REl - 0600282-73.2020.6.21.0105 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/11/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

Do Conhecimento de Novos Documentos Juntados na Fase Recursal

A recorrente acosta, com suas razões, documentos, requerendo o seu conhecimento.
Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica.

É esse, exatamente, o caso.

O ID 41580033 veicula imagem de comprovante de pagamento com código de barras e de correspondente saque avulso de valores.

Desse modo, devem ser conhecidos tais documentos, por serem de fácil análise e pertinentes às falhas identificadas no presente caso.

Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas da candidata e determinou-lhe o recolhimento de R$ 40,00 ao Tesouro Nacional, em face das seguintes irregularidades: I) ausência de comprovação do pagamento da GRU relativa a recursos do FEFC não utilizados; e II) ausência de abertura da conta "Outros Recursos".

Passa-se, a seguir, à análise discriminada dos apontamentos glosados.

I – Da ausência de comprovação do pagamento da GRU relativa a recursos do FEFC não utilizados

Na sentença, a ilustre magistrada a quo, com esteio nos apontamentos constantes do parecer técnico conclusivo, entendeu configurada a irregularidade consistente na ausência de comprovação de recolhimento do saldo positivo da conta FEFC, no importe de R$ 40,00, porquanto o “documento apresentado (ID 86315005 – Outros documentos (COMPROVANTE REJANE FEFEC) não traz a comprovação da quitação da guia de recolhimento, é apenas uma GRU, sem autenticação mecânica ou tíquete de pagamento”.

A recorrente, em seu apelo, relata que havia juntado ao feito a GRU sem o respectivo comprovante de pagamento, porque supunha que o Cartório Eleitoral dispusesse de meios para verificar sua quitação, mas que o documento anexado com a peça recursal é hábil a sanar a falha.

Vê-se, portanto, que o ponto controvertido é tão somente a existência ou não do pagamento da GRU, no valor de R$ 40,00, cuja imagem se encontra sob ID 41579383.

Gizo que o nome e o CNPJ lançados na referida guia são de outra candidata, contudo a questão já foi apreciada no parecer técnico conclusivo, que indicou que a GRU no valor de R$ 40,00 seria efetivamente de Rejane Conceição Bica Cunha (ID 41579633):

A prestadora afirmou que “houve sim o recolhimento das sobras de FEFC no montante de R$ 40,00, porém foram recolhidas erroneamente em nome da candidata Darci Rodrigues dos Santos”. Cotejando as contas em questão chega-se a conclusão que os valores realmente estão trocados e, conforme a explicação dada em resposta ao Relatório Preliminar, “que o recolhimento de fato da candidata Darci é no valor de R$ 28,95 e desta prestadora de contas é no valor de R$ 40,00.”
Ainda em resposta ao Relatório Preliminar, foram anexados documentos para comprovar os recolhimentos, contudo, a GRU no valor de R$ 40,00 (documento ID 86315005), que seria efetivamente de Rejane Conceição Bica Cunha, conforme explicado acima, não está comprovada a sua quitação, não possui autenticação mecânica ou ticket de pagamento, foi juntada somente a GRU, ao contrário do documento da candidata Darci Rodrigues dos Santos, no valor de R$ 28,95 (documento ID 86315009), que junto à GRU está respectivo ticket de pagamento.
Dessa forma, não houve a efetiva comprovação do recolhimento ao Tesouro Nacional do saldo do FEFC por parte de Rejane Conceição Bica Cunha.

Superada a divergência, a qual não possui nexo causal com a glosa ora examinada, tenho que, em face da juntada do comprovante de pagamento (ID 41580033), não mais subsiste a falha, pois tal documento é apto a evidenciar que a guia foi devidamente paga.

Destarte, resta indene de dúvida que os valores oriundos do FEFC não utilizados na campanha por REJANE CONCEIÇÃO BICA CUNHA foram devidamente revertidos aos cofres públicos, de sorte que, não remanescendo a mácula indicada na instância de origem, deve, via de consequência, ser arredado o comando de ressarcimento ao erário.

II) Da ausência de abertura da conta "Outros Recursos"

As contas de campanha foram desaprovadas pelo Juízo Eleitoral também em razão de não ter havido a abertura da conta bancária para trânsito de recursos privados, prevista no art. 8º da Resolução TSE 23.607/19.

Deveras, o art. 8º, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 reza que é obrigatória para os candidatos a abertura de conta bancária específica e que essa compulsoriedade persiste, ainda que não ocorra arrecadação e/ou movimentação de recursos financeiros, litteris:

Art. 8º É obrigatória para os partidos políticos e os candidatos a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil e que atendam à obrigação prevista no art. 13 desta Resolução.
(...).
§ 2º A obrigação prevista neste artigo deve ser cumprida pelos partidos políticos e pelos candidatos, mesmo que não ocorra arrecadação e/ou movimentação de recursos financeiros, observado o disposto no § 4º deste artigo e no art. 12 desta Resolução.

A eminente magistrada singular, com base em tal dispositivo, concluiu que a abertura de conta bancária é requisito essencial ao exame das contas, cuja falta ocasiona a impossibilidade de comprovação da movimentação financeira alegada ou da sua ausência, de modo que a falha constitui irregularidade grave, capaz de prejudicar a confiabilidade das contas.

A despeito do respeitável entendimento, compreendo que a impropriedade, na hipótese vertente, não comprometeu a regularidade das contas, tendo em vista que houve abertura em instituição bancária de conta reservada ao trânsito de verbas do FEFC, as quais foram as únicas recebidas e utilizadas pela candidata.

