REl - 0600144-55.2020.6.21.0025 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/11/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade do Ato Intimatório para Manifestação acerca do Parecer Técnico

O recorrente suscita, em preliminar, a nulidade do ato de intimação para que se manifestasse a respeito do parecer técnico, no prazo de 3 (três) dias, como preceitua o art. 64, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Contudo, não lhe assiste razão.

O exame da tramitação do processo revela que o candidato foi intimado do despacho judicial para apresentar defesa ao parecer técnico por intermédio de ato de comunicação no dia 24.3.2021, às 12h44min (ID 41526433). Consoante certidão constante do ID 41526483, lavrada em 13.4.2021, o prazo para manifestação transcorreu in albis.

Analisando o processamento do feito no PJe de 1º Grau, verifico que o sistema eletrônico indicou, no dia 09.4.2021, que na data anterior havia decorrido o prazo para manifestação: “DECORRIDO PRAZO DE OBERTE DA SILVA PAIVA EM 08/04/2021 23:59:59”.

Ressalto que a forma de intimação obedeceu à regra expressa prevista no art. 1º, parágrafo único, da Resolução TRE-RS n. 347/20, segundo a qual as comunicações às partes representadas por advogado serão realizadas exclusivamente no PJe, dispensada a publicação do ato no Diário da Justiça Eletrônico ou a expedição de mandado, litteris:

Art. 1º Autorizar a comunicação eletrônica dos atos processuais, incluindo citações, intimações, notificações e o envio de ofícios às partes, terceiros interessados ou outros intervenientes na relação processual, nos processos judiciais de natureza cível e nos processos administrativos, no âmbito da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul, na forma das disposições deste Título.
Parágrafo único. As comunicações direcionadas à parte representada por advogado, ao Ministério Público Eleitoral, à Defensoria Pública e à União serão realizadas exclusivamente no Processo Judicial Eletrônico (PJe), dispensada a publicação do ato no Diário da Justiça Eletrônico ou a expedição de mandado, nos termos do art. 51, caput, da Resolução TRE-RS n. 338/2019 e art. 1º, caput, da Portaria TRE-RS P n. 223/2019 (Lei n. 11.419/2006, art. 5º).

Assim, em face da regularidade do ato intimatório que foi dirigido ao recorrente, inexiste nulidade processual a ser reconhecida por este Colegiado, razão pela qual afasto a matéria preliminar arguida.

Do Conhecimento de Novos Documentos Juntados na Fase Recursal

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica, como na presente hipótese.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.
(TRE-RS, REl 50460, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Data de Julgamento: 25.01.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 13, Data 29.01.2018, p. 4.) (Grifei.)

Logo, conheço dos documentos acostados com a peça recursal, consistentes em notícia extraída de site do Governo do Estado, sobre situação da pandemia (ID 41526883), nota fiscal de serviços eletrônica, emitida por Gráfica e Editora Solidus Ltda. (ID 41526933),  comprovante de depósito bancário (ID 41526983), contrato de prestação de serviços contábeis (ID 41527033, 41527083, 41527133, 41527183, 41527233, 41527283, 41527333, 41527383, 41527433 e 41527483) e correspondente nota fiscal de serviços eletrônica (ID 41527533).

Do Mérito

No mérito, a sentença desaprovou a contabilidade de OBERTE DA SILVA PAIVA e determinou o recolhimento dos montantes de R$ 750,00 e R$ 321,52 aos cofres públicos, em face das seguintes irregularidades: I) recebimento de depósitos bancários em espécie, no total de R$ 153,70, com anotação do CNPJ do candidato como doador; II) omissão de despesa, no importe de R$ 150,00, configurando os recursos usados para sua quitação como de origem não identificada; e III) pagamento de despesa com verbas do FEFC, no valor de R$ 750,00, sem comprovação de que o pagamento tenha sido realizado em favor do respectivo fornecedor de campanha.

I – Do Recebimento de Depósitos Bancários em Espécie

Na instância de origem, a unidade técnica detectou o recebimento de dois depósitos em dinheiro registrados com o CNPJ de campanha do candidato, nas montas de R$ 30,00, em 10.11.2020, e R$ 123,70, em 27.11.2020 (ID 41526533).

