PC - 0603486-23.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O PODEMOS do Rio Grande do Sul deixou de prestar contas relativamente às eleições de 2018, e a presente análise foi autuada de ofício, nos termos da legislação de regência.

Inicialmente, trago circunstância que merece relevo, concernente à ausência de colaboração de parte dos dirigentes responsáveis, à época dos fatos, em esclarecer a contabilidade do órgão de direção estadual do PODEMOS do Rio Grande do Sul durante as eleições 2018.

O presente processo foi pautado pela dificuldade de citação e intimação dos dirigentes partidários, com endereços desatualizados e obstáculos de comunicação, no qual, mesmo nas oportunidades em que tais atos processuais lograram êxito (após o empenho de esforço e recursos públicos da Justiça Eleitoral), a regra foi a do silêncio - por exemplo, o dirigente Eduardo Vargas Peliciolli sequer constituiu procurador nos autos, negligência relevante de quem manejou recursos de origem pública e se propõe a atuar no cenário político, em clara desobediência ao dever de colaboração processual, art. 6º do Código de Processo Civil.

De todo modo, desde já alinho-me ao posicionamento externado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, no sentido de que a ausência de procurador do referido dirigente não deve acarretar o juízo de não apresentação das contas, pois as responsabilidades dos dirigentes partidários estão restritas às hipóteses do art. 37, § 13, da Lei n. 9.096/95, as quais não foram indicadas pela Secretaria de Auditoria Interna deste Tribunal e, portanto, sequer em tese haverá prejuízo à análise das questões de fundo da causa.

Analiso, portanto, as irregularidades que compõem o mérito das contas.

1. Ausência de abertura de conta bancária específica para as eleições.

A Secretaria de Auditoria Interna identificou a não abertura de conta bancária específica de campanha eleitoral, ponto em que a d. Procuradoria Regional Eleitoral pugna pela desaprovação das contas com suporte nos arts. 7º, caput e § 2º, e 48, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Entendo, contudo, que a prestação de contas sob exame há de ser analisada sob o esquadro normativo da Resolução TSE n. 23.553/17, que vigorava ao tempo das eleições de 2018, ainda que o resultado prático seja o mesmo, tratando-se de eleições gerais e de órgão de direção estadual, pois esta Corte assentou entendimento tolerante, no sentido do afastamento da desaprovação das contas em casos que não houve a abertura de conta bancária.

Sublinho, contudo, que o posicionamento há de ser aplicado somente no caso de diretórios municipais em eleições gerais, ante o claro distanciamento dessa esfera partidária com os cargos em disputa. Nesse norte, os seguintes precedentes:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. AUSENTE CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA DE CAMPANHA. SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. ESFERA PARTIDÁRIA DE ÂMBITO DISTINTO DAQUELE EM QUE REALIZADAS AS ELEIÇÕES. AUSÊNCIA DE INDÍCIO DE PARTICIPAÇÃO NO PLEITO. IMPROPRIEDADE FORMAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO. 1. A agremiação atendeu ao comando de apresentação de suas contas eleitorais e declarou não ter movimentado recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro voltados às eleições de 2018. No entanto, não observou a regra do art. 10 da Resolução TSE n. 23.553/17, que exige a abertura de conta bancária específica de campanha, destinada ao registro de movimentação financeira. 2. A regra que determina a abertura de conta bancária há de ser interpretada com equidade e sofrer temperamento em situações como a dos autos. No caso, tratando-se de esfera partidária de âmbito distinto daquele em que realizadas as eleições, e não havendo indícios mínimos de participação da grei na eleição, mostra-se razoável concluir que não houve movimentação de valores para o pleito. 3. Diante das peculiaridades do caso concreto, a inexistência de conta bancária constitui-se em impropriedade formal, não ensejando a desaprovação das contas do órgão partidário. 4. Provimento. Aprovação com ressalvas. (TRE-RS - RE: 6778 ESTÂNCIA VELHA - RS, Relator: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 01/07/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 122, Data: 05/07/2019, Página 3.) 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. PARTIDO POLÍTICO. ÓRGÃO MUNICIPAL. ELEIÇÕES 2018. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA. AGREMIAÇÃO SEM PARTICIPAÇÃO NO PLEITO. IMPROPRIEDADE DE NATUREZA FORMAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO. Apesar da omissão do partido político na abertura de conta bancária para movimentação de recursos da campanha, contrariando o disposto no art. 10 da Resolução TSE n. 23.553/17, este Tribunal tem decidido interpretar com equidade e temperamento a aludida regra nos casos como o dos presentes autos, entendendo que a impropriedade não compromete a confiabilidade da prestação de contas. Inexistência de movimentação financeira justificada pela não participação da grei na campanha eleitoral, uma vez que se trata de diretório municipal e as contas referem-se às eleições gerais de 2018. Provimento. Aprovação com ressalvas. (TRE-RS - RE: 7385 ESTÂNCIA VELHA - RS, Relator: ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO, Data de Julgamento: 13/08/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 152, Data: 16/08/2019, Página 8.) 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. ELEIÇÕES 2018. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA. IMPROPRIEDADE FORMAL. AGREMIAÇÃO SEM PARTICIPAÇÃO NO PLEITO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO. 1. A Resolução TSE n. 23.553/17 prevê a obrigatoriedade de os órgãos partidários municipais prestarem contas à Justiça Eleitoral acerca da arrecadação e dos gastos nas eleições, prescrevendo que a ausência de movimentação de recursos não os isenta de tal dever. Nesse sentido, o art. 10 da norma determina que é dever da agremiação abrir conta bancária específica, independente de auferir receitas e realizar despesas relacionadas à campanha eleitoral. 2. A agremiação atendeu ao comando de apresentar suas contas eleitorais, declarando, de maneira verossímil, não ter arrecadado ou aplicado recursos em prol de uma campanha eleitoral que transcende a seus interesses imediatos. A regra que determina a abertura de conta bancária há de ser interpretada com equidade e sofrer temperamento em situações como a dos autos. 3. Plausível a alegação de que o partido municipal não se envolveu no certame voltado ao preenchimento de cargos eletivos estaduais e federais e que, dadas as peculiaridades deste caso, a inexistência de conta bancária constitui-se em impropriedade formal, não ensejando a desaprovação das contas do órgão partidário. 4. Provimento. Aprovação com ressalvas. (TRE-RS - RE: 7665 HULHA NEGRA - RS, Relator: GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Data de Julgamento: 11/06/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 106, Data: 12/06/2019, Página 8.) 