Anoto que a candidata atendeu ao comando de apresentar suas contas eleitorais, declarando que os recursos financeiros arrecadados e utilizados foram oriundos exclusivamente do FEFC, consoante extrato da prestação de contas final (ID 41578883).

Ademais, não há notícia nos autos de que tenha havido falha na aplicação de tais verbas, devendo ser levado em consideração também o limitado volume de valores utilizados na campanha, que se cingiu a um único gasto, na cifra de R$ 660,00.

Noutro giro, há de se ter presente que a impropriedade em apreço tem natureza puramente formal.

Ora, mesmo que tivesse sido aberta a conta destinada a “Outros Recursos”, como determina a legislação eleitoral, o cenário fático do ajuste contábil não teria sofrido impacto, porquanto os correspondentes extratos bancários exibiriam a ausência de lançamentos de crédito e débito.

Concluir em sentido oposto significa supor que a mera abertura de conta-corrente de campanha seria capaz, por si só, de impedir a realização de arrecadação de recursos e gastos eleitorais não contabilizados, o que não se mostra verdadeiro, mormente por eventuais transações financeiras espúrias, intencionalmente realizadas à margem do controle da Justiça Eleitoral, não serem registradas naquela conta bancária.

Nesse exato sentido, trago à colação recentes julgados deste Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. AUSÊNCIA DE ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA PARA “OUTROS RECURSOS”. OBRIGATORIEDADE. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. FALHA QUE NÃO COMPROMETEU O EXAME DAS CONTAS. AUSÊNCIA DE MOVIMENTAÇÃO. IMPROPRIEDADE FORMAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO PARCIAL.
1. Recurso contra sentença que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2020, em razão da ausência de abertura de conta bancária específica para "Outros Recursos" destinada à movimentação de receitas de origem privada.
2. O art. 3º, inc. I, al. "c", da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que a arrecadação de recursos de qualquer natureza deverá observar a obrigatoriedade de abertura de conta bancária específica, destinada a registrar a movimentação financeira de campanha. Já o art. 8º, caput e § 2º, do mesmo diploma normativo reza que a compulsoriedade persiste, ainda que não ocorra arrecadação e/ou movimentação de recursos financeiros.
3. No entanto, a falha, na hipótese vertente, não comprometeu a regularidade das contas, tendo em vista que houve abertura, em instituição bancária, de conta reservada ao trânsito de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, as quais foram as únicas recebidas e utilizadas pelo candidato. Há de se ter presente que a impropriedade em apreço tem natureza puramente formal. Mesmo que tivesse sido aberta a conta destinada a “Outros Recursos”, como determina a legislação eleitoral, o cenário fático do ajuste contábil não teria sofrido impacto, porquanto os correspondentes extratos bancários exibiriam a ausência de lançamentos de crédito e débito.
4. O severo juízo de desaprovação não se coaduna com as circunstâncias do caso concreto, devendo ser reformada a sentença, para que, na linha da manifestação do Parquet Eleitoral, sejam as contas aprovadas com ressalvas.
5. Parcial provimento.
(REl n. 0600665-49.2020.6.21.0138, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 29.9.2021.) (Grifei.)

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE ABERTURA DA CONTA BANCÁRIA DESTINADA À MOVIMENTAÇÃO DE “OUTROS RECURSOS”. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA INTEGRALIDADE DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DA CAMPANHA. NÃO VERIFICADA IRREGULARIDADE NO GASTO COM RECURSOS PÚBLICOS. FALHA QUE NÃO COMPROMETEU A REGULARIDADE DOS REGISTROS CONTÁBEIS. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.
1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha candidato ao cargo de vereador, relativas às eleições de 2020, em razão da ausência de abertura da conta bancária destinada à movimentação de "Outros Recursos".
2. Nos termos do disposto no art. 3º, inc. I, al. ‘c’, e art. 8º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a obrigação de abertura de conta bancária específica deve ser cumprida pelos partidos políticos e pelos candidatos, mesmo que não ocorra arrecadação e/ou movimentação de recursos financeiros. Na hipótese, inobservância da exigência legal de abertura de contas bancárias distintas para a movimentação de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e de valores procedentes de outros recursos, tais como doações de recursos próprios e de apoiadores da campanha. Malgrado não tenha sido realizada a abertura em instituição financeira de conta específica para o trânsito de recursos de doações e receitas próprias, foi recebido do órgão partidário repasse de verbas do FEFC e apresentado o respectivo extrato bancário com a movimentação dos verbas públicas utilizadas na campanha.
3. A ausência de abertura de conta de campanha e da apresentação de extratos bancários, ainda que zerados, impossibilita a aferição da integralidade da movimentação financeira, comprometendo a confiabilidade e a transparência das contas. No entanto, não foi verificada irregularidade no gasto dos recursos públicos e a não abertura da conta bancária “Outros Recursos” não comprometeu a regularidade dos registros contábeis, sendo suficiente a aprovação das contas com ressalvas.
4. Parcial provimento.
(REl n. 0600666-34.2020.6.21.0138, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 17.8.2021.)

Portanto, tenho que o severo juízo de desaprovação não se coaduna com as circunstâncias do caso concreto, devendo ser reformada a sentença, para que, na linha da manifestação do Parquet Eleitoral, sejam as contas aprovadas com ressalvas.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas e afastar a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.