REl - 0600157-89.2020.6.21.0078 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/11/2021 às 14:00

OTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo magistrado a quo com fundamento na identificação de três irregularidades, assim sintetizadas na sentença:

1) Os recursos próprios aplicados na campanha superam em R$ 1.599,98 (Um mil, quinhentos e noventa e nove reais e noventa e oito centavos) o valor do patrimônio declarado por ocasião do registro de candidatura; 2) Após o cruzamento dos dados do SPCE com a base de dados do CADÚNICO, realizado em 21/12/2020, foi identificado o recebimento DIRETO de doação de Katiuci Farias de Avila, CPF: 034.005.390-19, no valor de R$ 400,00 (Quatrocentos reais), bem como de Rosângela T Rodrigues, CPF: 670.440.770-72, no valor de R$ 878,20 (Oitocentos e setenta e oito reais e vinte centavos), as quais estão inscritas no programa social do governo federal “auxílio emergencial”; 3) Após o cruzamento de dados do SPCE com a base de dados da Receita Federal, CADÚNICO e da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho, realizada em 21/12/2020, foi identificada a realização de despesas com o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) junto a fornecedores, cujos sócios ou administradores encontram-se inscritos no programa social “auxílio emergencial”, no montante total de R$ 999,00 (Novecentos e noventa e nove reais).

 

Passo à análise individualizada de cada apontamento.

1. Dos recursos próprios aplicados em campanha que superam o patrimônio declarado no registro de candidatura.

Primeiramente, o órgão técnico de análise verificou que o total de recursos próprios aplicados em campanha (R$ 1.600,00) supera o patrimônio declarado pelo candidato em seu registro de candidatura (R$ 0,02), resultando em uma diferença de R$ 1.599,98 (ID 20463383).

Diante disso, o Juízo sentenciante entendeu que “a utilização de ‘recursos próprios’ em valores que superam o montante patrimonial declarado por ocasião do registro de candidatura configura aporte de recursos de origem não identificada”.

No entanto, a utilização de recursos próprios em espécie no financiamento da campanha eleitoral não está adstrita ao que constou declarado por ocasião do registro de candidatura, sendo admitida a obtenção de outros rendimentos, inclusive após o requerimento de registro, pois o patrimônio informado em dado momento não se confunde com a capacidade econômica dos candidatos, que é dinâmica e se relaciona aos rendimentos auferidos ao longo do tempo.

Nesse sentido, acosto o seguinte precedente:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. VALOR MÓDICO DA INCONSISTÊNCIA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DESPROVIMENTO.

1. Agravo interno contra decisão que negou seguimento a recurso especial eleitoral, mantendo aprovadas com ressalvas as contas de campanha referentes às Eleições 2016.

2. Hipótese em que o TRE/CE aprovou com ressalvas as contas de campanha do recorrido, candidato ao cargo de vereador nas Eleições 2016.

3. O acórdão regional alinha-se à jurisprudência desta Corte no sentido de que o patrimônio do candidato, declarado no momento do registro da candidatura, não se confunde com a sua situação financeira ou capacidade econômica, que é dinâmica e se relaciona aos rendimentos auferidos. Precedentes.

4. No caso, o TRE/CE assentou que, a despeito da declaração de ausência de bens por ocasião do registro de candidatura, é razoável concluir que a atividade de agricultora declarada pelo candidato justifique a aplicação em campanha de recursos próprios na ordem de R$ 1.153,72.

5. Desse modo, o acórdão consignou não se tratar de receita de origem não identificada ou de fonte vedada.

6. Além disso, o montante de recursos próprios utilizados na campanha é muito inferior ao teto de gastos estabelecido pelo TSE para o cargo pretendido (R$ 10.803,91).

7. A jurisprudência desta Corte inclina-se no sentido de que irregularidades em valores módicos, sem evidência de má-fé do prestador e que não prejudiquem a correta análise das contas pela Justiça Eleitoral, ensejam a sua aprovação com ressalvas. Precedentes.

