REl - 0600422-25.2020.6.21.0100 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/11/2021 às 14:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereador, de CLEVIN DA SILVA MESSA, no Município de Tapejara.

Consta que a sentença desaprovou as contas do candidato em razão de doações com recursos próprios acima do limite legal, fixando multa no valor correspondente a 30% da quantia em excesso, com fulcro no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

In casu, o candidato poderia ter doado para a própria campanha o montante de R$ 1.706,48, o qual corresponde a 10% do limite de gastos de campanha no cargo em que concorre. Porém, doou R$ 2.495,50 (R$ 1.355,50 em moeda corrente e R$ 1.140,00 em bem estimável em dinheiro).

No ponto, a Resolução TSE n. 23.607/19, que regulamenta a matéria, assim dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

Quanto ao argumento do recorrente no sentido de que os dispêndios efetuados a título de uso de veículo automotor não estariam sujeitos a limites de gastos, razão pela qual os recursos próprios utilizados para a satisfação de tais débitos também não poderiam se sujeitar ao limite imposto na sentença, como muito bem frisado no parecer da douta Procuradoria Eleitoral, há regras distintas a fim de disciplinar situações diversas (ID 44176683):

A exceção prevista no art. 27, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/2019, que exclui as doações estimáveis do limite legal, faz remissão ao caput do aludido dispositivo, que estabelece limite para doações de pessoas físicas, não sendo específico para o candidato. É dizer, a ressalva do § 3º não se aplica ao limite de gastos com recursos do próprio candidato estabelecido no § 1º do mesmo dispositivo. Ademais, o art. 5º, inc. III, da Resolução TSE nº 23.607/2019 dispõe expressamente que doações estimáveis em dinheiro devem ser contabilizadas para efeito de cálculo de limite de gastos realizados pelo candidato.

 

As doações estimáveis em dinheiro estão incluídas no limite do autofinanciamento com recursos próprios com o objetivo de assegurar o princípio da isonomia entre os candidatos que tenham condições financeiras distintas. Tendo como exemplo o uso de veículo automotor na campanha, tanto o candidato que utiliza o seu próprio veículo quanto o que utiliza o de terceiros devem prestar contas de igual maneira, para que ambos constem do cômputo do limite de gastos.

A regra é objetiva, o limite previsto para gastos nas campanhas dos diversos cargos é deduzido da regra estabelecida no art. 18-C da Lei das Eleições. Definido o valor para o cargo, em relação a determinado município, o candidato pode autofinanciar sua campanha em quantias de até 10% do aludido limite.

Nesse sentido, trago julgado de minha relatoria:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PROPORCIONAL. DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. MULTA. PATAMAR 30%. ART. 27, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. GASTOS ADVOCATÍCIOS E CONTÁBEIS. DISTINÇÃO ENTRE OS LIMITES DEFINIDOS QUANTO AO PLANO DE DESPESAS GERAIS E O TETO DE APLICAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS PELO CANDIDATO. AUTOFINANCIAMENTO. IRREGULARIDADE EM PERCENTUAL DE 24,69% DO TOTAL DECLARADO. VALOR ABSOLUTO DIMINUTO. APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO DE MULTA AO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas do recorrente, tendo como fundamento a extrapolação do limite legal de doações com recursos próprios, e fixou multa correspondente a 30% da quantia em excesso, com fulcro no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Aporte de recursos próprios em campanha acima do teto de 10% conforme o cargo pleiteado na municipalidade, em afronta ao art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19. Distinção entre as regras definidas para os gastos globais, norma disposta no art. 4º, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e as pertinentes às receitas de campanha, no caso, art. 27, § 1º, da aludida resolução. Regra objetiva que visa limitar o valor a ser utilizado pelo candidato, para fins de autofinanciamento em sua campanha.

3. Irregularidade que representa 24,69% das receitas declaradas, mas de valor absoluto reduzido, a permitir, diante da incidência dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a mitigação do juízo de desaprovação para aprovar as contas com ressalvas. Correção de ofício da sentença, para que o recolhimento da multa seja destinado ao Fundo Partidário.

4. Parcial provimento.

(Rel 0600194-33.2020.6.21.0041, julgado na sessão de 10.08.2021.) (Grifo nosso)

 

Não merece reforma a sentença, pois, de fato, o prestador utilizou recursos próprios que superam em R$ 789,02 o limite previsto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Observe-se, ao fim, que a irregularidade representa 26,51% das receitas declaradas (financeira e estimável).

O parecer da Procuradoria Regional Eleitoral assinala diversos julgados desta egrégia Corte, referentes às eleições de 2020, versando sobre autofinanciamento acima do limite legal (0600302-16.2020.6.21.0121, 0600411-93.2020.6.21.0100) e recebimento de recursos de origem não identificada (0600399-70.2020.6.21.0103, 0600326-98.2020.6.21.0103), em que se decidiu, à unanimidade, que o valor de R$ 1.064,10 deve ser considerado como limite para aprovação com ressalvas das contas, ainda que as irregularidades importem em percentual superior a 10% das receitas declaradas.

Dessa forma, tenho que a importância, embora seja significativa diante da receita declarada, em valor absoluto é reduzida (R$ 789,02), inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data: 29.09.2017.) (Grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de pagamento da multa ao Fundo Partidário.

No que refere ao valor da condenação à multa eleitoral por excesso do limite para doação de recurso próprio (R$ 789,02), prevista no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, cujo fundamento legal encontra-se no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, a importância deverá ser recolhida ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), conforme previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Ante o exposto, VOTO pelo PARCIAL PROVIMENTO do recurso, unicamente para aprovar com ressalvas as contas de CLEVIN DA SILVA MESSA, mantendo-se, porém, a multa aplicada de R$ 236,70, equivalente a 30% do valor em excesso (R$ 789,02), a ser recolhida ao Fundo Partidário.