Ocorre que, nos termos dos art. 21, inc. I e §§ 1º, 4º e 5º, e 32, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, as doações financeiras de valores iguais ou inferiores a R$ 1.064,10 podem ser realizadas por meio de depósito bancário em espécie, desde que o CPF do doador seja obrigatoriamente informado, sendo que, caso haja a falta ou a identificação incorreta do doador, os recursos são reputados como de origem não esclarecida, devendo ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Na hipótese, o prestador reconhece a falha e assevera que se “atrapalhou” ao incluir o CNPJ de campanha como doador originário, e não o seu próprio CPF, não conseguindo resolver o equívoco junto à instituição bancária, mas entende que a origem dos valores está suficientemente esclarecida nos autos.

A douta Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, observa que o prestador, desde o início, ao apresentar o demonstrativo de recursos arrecadados (ID 41524083), incluiu as doações em questão como recursos próprios, não se verificando, portanto, tentativa de ocultar da Justiça Eleitoral o recebimento de valores de terceiros. E acresce que:

(...) para valores inferiores a R$ 1.064,10, infelizmente, o sistema atualmente existente (art. 21, § 1º, da resolução) permite que recursos de terceiros sejam depositados em dinheiro, ocultando-os da prestação de contas com a simples aposição do CPF do prestador, haja vista que a informação do CPF é inserida pelo depositante sem controle por parte da instituição financeira.

Assim o ingresso de recursos de fonte que precisa ficar oculta é feito de maneira diversa da existente no presente processo, utilizando-se de depósitos em valor inferior a R$ 1.064,10 e apondo o CPF do próprio prestador ou de terceiro que se preste para tanto.

Como a prática do ilícito, consoante referido, não é feita utilizando-se do CNPJ da própria campanha, a versão mais provável no presente caso é exatamente a trazida pelo recorrente no sentido de que houve equívoco no momento de informar a identificação para depósito, sendo colocado o CNPJ do candidato no lugar do seu CPF.

Assim, entendemos que deve ser afastada a irregularidade em questão.

 

Entretanto, em que pesem as razões recursais e o respeitável posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral, a matéria em questão foi objeto de detida análise por este Tribunal no julgamento do REl n. 0600158-60 (sessão de 1º.09.2021) e REl 0600192-46 (sessão de 08.09.2021).

Nas oportunidades, prevaleceu o entendimento de que, no caso de recursos em espécie depositados na conta de campanha em nome do CNPJ de candidatura, a prova consistente na emissão de recibo eleitoral, na mera declaração do candidato e na demonstração de sua capacidade financeira, não confirmada por documentação idônea relacionada à movimentação bancária da receita, não é suficiente para a comprovação da origem dos valores.

Por pertinente, colaciono as ementas dos aludidos julgados:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. APROVADAS COM RESSALVAS. CONHECIDOS DOCUMENTOS NOVOS JUNTADOS AO RECURSO. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. DOAÇÃO IRREGULAR. APORTE FINANCEIRO EM ESPÉCIE EM NOME DO CNPJ DA CANDIDATURA. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas prestação de contas, em virtude do recebimento de depósito bancário, em que consta o CNPJ do candidato como doador, e pagamento de despesa de campanha com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), sem comprovação de utilização de cheque cruzado e nominal, determinando o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

(...)

3. Doação irregular. Evidenciado nos extratos bancários aporte financeiro, por meio de depósito bancário em espécie, em que consta como depositante o CNPJ de campanha e não o CPF do candidato, em afronta ao regramento estabelecido no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. Este Tribunal já afastou a tese de que devem ser considerados como recursos próprios os valores depositados na conta de campanha em nome do CNPJ da candidatura, devido à falta de confiabilidade da procedência dessa receita a partir de mera declaração do candidato, não confirmada por documentação idônea. Ademais, o recorrente não se desincumbiu de comprovar o fato que invoca em sua defesa, na forma do art. 373, inc. II, do CPC, sequer quanto à demonstração de que o depósito foi realizado no seu CNPJ por equívoco. Incabível a análise da boa ou má-fé do prestador. A regra sobre a identificação do CPF do doador deve ser aplicada de forma isonômica a todos os candidatos e partidos que disputaram o pleito, independentemente do valor depositado. Prova dos autos inapta para esclarecer a origem do depósito, impondo o recolhimento da quantia ao erário.

(...)