8. A modificação da conclusão do TRE/CE quanto à ausência de gravidade da falha apontada exigiria o revolvimento do acervo fático-probatório constante dos autos, vedado nesta instância especial (Súmula nº 24/TSE).

9. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 73230, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 27, Data: 07.2.2020, pp. 31/32.) (Grifei.)

 

Nessa linha, a jurisprudência consolidou o entendimento no sentido de que a utilização de recursos financeiros próprios em campanha em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não é motivo suficiente para, de per si, desaprovar as contas, quando compatível com a realidade financeira de candidato, inclusive com a ocupação declarada, consoante ilustra o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVAÇÃO. USO DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS EM CAMPANHA EM MONTANTE SUPERIOR AO PATRIMÔNIO DECLARADO. COMPATIBILIDADE. REALIDADE FINANCEIRA E OCUPAÇÃO DO CANDIDATO. VALOR ÍNFIMO. DESPROVIMENTO.

1. O uso de recursos financeiros próprios em campanha em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não é motivo suficiente, por si só, para desaprovar contas, quando compatível com a realidade financeira de candidato que declara sua ocupação. Precedentes.

2. No caso dos autos, embora o TRE/CE tenha assentado a existência de outras irregularidades que ensejaram a rejeição do ajuste contábil, consignou, especificamente quanto ao tema, que a renda mensal do candidato, declarada no valor de R$ 2.000,00, possibilitou a doação de recursos próprios no montante de R$ 2.500,00, e que a hipótese não cuida de recursos de origem não identificada.

3. Concluir em sentido diverso demandaria reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 35885, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 61, Data: 29.3.2019, pp. 64-65.) (Grifei.)

 

Assim, exige-se tão somente que o valor manejado de recursos próprios seja compatível com os rendimentos globais do prestador e que a arrecadação observe o limite estabelecido pelo art. 23, § 2º-A, da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 23. (…).

[…].

§ 2º-A.  O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer. (Incluído pela Lei nº 13.878, de 2019)

 

Na hipótese, o recorrente acostou a Declaração de Imposto de Renda do exercício de 2020, na qual se constata ter recebido, naquele ano, rendimentos tributáveis totais de R$ 70.240,89, integralmente oriundos da Câmara Municipal de Piratini, na qual ocupava o cargo de vereador (ID 20463983, fls. 05-13).

Assinalo, ainda, que o exercício do mandato de vereador constou informado no requerimento de registro de candidatura apresentado pelo candidato, consoante se verifica nos autos do respectivo processo (RRC n. 0600063-44.2020.6.21.0078).

Portanto, o documento demonstra que o prestador de contas detinha lastro financeiro compatível com a doação de R$ 1.599,98 realizada em prol de sua campanha.

Outrossim, das informações publicadas no sítio de divulgação de candidaturas e contas eleitorais do TSE (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87955/210000660441), observa-se que o limite legal de gastos para cargo em questão no Município de Piratini restou consolidado em R$ 19.065,18, o que autoriza o recorrente a destinar até R$ 1.906,51 de seu próprio patrimônio para a campanha.

Dessa forma, tendo em vista que o candidato exerce atividade com proventos compatíveis com a doação realizada e providenciou documentação apta a esclarecer a origem dos recursos declarados, em harmonia com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, entendo pelo afastamento da irregularidade e da determinação de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional.

 

2. Das despesas com o FEFC junto a fornecedores, cujos sócios ou administradores encontram-se inscritos no programa social “auxílio emergencial”.

Por sequência, relatou o órgão técnico que, mediante a integração do módulo de análise do SPCE e das bases de dados da Receita Federal do Brasil, do CADÚNICO e da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho, realizado em 21.12.2020, identificou-se a realização de despesas com o FEFC junto a fornecedores, cujos sócios ou administradores estão inscritos em programas sociais do Governo Federal, tendo sido beneficiários do “auxílio emergencial”, conforme a tabela inscrita no ID 20463383 (item 2).

