REl - 0600677-26.2020.6.21.0021 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/11/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes todos os pressupostos de admissibilidade, está a merecer conhecimento.

No mérito, cuida-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha de MARCOS ALEXANDRE KAYSER. A decisão hostilizada também aplicou multa equivalente a 78,74% do valor excedido, diante da utilização de recursos próprios acima do limite de 10% (dez por cento) do teto estabelecido para o cargo.

O limite de gastos para o cargo de vereador no Município de Tapejara nas eleições de 2020 foi estabelecido em R$ 12.307,75 (doze mil, trezentos e sete reais e setenta e cinco centavos), teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, o que impunha ao candidato a obediência ao limite equivalente a 10% deste valor ao utilizar recursos próprios, ou seja, R$ 1.230,77. Contudo, houve a aplicação de recursos em espécie no valor de R$ 1.200,00 e a cessão de veículo próprio estimada em R$ 1.000,00, de modo que o total alcançou R$ 2.200,00 e excedeu o limite em R$ 969,23.

Os limites de gastos dos candidatos a cargos eletivos é matéria disciplinada no art. 18 da Lei n. 9.504/97:

Art. 18. Os limites de gastos de campanha serão definidos em lei e divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Art. 18-A. Serão contabilizadas nos limites de gastos de cada campanha as despesas efetuadas pelos candidatos e as efetuadas pelos partidos que puderem ser individualizadas. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

Parágrafo único. Para fins do disposto no caput deste artigo, os gastos advocatícios e de contabilidade referentes a consultoria, assessoria e honorários, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais e em favor destas, bem como em processo judicial decorrente de defesa de interesses de candidato ou partido político, não estão sujeitos a limites de gastos ou a limites que possam impor dificuldade ao exercício da ampla defesa. (Incluído pela Lei nº 13.877, de 2019)

E, na sequência da mesma lei, há o regulamento relativo às doações às campanhas eleitorais:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009) (Vide ADIN 5970)

§ 1o As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.

(...)

§ 2º-A. O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer.

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso. (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

(...)

§ 7º O limite previsto no § 1o deste artigo não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) por doador. (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

Ainda, o limite de gastos consta no art. 5º da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:

I - o total dos gastos de campanha contratados pelos candidatos;

II - as transferências financeiras efetuadas para outros partidos políticos ou outros candidatos; e

III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas.

Em sua defesa, o recorrente alega que os recursos estimáveis não deveriam ser considerados para fins de aferição do limite, pois estariam excepcionados pela previsão contida no § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/97.

Sem razão.

Da leitura sistemática dos dispositivos, concluo que não há previsão de excepcionalidade específica que permita desconsiderar a doação estimável em dinheiro como gasto eleitoral sujeito aos limites estabelecidos para o cargo, como a tese defensiva intenta fazer crer. Destaco que a exceção invocada pelo recorrente é aplicável a doações de terceiros contribuintes, não aos candidatos, os quais estão atrelados ao limite de gastos ao qual se remete o art. 18 da Lei das Eleições, e a respeito do qual o art. 5º da Resolução TSE n. 23.607/19 explicita a abrangência.

Ademais, ressalto que o § 2º-A invocado pelo prestador trata o candidato enquanto doador à própria campanha estabelecendo que "poderá utilizar recursos próprios" e sinaliza que o caput do artigo se refere aos demais doadores.

