REl - 0600537-52.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/11/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminarmente, não conheço dos documentos trazidos aos autos pela recorrente, em momento posterior à prolação da sentença, por se tratar de intempestiva retificação das contas apresentadas.

Da leitura do art. 71 da Resolução TSE n. 23.607/19, depreende-se que o momento para apresentação da prestação de contas retificadora deve ser necessariamente anterior ao parecer conclusivo, viabilizando a análise da documentação pela unidade técnica como também pelo órgão julgador. O que não foi o caso dos presentes autos. Ademais, a apresentação de documentos após prolatada a sentença impede sobremaneira uma análise mais minuciosa da documentação oferecida.

Nesse sentido o douto parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Na verdade, trata-se de uma autêntica prestação de contas retificadora, cuja juntada em sede recursal não é admissível por força do art. 71, incs. I e II, da Resolução TSE 23.607/2019, que somente admite como válida a retificação da prestação de contas “I – na hipótese de cumprimento de diligência que implicar a alteração das peças inicialmente apresentadas;” e “II – voluntariamente, na ocorrência de erro material detectado antes do pronunciamento técnico” (grifo acrescido). Portanto, incabível a apreciação dos documentos em tela.

 

Sobre o conhecimento da juntada extemporânea de documentação, colaciona-se julgado de relatoria do Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:

PRESTAÇÃO  DE  CONTAS.  CANDIDATA.  DEPUTADO  FEDERAL. ARRECADAÇÃO  E  DISPÊNDIO  DE  RECURSOS  RELATIVOS  ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. JUNTADA EXTEMPORÂNEA DE DOCUMENTAÇÃO. NÃO CONHECIDA.  APLICAÇÃO  IRREGULAR  DE  RECURSOS ADVINDOS  DO  FUNDO  ESPECIAL  DE  FINANCIAMENTO  DE CAMPANHA.  PORCENTAGEM  EXPRESSIVA.  RECOLHIMENTO  AO ERÁRIO. DESAPROVAÇÃO.

1. Não conhecida a documentação juntada de forma intempestiva, após a apresentação  de  parecer  conclusivo  pelo  órgão  técnico.  Preclusão  da oportunidade de manifestação ou da juntada de novas provas, nos termos do art. 75 da Resolução TSE n. 23.553/17.

2.  Realizados,  na  mesma  data  e  de  forma  fracionada,  depósitos  em dinheiro  na  conta  bancária  de  campanha  da  candidata,  com  valores oriundos  do  Fundo  Especial  de  Financiamento  de  Campanha.  Parte  das despesas correspondentes  envolvem  exclusivamente  a  contratação individual de pessoas físicas para serviços autônomos de distribuição de material de campanha, em que dispensada a emissão de documento fiscal. Nesse  contexto,  os  correspondentes  recibos  de pagamento  devem  ser considerados documentos idôneos à prova dos gastos, na forma facultada pelo § 2º do art. 63 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Remanesce, entretanto, parte do valor sacado sem a  adequada comprovação de seu emprego em gastos eleitorais ou de seu recolhimento ao  Tesouro  Nacional,  por  constituir  resíduo  financeiro  do  FEFC eventualmente não utilizado. Caracterizada a irregularidade na aplicação do recurso público, devendo a quantia correspondente ser recolhida ao erário, conforme propugnado pelo art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 060198194, ACÓRDÃO de 04/11/2019, Relator DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão) (Grifei.)

 

Dessarte, não conheço da documentação juntada após a prolação da sentença.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo juízo a quo devido à constatação do descumprimento dos requisitos encartados no art. 53, inc. II, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, não restando comprovada a despesa eleitoral no valor de R$ 190,00, a identificação de doadores - inviabilizando a aferição da origem dos recursos -, bem como o recolhimento das sobras de campanha ao Tesouro Nacional, contrariando o disposto no art. 50, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença (ID 41362383), em conformidade com o parecer conclusivo (ID 41362183), referiu o seguinte:

Cuida-se de apreciar contas de campanha eleitoral oferecidas por candidata ao cargo de vereadora.

A prestação de contas foi instruída com os documentos arrolados na Resolução TSE n. 23.607/2019 e as peças devidamente assinadas.

A unidade técnica apontou, após a conclusão de todos os exames, a existência das seguintes irregularidade nas contas:

1) Não foi localizado registro no sistema SPCE das despesas de R$ 190,00. Não foi lançado no SPCE e não foi juntado documento fiscal do fornecedor (SPEED INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE BRINDES LTDA) que comprove o regular emprego do valor pago com FEFC, contrariando assim o que dispõe art. 53, II, “c”, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

2) Não consta, nos extratos bancários a identificação de doadores, inviabilizando a aferição da origem dos recursos.

3) Declarou como sobra de campanha o valor de R$ 4.140,00 e não comprovou o recolhimento ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União, contrariando o que dispõe o Art. 50, §5º da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Na linha da promoção do Ministério Público Eleitoral, os apontamentos registrados no parecer conclusivo comprometeram a regularidade das contas.

A candidata, devidamente intimada não procedeu na regularização. Assim, a prestação de contas em análise não observou o disposto na Resolução nº 23.607/19 do TSE, nem o previsto pela Lei 9.504/1997.