Nessa medida, concluiu o nobre juízo recorrido pela inexistência de demonstração idônea da destinação das receitas, pois “a ausência de comprovação da capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado caracteriza, a meu sentir, utilização indevida de recursos públicos, que no caso representa R$ 999,00”.

Por seu turno, assevera o recorrente que, no momento da contração, não havia nenhum impeditivo sobre a capacidade produtiva da gráfica, tanto que o material foi entregue nas condições contratadas. Ademais, sustenta que a condição dos proprietários da empresa de beneficiários de programas assistenciais “foge da esfera de verificação do candidato”.

Na hipótese, entendo que prosperam as razões recursais, uma vez que não há indícios de ausência de capacidade operacional da gráfica contratada, muito menos de omissão quanto à identificação dos verdadeiros fornecedores de campanha.

Outrossim, o art. 2º, inc. VI, al. “a”, da Lei n. 13.982/20 expressamente prevê a concessão de auxílio emergencial ao trabalhador que exerça atividade na condição de microempreendedor individual, o que não afeta a sua capacidade para a prestação do serviço ou fornecimento do bem.

Com efeito, eventual hipossuficiência econômica dos sócios ou administradores, ainda que pudesse ser admitida a partir da prova dos autos, não induz à presunção de incapacidade operacional da empresa, que ostenta atividade e patrimônio distintos e autônomos em relação às pessoas físicas daqueles.

Com esse entendimento, colaciono o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESCUMPRIMENTO DO PRAZO DE ENTREGA DOS RELATÓRIOS FINANCEIROS DE CAMPANHA. CONFIGURADA MERA FALHA FORMAL, INCAPAZ DE AFETAR A CONFIABILIDADE DOS REGISTROS CONTÁBEIS. REALIZAÇÃO DE DESPESAS JUNTO A FORNECEDORES, CUJOS SÓCIOS OU ADMINISTRADORES ESTÃO INSCRITOS NO PROGRAMA DE AUXÍLIO EMERGENCIAL. AFASTADA A IRREGULARIDADE. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES E REALIZAÇÃO DE GASTOS NÃO INFORMADOS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL. DESPESA POSTERIORMENTE DECLARADA NAS CONTAS FINAIS. FALHAS DE PEQUENA GRAVIDADE. VALOR REDUZIDO DAS IMPROPRIEDADES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

[...].

3. Realização de despesas contratadas com fornecedores cujos sócios ou administradores estão inscritos em programas sociais, o que poderia indicar ausência de capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado. Entretanto, a Lei n. 14.020/20 (que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda) não exige falência da pessoa jurídica para que seus sócios recebam benefício emergencial. Logo, uma empresa pode estar com dificuldades financeiras, em virtude da pandemia, mas operando. Ademais, trata-se de pagamentos realizados a microempreendedor individual (MEI) e microempresas (ME). O art. 2o, inc. VI, al. “a”, da Lei n. 13.982/20 expressamente prevê a concessão de auxílio emergencial ao trabalhador que exerça atividade na condição de microempreendedor individual, o que não afeta a capacidade para a prestação do serviço ou fornecimento do bem. Assim, considerando que as despesas se encontram suficientemente demonstradas, inexiste inconsistência, devendo ser afastada a irregularidade.

[...].

7. Parcial provimento.

(TRE-RS; REl 0600350-86.2020.6.21.0084; Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, sessão de 26.07.2021)

 

Ademais, a despesa restou devidamente comprovada por meio de documentos idôneos quanto à contratação do fornecedor e seu respectivo pagamento, não existindo indicativos mínimos de simulação, fraude ou qualquer outra irregularidade sobre o gasto em questão, impondo-se a reforma também nesse aspecto.

 

3. Do recebimento de doações de pessoas físicas beneficiárias do “auxílio emergencial”.

Finalmente, o parecer técnico conclusivo aferiu, mediante a integração do módulo de análise do SPCE e da base de dados do CADÚNICO, realizada em 21.12.2020, o recebimento direto de doações financeiras realizadas por pessoas físicas inscritas em programas sociais do Governo Federal, conforme a seguinte discriminação (ID 20463383):

- data da apuração: 21.12.2020; recibo eleitoral: 116661387955RS000003E; CPF: 034.005.380-19; nome: KATIUCI FARIAS DE AVILA; valor: R$ 400,00; e

- data da apuração: 21.12.2020; recibo eleitoral:116661387955RS000006E; CPF: 670.440.770-72; nome: ROSANGELA T RODRIGUES; valor: R$ 878,20.