Transcrevo irretocável trecho da sentença e o tomo expressamente como razões de decidir, para evitar desnecessária repetição de fundamentação:

Não prospera, no entanto, a alegação. A exceção prevista no §7º do art. 23 da Lei 9.504/97, ao contrário do que afirma o prestador, é exclusiva em relação a doações efetuadas por terceiros e não pelos candidatos. Vale lembrar que o art. 23 da Lei 9.504/97 passou por diversas reformas ao longo da última década e que as alterações sobre o financiamento de campanha ganharam relevo nas últimas reformas da legislação eleitoral. Havia em regime anterior a possibilidade de doações realizadas por pessoas jurídicas e pessoas físicas (simpatizantes ou os próprios candidatos), cada qual com limites diferentes, além de recursos públicos (Fundo Partidário) estes em menor monta. A sucessão de reformas feitas pelas leis 13.165/2015, 13.488/2017 e 13.878/2019 resultaram em um regime de financiamento híbrido entre recursos públicos e privados. Para a configuração do atual sistema, ganharam espaço os recursos públicos (Fundo Partidário e Fundo Especial de Financiamento de Campanha) e, em contrapartida, perdeu fôlego o financiamento privado. Isto se deu com o nítido propósito de conferir maior transparência, rastreabilidade e controle sobre os recursos utilizados na campanha eleitoral, mitigando-se de alguma forma a influência dos interesses econômicos privados sobre o poder político. Assim, criou-se um limite total de gastos para cada cargo, passaram à ilicitude as doações realizadas por pessoas jurídicas e, quanto às pessoas físicas, manteve-se uma limitação relativa à sua capacidade econômica (art. 23, §1º). No ponto que interessa ao presente caso, para balizar ainda mais o financiamento privado da campanha, criou-se, com a Lei 13.878/2019, uma limitação em valores absolutos para as doações dos recursos dos próprios candidatos (10% do limite total de gastos para o cargo). Há, portanto, dois regimes distintos quanto ao financiamento privado. O primeiro diz respeito a pessoas físicas simpatizantes da candidatura e é proporcional à capacidade econômica do próprio doador. Varia, portanto, subjetivamente (de acordo com o patrimônio de cada simpatizante). Esta espécie de financiamento é limitada a 10% dos recursos auferidos no ano anterior ao da eleição e, deste limite são excluídas doações estimáveis em dinheiro até o montante de quarenta mil reais (art. 23, §§ 1º e 7º, da Lei 9.504/97). O segundo regime refere-se aos recursos próprios do candidato e é definido de modo absoluto: 10% do valor total de gastos admitidos para o cargo ao qual concorrer. Quanto ao segundo regime, não foram previstas exceções relativas a bens estimáveis em dinheiro. Há portanto um rigor maior quanto ao financiamento próprio feito em nome da isonomia. Desta forma, evita-se que candidatos mais abastados possam contribuir com uma quantidade desproporcional de recursos para sua campanha, desiquilibrando a disputa. Isto vale tanto em relação a recursos financeiros quanto em relação a bens estimáveis em dinheiro, mais diretamente ligados ao patrimônio prévio do candidato. Assim sendo, não há dúvidas de que os bens estimáveis em dinheiro devem ser computados no cálculo do limite de gastos provenientes de recursos próprios do candidato e que, portanto, houve a extrapolação deste limite por parte do prestador de contas no total de R$ 969,23 (novecentos e sessenta e nove reais e vinte e três centavos).

Ou seja, não obstante o uso de recursos próprios do candidato esteja presente no § 2º-A do art. 23 da lei n. 9.504/97, é nítido que apenas as pessoas físicas guardam pertinência com a regra exceptiva do § 7º, de modo que os recursos próprios, também estimáveis em dinheiro, integram os gastos eleitorais nos claros termos do art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão […] III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas.

Nessa linha de raciocínio, entendo subsistir a irregularidade e destaco que a multa aplicada na sentença, no patamar de 78,74%, mostra-se adequada e razoável à falha verificada e às peculiaridades do caso.

Por fim, ressalto que a irregularidade representa 38,76% das receitas declaradas, R$ 2.500,00, porém apresenta discreto valor nominal, R$ 969,23, permitindo a aplicação do princípio da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas por ser inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10, utilizado por este Tribunal para a construção de um juízo de aprovação com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso, aprovar as contas com ressalvas e manter a multa aplicada na sentença.