonômico aos jurisdicionados, me valho da análise realizada pelo eminente Desembargador Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes em seu voto nos autos do Recurso Eleitoral n. 0600210-56.2020.6.21.0018, também proveniente de Dom Pedrito, julgado em 22.10.21:

III – Pagamento de despesas com verbas da conta “Outros Recursos”, mediante cheque sem cruzamento

A unidade técnica detectou a realização de gastos eleitorais satisfeitos com verbas da conta “Outros Recursos”, no total de R$ 1.047,00, mediante emissão de cheques sem cruzamento, consoante tabela abaixo:

[imagem]

Exsurgindo clara a concretização de irregularidade, consistente na ausência de cruzamento das cártulas, em ofensa ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, a sentença, ainda, considerou que a quantia de R$ 1.047,00 deveria ser transferida pelo candidato ao órgão partidário, porque a falta de prova do pagamento caracterizaria os valores como gastos não declarados, constituindo-se em sobra de campanha, por se tratar de recursos privados, consoante transcrevo:

Assim, as irregularidades acima apontadas acarretam a não homologação dos referidos gastos, os quais não poderiam ter sido pagos com recurso da campanha sem as formalidades da legislação, ainda que provenientes de "Outros Recursos".

Desse modo, a exclusão (glosa) dos gastos não homologados da contabilidade da campanha gera a recomposição do saldo.

Esse saldo, apurado na forma do art. 50, I, da Resolução TSE 23.607/2019, constitui-se em sobras de campanha, as quais devem ser transferidas ao órgão partidário (art. 50, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019.

A Procuradoria Regional Eleitoral acompanha o raciocínio assentado na sentença, afirmando que o valor pago aos fornecedores deve ser compreendido como sobra de campanha, devendo ser a importância transferida ao partido político (ID 38860433):

... não merece reparos à sentença em relação à determinação de recolhimento da importância de R$ 1.047,00, cujos gastos provenientes da conta “Outros Recursos” tem sua inclusão glosada diante da utilização de forma de pagamento indevida, pelas razões acima referidas. Não homologado o gasto eleitoral, tem-se sobra de campanha que deve ser transferida ao órgão partidário, nos termos do art. 50, § 1º, da Resolução citada.

Entretanto, tenho que não há como classificar o montante das despesas não comprovadas como sobra de campanha, pois o valor gasto foi debitado da conta bancária do candidato e não foi estornado ou devolvido como receita de campanha.

Segundo o art. 50, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, a seguir transcrito, sobra de campanha se traduz na diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha:

Art. 50. Constituem sobras de campanha:

I - a diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha;

II - os bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha até a data da entrega das prestações de contas de campanha;

III - os créditos contratados e não utilizados relativos a impulsionamento de conteúdos, conforme o disposto no art. 35, § 2º, desta Resolução.

§ 1º As sobras de campanhas eleitorais devem ser transferidas ao órgão partidário, na circunscrição do pleito, conforme a origem dos recursos e a filiação partidária do candidato, até a data prevista para a apresentação das contas à Justiça Eleitoral.

Na espécie, os valores referentes aos desembolsos não retornaram à campanha, logo, não há que se falar em sobra de campanha, nem tampouco em recolhimento ao ente partidário.

Nesse sentido é a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. IMPULSIONAMENTO. FACEBOOK. AFASTAMENTO DA DETERMINAÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES A TÍTULO DE SOBRAS DE CAMPANHA. SÍNTESE DO CASO.
1. O Tribunal de origem, por unanimidade, aprovou com ressalvas a prestação de contas de campanha do candidato, referentes às Eleições de 2018, quando concorreu ao cargo de deputado federal, bem como determinou o recolhimento do valor de R$ 597,83 ao ente partidário, nos termos do art. 53, § 1º, da Res.–TSE 23.553, por não terem sido comprovadas as despesas realizadas mediante contrato com o Facebook a título de impulsionamento de campanha.
2. Por meio da decisão agravada, foi dado provimento ao agravo, bem como ao recurso especial para reformar o acórdão regional e afastar a determinação de devolução da quantia de R$ 597,83 ao ente partidário, valor alusivo às supostas sobras de campanha, mantendo a aprovação das contas, com ressalvas.

ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

3. No julgamento do Ag–REspEl 0603524–57, este Tribunal Superior assentou que, ausente a informação, no acórdão regional, sobre o retorno à campanha do candidato dos recursos pagos a mais para o fornecedor do serviço de impulsionamento de conteúdo, não há como classificar esses valores como sobras de campanha.

4. No caso, não há menção no acórdão regional de que os recursos pagos a mais ao Facebook do Brasil retornaram à campanha, afastando, assim, a caracterização de sobra de campanha.
CONCLUSÃO
Agravo regimental a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060614734, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 121, Data 30.6.2021.)

No mesmo rumo, trago à baila precedente desta Corte Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. COMPROVADA CAPACIDADE FINANCEIRA PARA APLICAR RECURSOS PRÓPRIOS NA CAMPANHA. EXERCÍCIO DA VEREANÇA. PROFISSÃO DE ADVOGADO. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. PAGAMENTO IRREGULAR DE DESPESAS. AUSÊNCIA DE CHEQUE NOMINAL E CRUZADO. FALTA DE DADOS DO BENEFICIÁRIO DO VALOR. FALHA GRAVE. EXPRESSIVIDADE DA QUANTIA IRREGULARMENTE DESPENDIDA. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE DEPÓSITO NA CONTA BANCÁRIA DO PARTIDO A TÍTULO DE SOBRA DE CAMPANHA. CARACTERIZADA COMO DÍVIDA DE CAMPANHA. RETIFICAÇÃO DA SENTENÇA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas as contas referentes às eleições municipais de 2020, diante da declaração de ausência de bens no requerimento de registro de candidatura e posterior aplicação de recursos próprios na campanha e da emissão de cheques pagos por caixa, não cruzados nem preenchidos de forma nominal. Determinado recolhimento de valores ao Tesouro Nacional e transferência para o órgão partidário.
(...)
3. Constatada irregularidade pela falta de cópia do cheque nominal cruzado (arts. 35, 38, 53 e 60 da Resolução TSE 23.607/19) utilizado para recebimento na "boca do caixa", sem dados do beneficiário do valor. Apesar da alegação de que os pagamentos estariam comprovados por meio de contratos firmados com fornecedores de bens e serviço, não foi possível identificar, no extrato bancário eletrônico, o atendimento à exigência do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Falha grave, pois impede que a Justiça Eleitoral efetue o rastreamento do valor para confirmar se o fornecedor de campanha é a mesma pessoa que recebeu o pagamento por meio do cheque. Expressiva quantia irregularmente despendida, equivalente a 58,63% da receita de campanha, impedindo a aprovação das contas sem qualquer ressalva.
4. Impossibilidade de classificação das despesas não comprovadas como sobras de campanha, sendo equivocada a determinação do recolhimento do valor gasto ao partido pelo qual concorreu o recorrente, por aplicação do disposto no art. 50, inc. I e § 1º, da Resolução TSE 23.607/19. Os pagamentos debitados e não devolvidos aos candidatos não têm a natureza de sobra, pois o art. 50, inc. I, da referida Resolução é expresso ao estabelecer que as sobras são a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados, ou seja, são a receita que remanesce como crédito para o candidato, não sendo este o caso dos autos.
(…)
(TRE-RS, REl n. 0600201-94.2020.6.21.0018, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 01.9.2021.)

Por essa razão, deve ser afastada a determinação de que o valor das despesas não comprovadas seja transferido ao órgão partidário, porquanto o § 1º do art. 50 da Resolução TSE n. 23.607/19 não alcança a situação verificada nestes autos.

Na mesma linha do exposto na transcrição acima, não há como classificar o montante das despesas não comprovadas (R$ 536,12 – quinhentos e trinta e seis reais e doze centavos) como sobra de campanha, pois o valor gasto foi debitado da conta bancária da candidata (conta “outros recursos”) e não foi estornado ou devolvido como receita de campanha.