Sobre o ponto, concluiu o magistrado à origem que “a ausência de comprovação da capacidade econômica dos doadores inscritos em programas sociais do governo também configura aporte de recursos de origem não identificada, que no caso somou o montante de R$ 1.278,20, nos termos dos artigos 15, II e 32 da Resolução TSE 23.607/2019” (ID 20463783).

Por sua vez, o recorrente sustenta que “nada impede que o doador e beneficiário tenha acumulado patrimônio no período de 2019 até a concessão do auxílio", bem como que “é inviável que cada candidato saiba se os seus doadores estão inscritos ou não em programas sociais, sob pena de invadir a esfera da vida privada de casa indivíduo”.

Ademais, o prestador de contas acostou, com as razões recursais, os contracheques da doadora Katiuci Farias de Avila, referentes aos meses de agosto de 2020 até janeiro de 2021 (ID 20463983, fls. 14-16), dos quais se deflui que a apoiadora ocupava o cargo de Assessora Especial de Gabinete, na Câmara Municipal de Piratini, percebendo vencimentos mensais líquidos de R$ 2.540,99.

Relativamente ao período anterior, o recorrente juntou termo de estágio e extrato de consulta à bolsa-auxílio, pelos quais Katiuci atuou como estagiária da Prefeitura de Piratini, de 11.6.2018 a 10.6.2020, com retribuição pecuniária de R$ 700,00 mensais (ID 20463983, 17-18).

Igualmente, foram oferecidos extratos bancários da sua conta poupança no Banco do Brasil de todo o ano de 2020, os quais revelam um saldo variando entre o mínimo de R$ 24.783,76 e o máximo de R$ 68.931,89 (ID 20463983, fl. 19-31).

Como se percebe, está demonstrado que a doadora em questão detinha capacidade econômica para a doação eleitoral efetuada, independentemente de eventuais benefícios assistenciais percebidos no período, circunstância suficiente para afastar a caracterização de recebimento de recursos de origem não identificada.

Diante disso, possível fraude no recebimento de auxilio emergencial é circunstância que deve ser apurada pelo órgão competente, na esfera apropriada.

Por sua vez, em relação a Rosângela Teixeira Rodrigues, o recorrente busca demonstrar a capacidade econômica da doadora por meio de ficha financeira referente ao período de janeiro de 2019 a janeiro de 2020, na qual se informa o exercício do cargo de Conselheiro Tutelar até 10.01.2021, com remuneração líquida mensal média de R$ 866,42 (ID 20463983, fl. 32-33).

Destarte, em relação à doadora Rosângela, a prova está limitada ao recebimento de proventos no ano anterior à eleição, em cifras não significativas para se presumir pela acumulação de patrimônio no período.

Dessa forma, como bem pontuou a Procuradoria Regional Eleitora: “A comprovação de receita bruta, referente ao ano de 2019, não afasta a presunção de ausência de capacidade econômica que se extrai do recebimento de auxílio emergencial pela doadora”.

Registro, em acréscimo que, em consulta ao cadastro eleitoral da doadora Rosângela Teixeira Rodrigues, observa-se a filiação comum com o candidato Manoel Osório Teixeira Rodrigues, os quais são, portanto, irmãos.

Nesse aspecto, não desconheço a jurisprudência deste Tribunal em pleitos anteriores, no sentido de que "a prova da capacidade econômica de terceiro doador não pode ser atribuída ao candidato, devendo eventual irregularidade dessa natureza ser apurada em demanda específica, qual seja, em ação de doação acima do limite legal, conforme entendimento firmado por este Tribunal" (TRE-RS - RE n. 30538, Relator: Des. Eleitoral Luciano André Losekann, DEJERS de 15.12.2017).

