REl - 0600237-21.2020.6.21.0121 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

No mérito, a sentença de primeiro grau desaprovou as contas em razão da omissão de despesas no valor de R$ 2.500,00, que representa 142,04% do total das receitas declaradas (R$ 1.760,00), sem que o pagamento tenha transitado pela conta bancária da campanha, o que configura recurso de origem não identificada, passível de sanção na forma do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n 23.607/19.

Irresignado, o recorrente pugna pela aprovação das contas ou, subsidiariamente, aprovação das contas com ressalvas. Alega que não efetuou despesas no estabelecimento comercial apontado na nota fiscal, nem qualquer pagamento à referida pessoa jurídica. Diz que além de a Nota Fiscal n. 4462 ter sido emitida em data posterior à eleição, os bens descritos na nota (70 caixas de cerveja e 10 caixas de Coca-Cola) não possuem relação alguma com os seus gastos eleitorais. Refere que o emissor da nota firmou declaração informando que não efetuou qualquer venda para o CNPJ indicado, apenas gerou a nota fiscal utilizando CNPJ constante em um santinho para dar baixa no seu estoque e gerar a nota. Requer, ao final, a aprovação das contas ou, subsidiariamente, a sua aprovação com ressalvas, afastando-se a condenação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

Tenho que não assiste razão ao recorrente.

Primeiro porque a nota fiscal não foi cancelada ou estornada, conforme disposto no art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Segundo, porque a declaração, supostamente assinada pelo representante legal da empresa (ID 42531633), não veio acompanhada de documentos capazes de comprovar a autenticidade da assinatura do suposto representante da empresa, como, por exemplo, reconhecimento de firma.

Na hipótese, como o recorrente não apresentou justificativa ou comprovação de cancelamento das notas fiscais, não há como afastar a irregularidade, consoante reiterado entendimento deste Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. MAJORITÁRIA. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. OMISSÃO DE DESPESAS COM COMBUSTÍVEL. ACERVO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A ORIGEM DO MONTANTE IRREGULAR. NECESSIDADE DE CANCELAMENTO DE NOTAS FISCAIS. VALOR ABSOLUTO INEXPRESSIVO. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidato ao pleito majoritário, em virtude da utilização de recursos de origem não identificada e omissão do registro de despesas, determinando o recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional.

2. Desnecessário pedido para que o recurso seja recebido no efeito suspensivo, visto que a determinação de recolhimento de valores ao erário fixada na sentença somente pode ser executada após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas, na forma do art. 32, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Inaplicabilidade das disposições contidas na Resolução TSE n. 23.604/14, pois o feito versa sobre escrutínio realizado em 2020, balizado pela Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Omissão de despesas. Emissão de notas fiscais sem que fosse possível verificar a identidade do doador originário dos recursos. Alegado gasto pessoal com combustíveis, no qual, por equívoco, a empresa fornecedora teria lançado nota fiscal com o CNPJ da candidatura quando deveria ter registrado o CPF do recorrente. Entretanto, a documentação anexada não supre a irregularidade, pois não basta a simples declaração do emissor alegando equívoco na elaboração do documento fiscal, sendo necessário o cancelamento da nota. Determinação prevista no art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. A irregularidade considerada como recurso de origem não identificada representa 2,93% do total de receitas movimentadas, além de constituir valor absoluto reduzido, inclusive inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10, considerado módico pela disciplina normativa das contas, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19). Circunstância na qual a jurisprudência do TRE-RS admite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação das contas com ressalvas, ainda que mantida a necessidade de recolhimento da quantia impugnada ao Tesouro Nacional.

5. Provimento parcial.

(REl 0600474-12.2020.6.21.0103, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 01.07.2021.) (Grifei.)

 

Assim, foi bem o magistrado de primeiro grau ao assim consignar na sentença (ID 42531983):

Contudo, foi identificada omissão de despesa, conforme Nota Fiscal Eletrônica enviada à Justiça Eleitoral pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, o que contraria o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019. Há Nota Fiscal Eletrônica emitida contra o CNPJ do candidato no valor de R$ 2.500,00 e cuja descrição de produtos é “Cerveja” e “Coca-Cola”.

Intimado a se manifestar, o candidato afirmou que não efetuou qualquer compra no estabelecimento comercial que emitiu a Nota Fiscal. Juntou declaração do responsável pela emissão da Nota Fiscal, em que este alega que apenas utilizou “os CNPJs constantes dos santinhos de campanha para dar baixa no estoque e gerar a respectiva nota fiscal”.

Contudo, tal declaração não gera o cancelamento ou invalidade do documento fiscal. Descabe nesta seara eleitoral perquirir acerca da falsidade da Nota Fiscal emitida. Não foram trazidos documentos hábeis a permitir conclusão diversa. Assim, uma vez que permanece hígido o citado documento, mantém-se a irregularidade.