5. Provimento negado.

(TRE-RS, REl n. 0600158-60.2020.6.21.0018, Relator originário Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Redator do Acórdão Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 01.9.2021.) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. GASTO COM COMBUSTÍVEL SEM DEMONSTRAÇÃO DE FINALIDADE. ARGUMENTAÇÃO INSUFICIENTE. NÃO COMPROVADA FONTE DO APORTE. ELEVADO PERCENTUAL E VALOR NOMINAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, diante do recebimento de recursos de origem não identificada - RONI - e da falta de comprovação de gasto com combustível, determinando o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. A falta de confiabilidade e de transparência sobre a origem do recurso não fica afastada pela declaração de que o depósito foi realizado pelo próprio prestador. O art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 expressamente determina que as doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado. Ainda que o prestador demonstre a sua capacidade financeira para realizar a doação e justifique a falha apontando equívoco de procedimento, em razão de o depósito estar identificado com o CNPJ da campanha e não com o CPF do doador, trata-se de mera alegação que não se sustenta em prova fidedigna, permanecendo a irregularidade. Não se discute a boa ou má-fé, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha. Recolhimento do recurso de origem não identificada ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Despesa com combustível sem registro de utilização de geradores de energia ou de locação, cessão, ou uso de veículo para publicidade, conforme estabelece o § 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19. Falha que sequer foi abordada na irresignação.

4. Irregularidades representando 62% das receitas arrecadadas e elevado valor absoluto, a ensejar a manutenção do juízo de desaprovação.

5. Desprovimento.

(TRE-RS, REl n. 0600192-46.2020.6.21.0079, Relator originário Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Redator do Acórdão Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 08.9.2021.) (Grifei.)

 

Assim, cumpriria ao candidato apresentar, por exemplo, o extrato bancário de sua conta pessoal, demonstrando os saques das quantias seguidos dos correspondentes depósitos em dinheiro à conta de campanha, dentre outros meios de prova, conferindo segurança sobre a real origem do valor depositado.

Contudo, ausente referida prova, na linha da jurisprudência deste Tribunal, não há confiabilidade na mera declaração unilateral de que a procedência é própria e que o recurso é pessoal.

Nesse passo, deve ser mantida a sentença quanto ao ponto, de modo a se considerar caracterizada a irregularidade, consubstanciada no recebimento de receita de origem não identificada, no total de R$ 153,70, cuja consequência é a necessidade de seu recolhimento ao Tesouro Nacional.

II – Da Omissão de Despesa

O examinador técnico junto ao Juízo Eleitoral apontou, em seu parecer conclusivo, que foi identificada divergência entre as informações constantes da prestação de contas do candidato e aquelas obtidas a partir de cruzamentos eletrônicos realizados pela Justiça Eleitoral, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, conforme quadro abaixo (ID 41526533):

No apelo, o candidato reconhece o gasto e afirma que não foi realizado pela conta bancária do candidato, procedendo à juntada da respectiva nota fiscal.

Dessa maneira, restou configurada a omissão de despesa eleitoral, reputando-se como de origem não identificada os recursos utilizados para seu pagamento, porquanto não transitaram pela conta-corrente de campanha, nos termos do disposto no art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).
§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:
(…)
VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

Portanto, evidenciada a ocorrência da falha, devendo o montante da despesa, R$ 150,00, ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme determinado na sentença vergastada.

III – Da Ausência de Comprovação do Uso de Recursos do FEFC

A unidade técnica indicou que o gasto relativo à prestação de serviços contábeis, no valor de R$ 750,00, quitado com recursos do FEFC, não foi satisfatoriamente comprovado, tendo em vista não haver nos autos documento apto a evidenciar que o pagamento foi efetuado diretamente ao fornecedor, em que pese tenha sido o candidato instado a tanto (ID 41526533).

Na sentença, o magistrado a quo assentou que, “Consoante apontado no relatório preliminar e no parecer conclusivo (ID 84649236), houve gasto de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC cujo pagamento ao prestador de serviço não restou devidamente comprovado, o que afronta o disposto no arts. 38, 60 e 70 da Resolução TSE nº 23.607/2019”, o que lhe levou a determinar o ressarcimento de R$ 750,00 ao erário (ID 41526683).

O candidato alegou que os documentos acostados com o recurso (contrato de prestação de serviços contábeis e correspondente nota fiscal de serviços eletrônica) servem para demonstrar a regularidade das despesas com assessoria contábil.