Ou seja, por não se tratar de diretório municipal, mas sim de diretório regional, deve ser mantida a gravidade da falha, apta a ensejar a desaprovação das contas, nos termos do art. 48, inc. II, al. "b", e § 11, da Resolução TSE n. 23.553/17, e do art. 10, caput e § 2º, do mesmo diploma normativo, os quais determinam que as agremiações devem abrir conta bancária específica, independentemente da circunstância de auferir receita e realizar despesas relacionadas à campanha eleitoral, litteris:

Art. 48. Devem prestar contas à Justiça Eleitoral: I - o candidato; II - os órgãos partidários, ainda que constituídos sob forma provisória: a) nacionais; b) estaduais; c) distritais; e d) municipais. (...) § 11. A ausência de movimentação de recursos de campanha, financeiros ou estimáveis em dinheiro, não isenta o partido político e o candidato do dever de prestar contas na forma estabelecida nesta resolução. (…)

Art. 10. É obrigatória para os partidos políticos e os candidatos a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil. (...). § 2º A obrigação prevista neste artigo deve ser cumprida pelos partidos políticos e pelos candidatos, mesmo que não ocorra arrecadação e/ou movimentação de recursos financeiros, observado o disposto no § 4º.

Em resumo: a falha é grave por si só.

2. Omissão de gasto eleitoral.

O segundo apontamento consubstancia omissão de despesa em desobediência à determinação contida no art. 56, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.553/17,  referente à NFS-e n. 3, emitida contra o CNPJ do PODEMOS (11.036.509/0001-00) na data de 28.8.2018 e no valor de R$ 1.000,00, por Ricardo Ludgero Rodrigues dos Santos, tendo por objeto a “prestação de serviços contábeis” (Id 5652633, fl. 4).

Quanto a esse apontamento, o órgão técnico encontrou correlação ao serviço de confecção da prestação de contas anual da agremiação no exercício 2017, realizado pelo profissional Ricardo Ludgero em 2018 (conforme emissão datada, 28.8.2018) para apresentação ao TRE-RS naquele ano.

Em diligência, a Procuradoria Regional Eleitoral identificou o processo n. 0600278-94.20196.21.0000, no bojo do qual a despesa sob exame também foi omitida, e opina que naqueles autos há de ser examinada a questão.

De fato.

A gravidade da irregularidade, capaz de acarretar multa e suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, deve ser abordada nos autos do exercício financeiro correspondente, e não em sede de prestação de contas relativa às eleições, razão pela qual o apontamento deve ser afastado.

3. Omissão de gasto eleitoral.

A terceira irregularidade igualmente é caracterizada por omissão de despesa referente à nota fiscal, aqui de  n. 2019/101, emitida contra o CNPJ do PODEMOS na data de 25.11.2019 e no valor de R$ 2.600,00, por Centeno & Mendes Assessoria Contábil Ltda., tendo por objeto “prestação de serviços de regularização junto à Receita Federal – R$ 1.000,00”, bem como  “Prestação de serviços contábeis no mês de novembro de 2019 – R$ 1.600,00”.

