REl - 0600313-34.2020.6.21.0060 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/11/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

Quanto ao mérito, tenho que não assiste razão à recorrente.

A prestação de contas da candidata foi desaprovada em virtude da aplicação irregular de verbas provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), pois constatado o pagamento de despesa por cheques, no valor total de R$ 2.660,67, sem observância das prescrições do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, que determina que o cheque deverá ser emitido de forma nominal e cruzada. Houve a determinação de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 74, inc. III, c/c o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em suas razões, a recorrente admite que os pagamentos, no montante de R$ 2.660,67, foram feitos mediante cheque não cruzado. Contudo, justifica que “a documentação apresentada, (extrato bancário sem a identificação da contraparte e recibos de pagamento a autônomo), é capaz de assegurar que houve a correta utilização dos referidos valores”, notadamente porque “demonstrada a compensação do cheque na mesma data em que foi efetuado o depósito, conforme sumário da conta-corrente pessoal da candidata”. Requer, ao final, a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, afastando-se a ordem de transferência da quantia de R$ 2.660,67 ao Tesouro Nacional.

Sem razão.

Realizada consulta no site divulgacandcontas.tse.jus.br, foi possível verificar que os cheques de ns. 900021 e 900024, nos valores de R$ 1.000,00 e R$ 1.240,67, respectivamente, foram sacados na boca do caixa. Em relação ao cheque de n. 900025, no valor de R$ 420,00, há referência à compensação, porém não consta a contraparte, como bem referido pela Unidade Técnica (ID 42384833).

Ademais, a candidata não juntou a cópia ou microfilmagem dos referidos cheques, mesmo após ter sido notificada para essa finalidade, limitando-se a defender, nas razões recursais, que já havia comprovado a despesa por meio da documentação acostada durante a instrução do processo.

A Justiça Eleitoral, contudo, está autorizada a requerer a apresentação de documentos complementares para subsidiar o exame da contabilidade, a exemplo de documentos fiscais ou outros elementos que reputar importantes à comprovação das transações efetivadas durante a campanha, inclusive no tocante a bens ou serviços estimáveis em dinheiro, como se extrai da dicção expressa do art. 53, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A juntada da cópia dos cheques, no caso concreto, era imprescindível à verificação do atendimento da normativa posta no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige a emissão de cheque nominal e cruzado ao fornecedor de bens ou prestador de serviços à campanha, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

(Grifei.)

 

Depreende-se do texto legal que a regra possui caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis, procedimento que ganha especial relevo com relação às receitas públicas recebidas do FEFC, como na hipótese dos autos, em que foi repassada à candidata a expressiva quantia de R$ 11.000,00 (ID 42384833).

Como o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência relativa ao cruzamento da cártula — após o qual o seu pagamento somente pode ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) — visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil.

Nesse sentido, o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE DESPESAS POR MEIO DISTINTO AO PREVISTO NA NORMA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, em virtude de pagamento de despesas por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Demonstrado que a prestadora não observou os meios de pagamento previstos no art. 38 da Res. TSE 23.607/19 que determina que os cheques sejam nominais e cruzados. É dever do prestador a observância das normas eleitorais, em especial o regramento que se destina a garantir higidez das contas e o controle dos gastos eleitorais.

3. A irregularidade representa 70,76% do total das receitas declaradas, impondo a desaprovação das contas. Manutenção da sentença.

4. Desprovimento.

(TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. El. LUÍS ALBERTO D´AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.07.2021.) (Grifei.)

 

Por conseguinte, resta caracterizada a hipótese de incidência do dever de recolhimento da quantia envolvida ao Tesouro Nacional, prevista no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 79. (...)

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

 

Após debater essa matéria no julgamento do RE n. 0600464-77.2020.6.21.0099, interposto em processo de prestação de contas atinente ao pleito de 2020, envolvendo recursos públicos derivados do FEFC, este Colegiado adotou idêntico entendimento, como colho da ementa do acórdão a seguir reproduzida:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Julgado na sessão de 06.7.2021, Relator Des. Eleitoral SILVIO RONALDO DOS SANTOS DE MORAES, redator do acórdão Des. El. OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES.) (Grifei.)

 

Por fim, a inconsistência relativa aos recursos do FEFC consolida o valor de R$ 2.660,67, o qual é superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, bem como representa 23% das receitas declaradas (R$ 11.568,00), percentual superior ao limite de 10% utilizado como critério pela Justiça Eleitoral para que sejam aplicados os postulados da proporcionalidade e razoabilidade a fim de aprovar as contas com ressalvas.

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por MARIA REJANE MEDEIROS TERRES, mantendo a sentença que julgou desaprovadas suas contas relativas ao pleito de 2020, impondo-lhe o dever de recolhimento da quantia de R$ 2.660,67 ao Tesouro Nacional, com fundamento nos arts. 74, inc. III, c/c 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.