Passando à análise da irregularidade pertinente às doações, o conjunto probatório demonstra que foram efetuados dois depósitos na conta bancária da candidata, nos dias 26 e 27 de outubro de 2020, nos valores de R$ 1.000,00 e R$ 600,00, respectivamente, tendo sido identificado o depositante com o CNPJ da campanha, o que se pode verificar nos comprovantes de ID 27490983, pag. 3 e 4.

Acerca do uso do CNPJ de campanha para identificação de doações e não do CPF do candidato, este Tribunal Regional recentemente debateu a questão, tendo concluído que tal prática afronta o estabelecido no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na ocasião, foi afastada a tese de que devem ser considerados como recursos próprios os valores depositados na conta de campanha em nome do CNPJ da candidatura, devido à falta de confiabilidade da procedência dessa receita a partir de mera declaração do candidato, não confirmada por documentação idônea. Também se fixou que a regra sobre a identificação do CPF do doador deve ser aplicada de forma isonômica a todos os candidatos e partidos que disputaram o pleito, independentemente do valor depositado (REl n. 0600158-60, Relator Des. Eleitoral GERSON FISCHMANN, julgado em 01.09.2021).

Na hipótese, a prova dos autos não teve aptidão para esclarecer a origem do depósito.

Em 12 de novembro, esses valores foram restituídos mediante depósito na conta pessoal da candidata, bem como foi elaborada nota explicativa relatando o ocorrido.

A candidata, na mesma data, efetuou novamente o depósito dos valores na conta de campanha, dessa vez utilizando seu CPF para identificar as doações, o que se verifica no extrato bancário.

Embora a candidata tenha empreendido esforços para regularizar espontânea e tempestivamente a irregularidade – os valores foram restituídos antes da data do pleito, o § 4º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19 é claro ao determinar que no “caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional”.

Na hipótese, entre a data de 26.10.2020 e 12.11.2021 foram pagas despesas eleitorais, o que se verifica nos extratos bancários juntados aos autos.

Assim, mesmo verificada a diligência e boa-fé da candidata, não há como afastar a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

Tenho então que a restituição dos valores e a nota explicativa lançada não tem aptidão para mitigar o disposto no § 4º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, de forma que a decisão recorrida deve ser mantida no ponto.

Em conclusão, a sentença deve ser parcialmente reformada tão somente para que se reconheça como irregulares os gastos no valor de R$ 536,12 (quinhentos e trinta e seis reais e doze centavos) em razão da inobservância do disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, afastado o recolhimento dos valores ao Partido Político como sobra de campanha.

As irregularidades aqui reconhecidas afrontaram objetivamente as disposições contidas no regimento pertinente, não sendo possível tomá-las como erros formais para fins de afastar as sanções ou mesmo considerá-las insuficientes para comprometer a credibilidade da escrituração financeira.

Ainda, repriso que a arrecadação de campanha importou em R$ 4.150,00 (quatro mil, cento e cinquenta reais) e que as irregularidades remanescentes importaram em R$ 536,12 (quinhentos e trinta e seis reais e doze centavos) – máculas nos cheques – e R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) – falha na identificação de doações, totalizando R$ 2.136,12 (dois mil, cento e trinta e seis reais e doze centavos). Embora a soma das irregularidades, tanto considerada nominalmente como percentualmente, tivesse aptidão para atrair a desaprovação das contas, considerando que apenas a candidata recorreu, fica mantida a aprovação com ressalvas da contabilidade, em homenagem ao princípio da non reformatio in pejus.

Por essas razões, a sentença deve ser parcialmente reformada para afastar parte das irregularidades pertinentes aos cheques, declarar a inexistência de sobras de campanha e suspender a determinação de recolhimento de valores ao órgão partidário.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por dar parcial provimento ao apelo para, mantida a aprovação com ressalvas das contas de ANA PAULA MONTIEL SALINES e a determinação do recolhimento do montante de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais) ao Tesouro Nacional, afastar a necessidade de recolhimento de quaisquer valores ao órgão partidário e reconhecer que as falhas na emissão de cheques importaram no montante de R$ 536,12 (quinhentos e trinta e seis reais e doze centavos).