Observo que o contrato de prestação de serviços tem como objeto a “prestação de serviços de consultoria contábil para o Diretório Regional/RS e o Diretório Municipal de Porto Alegre, compreendendo a elaboração da escrituração contábil, fiscal e assessoria” (cláusula primeira).

No relativo ao conjunto probatório do presente item, transcrevo elucidativo trecho do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Em que pese o contrato tenha sido subscrito em novembro de 2019 e a nota fiscal emitida no mesmo mês e ano – ou seja, após as eleições 2018 – necessário pontuar que a presente prestação de contas foi autuada de ofício pelo TRE-RS diante da omissão da agremiação partidária em prestar contas no prazo próprio.

Logo, ainda que contrato de prestação de serviços e a nota fiscal datem de novembro de 2019, podem referir-se aos serviços contábeis realizados para a regularização da presente prestação de contas, conforme apontado pela SCI/TRERS. Ocorre que, de acordo com a SCI/TRE-RS, “não foi esclarecido pela agremiação ou pela profissional de contabilidade como essa despesa foi quitada pelo partido. Entretanto, o pagamento da fornecedora será acompanhado quando da apresentação das contas do diretório estadual do PODE, referente ao exercício 2019, que deverá ocorrer até 30 de junho de 2020”.

Em consulta ao Pje, apurou-se que o PODE-RS deixou de apresentar contas do exercício de 2019, tendo o TRE-RS determinado autuação de ofício, que recebeu o n. 0600004-62.2021.6.21.0000. Até o presente momento, a agremiação partidária não declarou a despesa referente à NFS-e n. 2019/101, emitida em 25.11.2019, no valor de R$ 2.600,00, por Centeno & Mendes Assessoria Contábil Ltda.

Todavia, conforme observado pela SCI/TRE-RS, a questão pode ser acompanhada na prestação de contas do exercício de 2019, até porque a despesa foi realizada no referido ano, conforme atesta o contrato de prestação de serviços e a nota fiscal emitida. Logo, o apontamento em questão não deve ser objeto de análise nas presentes cotas, mas sim na prestação de contas do exercício de 2019, como, inclusive, já está ciente a unidade técnica.

Irretocável.

Novamente, a questão diz respeito diretamente a exercício financeiro, devendo portanto ser analisada no processo de prestação de contas específico - aliás, conforme identificado pelo órgão técnico, o PODEMOS do Rio Grande do Sul igualmente se omitiu do dever constitucional de prestar contas, art. 17 da Constituição Federal, quanto ao exercício financeiro do ano de 2019.

Sanções.

Ainda que se trate de única falha remanescente, a não abertura de conta bancária importa em descumprimento de normas relativas à arrecadação e à aplicação de recurso, conduzindo à sanção de perda do direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, de forma proporcional, nos termos do art. 25 da Lei n. 9.504/97:

Art 25. O partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e aplicação de recursos fixadas nesta Lei perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do poder econômico. Parágrafo único. A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação total ou parcial da prestação de contas do candidato, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por meio do desconto, do valor a ser repassado, na importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação.

Nesse norte, precedente deste Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. PARTIDO POLÍTICO. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. NÃO ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA. ART. 7º, § 2º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. INCONSISTÊNCIA GRAVE. DESPROVIMENTO. A abertura da conta bancária de campanha é obrigatória, ainda que não ocorra movimentação financeira. Meio idôneo para comprovar a eventual inexistência de arrecadação de recursos. A ausência da conta bancária de campanha e dos respectivos extratos constitui irregularidade grave, que impede o efetivo controle das contas. Manutenção da sentença de desaprovação. Provimento negado. (RE 85-51.2017.6.21.0113, Rel. Des. Eleitoral Luciano André Losekann, julgado em 18 de julho de 2018.)

Dessa forma, entendo por julgar desaprovadas as contas, nos termos do art. 77, inc. III, e pela determinação de suspensão de repasses do Fundo Partidário, conforme o art. 77, § 4º, ambos da Resolução TSE n. 23.553/17.

No concernente à dosimetria do período de suspensão de repasses do Fundo Partidário, art. 77, § 6º, da Resolução TSE n. 23.553/17, entendo proporcional e razoável a fixação de 3 (três) meses de prazo, considerada a gravidade da falha e as circunstâncias do caso concreto, que incluíram a inicial omissão do PODEMOS do Rio Grande do Sul. 

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas do PODEMOS do Rio Grande do Sul relativas às eleições de 2018, e pela suspensão de repasse de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 3 (três) meses.