As irregularidades são substanciais e fogem do razoável em termos de proporcionalidade, levando em conta o montante dos gastos declarados na campanha.

A importância de R$ 4.140,00 deverá ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019.

 

A recorrente sustenta que trouxe aos autos a documentação pertinente, por meio do oferecimento de prestação de contas retificadora, requerendo a reapreciação da contabilidade. Defende que os apontamentos da unidade técnica constituem impropriedades meramente formais, que não maculam os registros contábeis ao ponto de desaprová-los. Por fim, requer a aprovação das contas ou, subsidiariamente, a minoração da penalidade de recolhimento ao Tesouro Nacional.

Sem razão a recorrente.

Com relação à primeira irregularidade, gasto com recursos do FEFC sem a correspondente comprovação, ante a ausência de documento fiscal do fornecedor, no valor de R$ 190,00 (cento e noventa reais), a sentença deve ser mantida.

Com efeito, o parecer conclusivo (ID 41362183) detalha, além da ausência de comprovação do gasto, irregularidades no pertinente aos lançamentos no sistema SPCE:

Não foi localizado registro no sistema SPCE da despesa acima referida. Ao analisar o extrato bancário verifica-se o pagamento da despesa na data de 04/11/2020, entretanto, também não foi lançado no SPCE, tampouco juntado documento fiscal do fornecedor (SPEED INDUSTRIA E COMERCIO DE BRINDES LTDA) ao processo, que comprove o regular emprego do valor pago com FEFC, contrariando assim o que dispõe art. 53, II, c, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

 

Assim, conforme se vislumbra da análise técnica, a prestadora não se desincumbiu da obrigação de comprovar a idoneidade do gasto eleitoral pago com recursos do FEFC, no valor de R$ 190,00 (cento e noventa reais), mediante juntada de nota fiscal.

No que se refere à segunda irregularidade, verificou-se a ausência de identificação das contrapartes nos extratos bancários, seja em virtude de débitos na conta FEFC sem a comprovação dos gastos na prestação de contas, seja pelo lançamento de gastos na prestação de contas sem a correspondência com a movimentação financeira, o que constitui irregularidade grave.

No ponto, o parecer conclusivo da unidade técnica e o parecer da Procuradoria Regional Eleitora destacam inconsistências em débitos de R$ 5.260,00 (cinco mil, duzentos e sessenta reais) na conta para movimentação dos recursos do FEFC, sem qualquer declaração ou comprovação dos gastos na prestação de contas.

Nessa linha, transcreve-se o recente julgado desta Corte gaúcha para impor a devolução de valores oriundos de verbas públicas ao Tesouro Nacional quando não comprovada a utilização dos recursos ou quando seu uso for indevido:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à ordem de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita a ser modificada na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual estatui que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe analisar se, por um lado, essa conduta conduz, por si só, à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

 4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste Colegiado, assentando, em síntese, que a devolução de valores oriundos de verbas públicas ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses em que não comprovada a utilização dos recursos ou seu uso indevido, comando estabelecido no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques aponta que os beneficiários das cártulas eram pessoas estranhas aos fornecedores identificados, os quais apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser especificados com clareza, articulando elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques, tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a ligação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, e diante da inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n 060046477, ACÓRDÃO de 06/07/2021, Relator DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Relator(a) designado(a) OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifo nosso)

 

Essas incongruências demonstradas nas contas da recorrente, nas palavras do ilustre Procurador, representam “um total descontrole na aplicação de recursos de natureza pública, inviabilizando a sua análise pela Justiça Eleitoral e prejudicando a transparência das contas em sua integralidade”.

In casu, a unidade técnica pontuou a ausência de documentos fiscais que comprovem a regularidade dos gastos eleitorais realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), caracterizando, assim, omissão de despesas eleitorais, contrariando o que dispõe o art. 53, inc. II, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Logo, a consequência para o prestador que omite gastos de sua campanha pagos com dinheiro público é o ressarcimento ao Tesouro Nacional, conforme disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A terceira irregularidade trata da ausência de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores declarados como sobras de campanha, no montante de R$ 4.140,00 (quatro mil, cento e quarenta reais), que, como bem observa a Procuradoria Regional Eleitoral, “indica uma indevida apropriação desses recursos públicos”.

Por derradeiro, a recorrente postula aprovação da prestação de contas sem a aplicação de multa ou, alternativamente, a minoração da penalidade de recolhimento ao Tesouro Nacional. Não merece guarida o requerido.

Primeiro, não é possível a aprovação das contas porque o valor das irregularidades constatadas supera o percentual de 10% utilizado como critério pela Justiça Eleitoral para aprovação das contas com ressalvas, tendo em vista o total de receitas declaradas de R$ 9.998,14 (nove mil, novecentos e noventa e oito reais e quatorze centavos).

Segundo, é incabível o afastamento ou a redução da determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, uma vez que os termos do § 5º do art. 50 da Resolução TSE n. 23.607/19 impõem a sua devolução integral:

§ 5º Os valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) eventualmente não utilizados não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas. (grifei)

 

Diante do exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso de NATACHIA RODRIGUES MARTINS mantendo a desaprovação das contas, assim como a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 4.140,00 (quatro mil, cento e quarenta reais).