Entretanto, a proximidade verificada não torna plausível a cogitação de que o recorrente desconhecesse a condição econômica ou ignorasse a qualidade de beneficiária do auxílio emergencial de sua doadora, distinguindo o presente caso do precedente aludido.

Tal proximidade não torna plausível a cogitação de que o recorrente desconhecesse a condição econômica ou ignorasse a qualidade de beneficiária do auxílio emergencial de sua doadora.

Não é igualmente admissível que a doadora, em um contexto de pandemia e crise econômica, recebendo verba assistencial destinada à sua manutenção básica e de sua família, pratique liberalidades financeiras a candidato, de modo que se conclui que os valores foram alcançados por terceiros a fim de viabilizar o crédito em favor da campanha.

Dessa forma, impõe-se a manutenção do mesmo entendimento acolhido à unanimidade por ocasião do julgamento do REl n. 0600596-56, no qual a Corte, diante da ausência de demonstração da aptidão financeira do doador e do parentesco próximo com o candidato, entendeu por confirmar a irregularidade e o dever de recolhimento ao erário do correspondente montante indevidamente utilizado em campanha, com fundamento nos princípios da moralidade e da transparência das contas, preservando, ainda, a finalidade social do benefício, qual seja, garantir a sobrevivência das pessoas que tiveram sua renda reduzida no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia da Covid-19.

Destaco a ementa do referido julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO PROVENIENTE DE PESSOA FÍSICA BENEFICIÁRIA DO AUXÍLIO EMERGENCIAL. PANDEMIA COVID-19. INDÍCIOS CONCRETOS DO CONHECIMENTO E DA ANUÊNCIA DO PRESTADOR. CONFIRMADA A IRREGULARIDADE. PREPONDERÂNCIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE. PRESERVAÇÃO DA FINALIDADE SOCIAL DO BENEFÍCIO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSENTES ESCLARECIMENTOS DA PARTE INTERESSADA. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas referentes às eleições municipais de 2020, em razão do recebimento de doação financeira proveniente de pessoa física beneficiária do auxílio emergencial de que trata o art. 2º da Lei n. 13.982/20, medida assistencial repassada pelo Governo Federal para minimizar os efeitos socioeconômicos decorrentes da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), a evidenciar a ausência de capacidade financeira do doador e a caracterização da doação como recurso de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Apesar de a legislação não prever vedação expressa à doação eleitoral por pessoa física beneficiária de programas sociais, a ausência de provas de que o doador possuía capacidade financeira para o aporte, e a existência de indícios concretos de que o candidato não ignorava a condição de seu apoiador podem caracterizar a doação como recebimento de recursos de origem não identificada. Particularidades do caso concreto o distinguem das hipóteses fáticas de precedentes deste Tribunal, no sentido de que a prova da capacidade econômica de terceiro doador não pode ser atribuída ao candidato, devendo eventual irregularidade dessa natureza ser apurada em demanda específica, sem repercussão na análise da regularidade das contas.

3. Os elementos constantes nos autos são suficientes para que se estabeleça uma relação próxima entre o candidato e seu apoiador, ligação que restou comprovada diante de consulta ao cadastro eleitoral, que indicou se tratar de doação do filho do candidato, não sendo plausível a alegação de que o recorrente desconhecesse a condição econômica ou ignorasse a qualidade de beneficiário do auxílio emergencial de seu doador. Circunstância que impõe o entendimento no sentido de fazer preponderar os princípios da moralidade e da transparência das contas, preservando a finalidade social do benefício, qual seja, garantir a sobrevivência das pessoas que tiveram sua renda reduzida no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia da Covid-19. Não se mostra crível nem verossímil que o doador, em um contexto de pandemia e crise econômica, recebendo verba assistencial destinada à sua manutenção básica e de sua família, pratique liberalidades financeiras a candidato, perfazendo doação em monta superior ao valor mensal da própria prestação assistencial.

