REl - 0600279-71.2020.6.21.0056 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/11/2021 às 14:00

VOTO

As contas foram desaprovadas em decorrência da realização do pagamento de R$ 484,50 com recursos procedentes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), para uma prestadora do serviço de cabo eleitoral, por meio de cheque nominal não cruzado.

O cheque, dirigido nominalmente à fornecedora (ID 40710633), foi sacado na boca do caixa, sem identificação do CPF do sacador no extrato bancário da conta de campanha.

A contratação foi comprovada por documentos fiscais idôneos, mediante contrato de prestação de serviço e recibo de pagamento (ID 40709033), e para elidir a falha, a recorrente apresentou uma declaração na qual a prestadora de serviço, Jade Faleiro do Amaral, afirma ter recebido o cheque em questão (ID 40710583).

Considerando que não houve a identificação da contraparte nos extratos bancários da conta de campanha, foi desatendido o contido no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que dispõe sobre a necessidade de que o pagamento seja realizado mediante cheque nominal cruzado:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

 

Não assiste razão à recorrente ao apontar que a falha está sanada pela documentação juntada aos autos, seja porque o cheque não cruzado pode circular e ser compensado sem depósito bancário, seja porque não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, impedindo a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

Em face da irregularidade ter ocorrido com recursos do FEFC, devia ter sido mantida a determinação de recolhimento do valor ao erário inicialmente contida na sentença (ID 40710383), nos termos do § 1° do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 79. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 31 e 32 desta Resolução.

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

(...)

Ocorre que, no julgamento de embargos de declaração, a determinação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional foi afastada com base no entendimento deste Tribunal sobre a Resolução TSE n. 23.553/17, que regulamentou os processos de contas da eleição de 2018 e não previa a necessidade de emissão de cheque cruzado nominal, pois havia, na época, tão somente exigência de emissão de cheque nominal (ID 40710933):

No caso, a razão recai com o Ministério Público, a documentação apresentada não exime ou justifica alteração da análise sobre a aprovação das contas. Houve infração direta com a emissão de cheques não cruzados que sobressai da mera formalidade exatamente em razão da origem do recurso utilizado; não há que se considerar mera impropriedade a utilização irregular de dinheiro público daquela que busca ser alçada a cargo que exerce fiscalização e controle externo dos gastos do município. Mantida a decisão de desaprovação.

De outra parte, é necessário atentar ao posicionamento atual da Corte Regional:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. IRREGULARIDADES NA CONSTITUIÇÃO DE FUNDO DE CAIXA. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS ORIUNDOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Extrapolado o limite máximo para reserva em dinheiro -- Fundo de Caixa, utilizado para a realização de pequenas despesas. Constituição limitada a 2% do total de gastos contratados, cujos respectivos pagamentos não devem exceder meio salário-mínimo, vedada sua recomposição, nos termos do art. 41, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17. Tais gastos não dispensam a devida comprovação, consoante prescreve o art. 42, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.553/17. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. 1. Falha no tocante à aplicação de recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Ainda que as despesas referentes ao pagamento de cabos eleitorais tenham sido demonstradas com a juntada de recibos pela prestação dos serviços, considerados documentos fiscais idôneos, a teor do art. 63 da Resolução TSE n. 23.553/17, não foram apresentados cópias dos cheques nominais emitidos, exigência quanto à forma de pagamento disciplinada pelo art. 40, incs. I a III, da Resolução TSE n. 23.553/17. Este Tribunal, em julgamento paradigmático sobre a matéria, firmou o entendimento de que a hipótese atrai a incidência do § 1° do art. 82 da mesma norma, devendo o valor correspondente ser recolhido ao Tesouro Nacional.

3. As falhas constatadas representam 27,53% do total de receitas auferidas, montante substancial apto a prejudicar a transparência e a confiabilidade das contas.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 060278392, ACÓRDÃO de 18/12/2019, Relator(aqwe) GERSON FISCHMANN, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão ) (negrito nosso)

Deste modo, considerando os documentos juntados (ID78733283 e 78733282) e o entendimento jurisprudencial atual, concluo que a apresentação de cheque nominal é suficiente para demonstrar o emprego da verba de forma a afastar a necessidade de recolhimento dos valores ao Erário.

Assim, recebo os embargos como pedido de retratação, e acolho parcialmente o pedido para excluir a necessidade de recolhimento da quantia de R$ 484,50 (quatrocentos oitenta e quatro reais e cinquenta centavos) ao Erário, mantenho, contudo, os demais termos da sentença.

Como se vê, a magistrada citou acórdão de minha relatoria e afastou a determinação de recolhimento do valor ao erário, sem atentar para o fato de que, para o pleito de 2018, a normatização eleitoral não exigia que o cheque nominal fosse, também, cruzado.

Para as eleições de 2020 e seguintes o TSE regulamentou as contas de campanha obrigando a circulação dos valores por conta bancária, passando a exigir a emissão de cheque nominal cruzado para pagamento de despesas, quando deveria ter sido mantida a determinação de recolhimento, na esteira da mais atualizada jurisprudência desta Corte, adotada sob a égide da Resolução TSE n. 23.607/19:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. MAJORITÁRIA. DESAPROVAÇÃO. DESPESAS PAGAS COM CHEQUES NÃO CRUZADOS. ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DOCUMENTAÇÃO CARREADA PELOS RECORRENTES INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR O DESTINO REAL DOS RECURSOS. VALOR EXPRESSIVO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA SEM DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas dos recorrentes, referentes às eleições municipais de 2020 para os cargos de prefeito e de vice-prefeito, devido ao pagamento de despesas de elevada importância mediante emissão de cheques que não foram cruzados, sem, contudo, determinar o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

2. Os pagamentos das despesas de campanha, via cártula, nos termos do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, só podem ser efetuados por meio de cheque nominal cruzado, o que não foi atendido pelos prestadores. Falha grave, visto que sua emissão, em forma distinta da autorizada pela legislação, inviabiliza o rastreamento dos valores por esta Justiça Eleitoral.

3. Acervo probatório insuficiente a corroborar a tese recursal de que o montante foi pago a militantes sem conta bancária, visto que, no rol de destinatários dos cheques, constam, inclusive, pessoas jurídicas. O montante irregular representa 49,22% do total auferido em campanha, percentual expressivo que afasta a possibilidade de aprovação das contas com ressalvas. Manutenção da sentença que desaprovou as contas. Considerando que o juízo a quo deixou de fixar sanção, descabe tratar-se nesta instância da determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

4. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 0600292-60, ACÓRDÃO de 22/06/2021, de minha relatoria. Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico)

 

Com essas considerações, levando-se em conta que a determinação de recolhimento foi afastada, descabe rever a decisão em face de o recurso ter sido interposto somente pela candidata, e não pelo órgão ministerial.

Especificamente quanto ao pedido de aprovação das contas com ressalvas, observa-se que a irregularidade de R$ 484,50 representa 51,1% das receitas declaradas (R$ 948,04), percentual superior ao limite de 10% sobre a movimentação, mas com quantia inferior ao patamar de R$ 1.064,10, que a disciplina normativa entende como módico.

Destarte, o recurso comporta provimento por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, em seus sentidos amplo e estrito, para a reforma da sentença de desaprovação das contas.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso para reformar a sentença e aprovar as contas com ressalvas, nos termos da fundamentação.