A omissão em comento é falha grave e implica desaprovação das contas, nos termos do que preceitua o art. 14 da Resolução TSE n. 23.607/2019, o qual reproduzo:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

Trata-se de Recurso de Origem não Identificada, pois não é possível verificar a origem do valor utilizado para pagar os produtos, já que não transitou pela conta bancária de campanha. Assim, o valor de R$ 2.500,00 está sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e §1º, VI, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Ademais, os gastos em tela não se qualificam como gastos eleitorais, nos termos do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/2019. Ainda, a Nota Fiscal foi emitida em 16/11/2020, após a data final estabelecida para os candidatos contraírem obrigações, nos termos da Resolução TSE n. 23.627/2020.

Por todo o exposto, e diante da verificação de inconsistências graves e insanáveis, que totalizam R$ 2.500,00, ou seja, cerca de 142,05% do total de receitas declaradas, a desaprovação é medida que se impõe, na forma do art. 74, III, da Resolução TSE n. 23.607/2019. Em virtude das inconsistências apontadas, o candidato deverá recolher ao Tesouro Nacional o valor de R$ 2.500,00.

 

Registro, ainda, o bem apontado pelo douto Procurador Regional Eleitoral em seu parecer ID 44855788):

Como justificativa, o interessado alegou que jamais realizou a referida despesa, trazendo, inicialmente, declaração supostamente assinada pelo representante legal da empresa (ID 42531633), em que declara não ter realizado qualquer venda nem recebido valores do candidato, e que o CNPJ teria sido tomado de santinhos de campanha e utilizado apenas para dar baixa em estoque e gerar a respectiva nota fiscal.

Contudo, não foi juntado qualquer documento que comprove a autenticidade da assinatura do suposto representante da empresa, tampouco havendo reconhecimento de firma, providências que se fazem ainda mais necessárias quando se trata de uma declaração em que é confessada a prática de crime de falsidade ideológica.

Ademais, não há notícia de cancelamento ou estorno da nota fiscal emitida, conforme exigido pelo art. 92, § 6º, da Resolução TSE 23.607/2019.

 

Dessa forma, o montante de R$ 2.500,00, omitido na prestação de contas do candidato e adimplido com valores não provenientes de sua conta bancária, deve ser considerado como recurso de origem não identificada, ficando sujeito ao recolhimento ao Tesouro Nacional, por força do art. 32, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A matéria objeto de análise encontra-se disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 32, verbis:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada.

 (…) (Grifo nosso)

 

Da mesma forma, o juízo de desaprovação da contabilidade deve ser mantido, pois as irregularidades consolidam valor absoluto expressivo (R$ 2.500,00) sendo superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Ademais, o valor da falha representa 142,04% do somatório das receitas auferidas para o custeio da campanha (R$ 1.760,00), impedindo a incidência dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade ao efeito de a demonstração contábil ser aprovada, ainda que com ressalvas, por comprometer substancialmente a sua confiabilidade e transparência, na esteira da reiterada jurisprudência do TSE, ilustrada na ementa abaixo colacionada:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. AGRAVO INTERNO TEMPESTIVO. INTIMAÇÃO PESSOAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM APENAS 0,4% DO TOTAL ARRECADADO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PERCENTUAL INEXPRESSIVO NO CONTEXTO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O prazo recursal do Ministério Público inicia–se com a intimação pessoal e não com a publicação da decisão combatida. Precedentes. 2. Na espécie, o TRE/SP, em sede de aclaratórios, reconheceu a prestação de contas retificadora, apresentada de forma intempestiva pelo candidato, apenas para afastar algumas irregularidades e diminuir o valor de outras, mantendo a desaprovação das contas.3. A inexistência de recurso especial eleitoral contra a aceitação de documentos que acompanharam os embargos de declaração e que modificaram a sanção decorrente do julgamento impede que, em sede de agravo interno, essa moldura fática deixe de ser observada. 4. O valor total das irregularidades presentes na prestação de contas do candidato corresponde ao valor total que deve ser recolhido ao erário e à agremiação partidária. 5. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que contenham percentual abaixo de 10% do total da arrecadação, ainda que o valor absoluto seja elevado. Precedentes. 6. Adota–se como balizas, para as prestações de contas de candidatos, o valor máximo de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) como espécie de "tarifação do princípio da insignificância" como valor máximo absoluto entendido como diminuto e, ainda que superado o valor de 1.000 UFIRs, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aquilatar se o valor total das irregularidades não supera 10% do total da arrecadação ou da despesa, permitindo–se, então, a aprovação das contas com ressalvas. 7. No caso dos autos, o diminuto percentual das falhas detectadas (0,40%) – em relação ao valor absoluto arrecadado em campanha – não representa gravidade capaz de macular a regularidade das contas. 8. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 060698914, Acórdão, Relator(a) Min. EDSON FACHIN, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 161, Data: 13/08/2020.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por VALDIR OLAVO LAGEMANN, mantendo a sentença que julgou desaprovadas as suas contas relativas ao pleito de 2020, assim como a ordem de recolhimento da quantia de R$ 2.500,00 ao Tesouro Nacional.

É como voto, senhor Presidente.