O bem-lançado parecer da Procuradoria Regional Eleitoral assim se pronunciou sobre o tópico (ID 44804549):

Por fim, quanto à terceira irregularidade, a Unidade Técnica, seja no seu relatório preliminar, seja no parecer conclusivo, refere a necessidade de ser trazido aos autos o comprovante de pagamento, para que se possa saber quem recebeu os recursos.
O prestador apresenta as notas ficais emitidas pelas prestadoras contratadas Ideal Contadores Ltda. e Essent Jus Contabilidade e Consultoria Ltda. (ID 41527533) e contrato de prestação de serviços com os aludidos fornecedores, no qual consta, no seu Anexo II (ID 41527483), que o pagamento seria feito integralmente à empresa Essent Jus, que repassaria a Ideal Contadores Ltda. o seu percentual.
Em que pese a semelhança da presente prestação de contas com outros casos envolvendo, igualmente, o contrato com a empresa Essent Jus em que se aprovou as contas com ressalvas, entendendo-se que o erro foi apenas o pagamento não ter sido realizado diretamente para os dois fornecedores; no presente feito não foi acostado qualquer documento relativo ao pagamento. Nos processos onde houve aprovação das contas foi juntado o comprovante de pagamento à Essent Jus, no caso em tela não há qualquer prova nesse sentido, em que pese a Unidade Técnica ter deixado claro que essa informação precisava ser trazida.
É dizer, não se sabe quem efetivamente recebeu o pagamento, havendo apenas uma presunção, que não nos parece seja suficiente para garantir a transparência que se exige de uma prestação de contas, notadamente quando se tratam de recursos públicos (FEFC).
A não comprovação da devida utilização dos recursos públicos do FEFC importa em recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Com efeito, não assiste razão ao recorrente.

O art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 prescreve as formas pelas quais os gastos eleitorais podem ser realizados, litteris:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:
I - cheque nominal cruzado;
II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;
III - débito em conta; ou 
IV - cartão de débito da conta bancária.
§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.
§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

Na espécie, as notas fiscais trazidas aos autos com o recurso, assim como o contrato de prestação de serviços contábeis, já se encontravam acostados aos autos, sob ID 41524783 e 41525833, respectivamente.

Exatamente o que fora solicitado ao candidato na instância de origem e cuja ausência ensejou a glosa, ou seja, documento comprobatório de que o pagamento se deu em prol do fornecedor, mormente a cópia do cheque cruzado e nominal ao contratado, não foi juntado ao feito, nem mesmo na atual fase recursal.

Este Regional sufragou o entendimento de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos que permitem a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado, sob pena de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional, conforme ementa que reproduzo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.
1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.
2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.
3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.
4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.
5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.
6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.
7. Provimento negado.

(TRE-RS; REl 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator originário: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes - vencido); Redator do acórdão: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021) (Grifei.)

Em face disso, entendo que a inconsistência do gasto, no importe de R$ 750,00, remanesce, impondo-se o recolhimento da quantia aos cofres públicos, na forma comandada pelo juízo da origem, conforme estabelece o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Conclusão

Assim, as falhas identificadas nas contas alcançam o somatório de R$ 1.053,70 (R$ 153,70 + R$ 150,00 + 750,00), cifra que, conquanto represente 13,47% das receitas declaradas (R$ 7.822,70), se mostra em termos absolutos reduzida e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), possibilitando a aprovação das contas com ressalvas (TRE-RS: PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 14.7.2020).

Gizo que, por erro material, constou da sentença a necessidade de serem recolhidos ao erário os valores de R$ 750,00, por utilização indevida do FEFC, e R$ 321,52, relativos ao manejo de recursos de origem não identificada, o que totalizaria R$ 1.071,52. Contudo, os montantes corretos são os anteriormente mencionados, cuja soma perfaz R$ 1.053,70, o que reclama retificação de ofício do erro material envolvendo o montante passível de recolhimento.

Registro, ainda, que, conforme diretriz jurisprudencial estabelecida nesta Corte para o pleito de 2020, a análise da gravidade da falha está diretamente relacionada ao valor envolvido e ao percentual de impacto sobre a arrecadação, “não importando se os recursos se caracterizam como de origem não identificada, de fonte vedada ou são de natureza pública” (REl 0600329-27.2020.6.21.0047, Redator do acórdão: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, sessão de 10.08.2021).

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da preliminar de nulidade da sentença e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha e, retificando erro material da sentença, reduzir para R$ 1.053,70 o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.