4. O contexto dos fatos comprova o modus operandi de contribuições análogas à presente e que marcaram as eleições de 2020 na comunidade do pequeno município, por meio de doações a candidatos feitas por pessoas físicas beneficiárias da verba emergencial da Covid-19. Não merece reparo a sentença no ponto em que reconheceu a irregularidade e caracterizou o valor como recurso de origem não identificada, frente à ausência de esclarecimentos da parte interessada, determinando o recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional.

5. Inviável o juízo de aprovação com ressalvas das contas com base nos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, ainda que a quantia em questão seja diminuta e represente baixa porcentagem da arrecadação total de campanha. A jurisprudência do TSE não admite a aplicação dos aludidos princípios nos processos de prestação de contas quando, a despeito da irrelevância percentual ou nominal dos valores envolvidos, constatarem-se indícios de má-fé do prestador e houver o comprometimento da fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral. Contundentes indicativos de que o prestador se apartou dos deveres de transparência e colaboração no fornecimento de informações à Justiça Eleitoral, incorrendo em irregularidade grave, uma vez que se utilizou, para fins de campanha eleitoral, de verba legalmente destinada ao amparo de pessoas com vulnerabilidade social agravada durante a situação de emergência pública decorrente da pandemia da Covid-19, nos termos da Lei n. 13.982/20. Na hipótese, o prestador não cumpriu a contento o seu dever de informação e transparência na apresentação das contas, deixando, deliberadamente, de oferecer os esclarecimentos requeridos pelo juízo de origem acerca da situação financeira do doador, ou mesmo referir a relação mantida entre ambos.

6. Ademais, a insuficiência dos esclarecimentos sobre a origem dos recursos em questão abre espaço, em tese, para a ocultação de eventual fonte vedada de receitas ou de transgressão aos limites de gastos legalmente impostos aos candidatos, afetando, sobremaneira, o controle sobre a origem dos recursos e o destino dos gastos de campanha exercidos pela Justiça Eleitoral. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

7. Provimento negado.

(REl 0600596-56.2020.6.21.0028, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, sessão de 12.10.2021, unânime.) (Grifei.)

 

Desse modo, deve ser afastada a irregularidade e a condenação do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional somente quanto à doação proveniente de Katiuci Farias de Avila, no montante de R$ 400,00, e mantida a decisão que caracterizou o valor como recursos de origem não identificada e determinou o recolhimento de R$ 878,20 ao Tesouro Nacional em relação à doação de Rosângela Teixeira Rodrigues.

 

Conclusão

Afastados os apontamentos analisados nos tópicos 1 e 2 e parcialmente superadas as irregularidades examinadas no tópico 3, persiste apenas a falha referente ao recebimento de doação advinda de Rosângela, no montante de R$ 878,20, representando 13,57% de todas as receitas de campanha (R$ 6.468,20).

Assim, considerando o valor diminuto da irregularidade e a ausência de má-fé do candidato, que forneceu informações e documentos à Justiça Eleitoral, embora sem sucesso para o acolhimento integral de sua pretensão recursal, tenho que viável a aprovação das contas com ressalvas.

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o somatório das irregularidades se mostra diminuto, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10 (TRE-RS: PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 14.7.2020).

Registro, ainda, que, conforme diretriz jurisprudencial estabelecida nesta Corte para o pleito de 2020, a análise da gravidade da falha está diretamente relacionada ao valor envolvido e ao percentual de impacto sobre a arrecadação, “não importando se os recursos se caracterizam como de origem não identificada, de fonte vedada ou são de natureza pública” (REl 0600329-27.2020.6.21.0047, Redator do acórdão: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, sessão de 10.8.2021).

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas e reduzir o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional para o valor de R$ 878,20.

Ainda, diante da formação da estratégia integrada para o combate a fraudes relacionadas ao recebimento do auxílio emergencial, determino o encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público Federal, nesta capital, para a apuração de eventual prática de ilícito criminal, e autorizo o Ministério Público Eleitoral à extração de cópia do feito para as providências que entender cabíveis em relação a possíveis ilícitos eleitorais.