REl - 0600426-13.2020.6.21.0084 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2021 às 14:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargos de prefeito e vice, LUIZ CARLOS COUTINHO GARCEZ e EDUARDO PECKER SIMCHEN, respectivamente, no Município de Tapes/RS.

Consta que a sentença desaprovou as contas dos candidatos em razão da existência de recebimento de recursos de origem não identificada e omissão de receitas ou gastos eleitorais, infringindo o disposto no art. 3º, inc. I, al. "c"; art. 8º, § 1º, incs. I e II; art. 32, § 1º,  inc. I, §§ 2º e 7º; art. 35, § 6º, al. "a", c/c § 11, inc. II, al. "a"; art. 39, inc. III, c/c art. 40 e art. 53, inc. I, al. “g” e inc. II, al. “a”, todos da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 41395933):

A obrigação de prestação contas à Justiça Eleitoral decorre de comando previsto no art. 17, III, da Constituição Federal, sendo tratada pelo legislador na Lei 9.096/1995 e, mais especificamente em relação às contas das campanhas eleitorais, na Lei 9.504/97, além de restar regulamentada nas Resoluções expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

A Resolução TSE n. 23.607/2019, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições de 2020, determina no art. 65 que as contas serão analisadas de forma informatizada, com o objetivo de detectar:

I - recebimento direto ou indireto de fontes vedadas;

II - recebimento de recursos de origem não identificada;

III - extrapolação de limite de gastos;

IV - omissão de receitas e gastos eleitorais;

V - não identificação de doadores originários, nas doações recebidas de outros prestadores de contas.

Da análise dos autos, verifica-se que nas presentes contas restaram identificados os requisitos II e IV acima indicado, mesmo após realização de diligências.

No mérito das contas, com apoio do exame exarado pela Unidade Técnica e tendo como balizas de análise os incisos I a V do art. 65, constata-se a existência de recebimento de recursos de origem não identificada e omissão de receitas ou gastos eleitorais, infringindo o disposto no art. 3º, I, c, art. 8º, § 1º, I e II, art. 32, § 1º, I, §§ 2º e 7º, art. 35, § 6º, "a" c/c § 11, II, “a”, art. 39, III c/c art. 40 e art. 53, I, “g” e II, “a”, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Desse modo, havendo irregularidades que comprometam a regularidade, a lisura e a transparência da prestação de contas, sua desaprovação é medida que se impõe.

 

A primeira irregularidade trata do recebimento de recursos de origem não identificada no valor de R$ 127,20 (art. 32, § 1º, inc. I e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Em relação aos 4 depósitos (R$ 20,00, 45,85, 11,00 e 50,35), apontados com a inconsistência de “CPF não informado” no parecer conclusivo (ID 41395733), examinando o site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89257/210000878579/extratos, acesso em 29.9.2021, constato que há a identificação do doador ARI JORGE PACHECO DA SILVA, com o CPF n. 186.463.950-49, no extrato bancário.

Dessa forma, tenho por sanada a irregularidade.

Em relação à segunda irregularidade apontada, ou seja, ausência de capacidade financeira do doador, o que, por via de consequência, configura recebimento de recursos de origem não identificada (art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19), merece reforma a sentença.

O parecer conclusivo (ID 41395733) apontou doações irregulares por parte de ARI JORGE PACHECO DA SILVA, no valor total de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), pois o doador encontra-se desempregado há mais de 120 dias, de acordo com análise do SPCE e da base de dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), o que evidenciaria ausência de capacidade financeira.

Entretanto, a presente irregularidade deve ser afastada, na esteira da manifestação do ilustre Procurador Regional Eleitoral: “a simples presença do nome do doador no CAGED, sem maiores diligências (oitiva do doador, p. ex.), não importa em prova da ausência de capacidade econômica, diante da possibilidade de possuir outras fontes de renda, conforme já decidiu essa egrégia Corte (602580-33.2018.621.0000)”.

Quanto à terceira irregularidade, despesas junto a fornecedores, cujo sócio ou administrador está inscrito em programa social, afasto a falta por entender que a simples inscrição em programas sociais não indica necessariamente a ausência de capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado.

Nesse sentido, recente julgado desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA DE BENS NO REGISTRO DE CANDIDATURA. APLICAÇÃO DE RECEITA PRÓPRIA NA CAMPANHA. JUNTADOS AO RECURSO DOCUMENTOS QUE COMPROVAM A EXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO E RENDA. PAGAMENTO DE DESPESA À EMPRESA CUJA PROPRIETÁRIA ERA BENEFICIÁRIA DO AUXÍLIO EMERGENCIAL. PANDEMIA. NOVO CORONAVÍRUS. PREVISÃO LEGAL. AFASTADA A IRREGULARIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas referentes às eleições municipais de 2020 para o cargo de vereador, em virtude da declaração de ausência de bens no requerimento de registro de candidatura, mas posterior aplicação de recursos próprios na campanha e pagamento de despesa a empresa cuja proprietária recebera auxílio emergencial do Governo Federal em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus.

2. Juntados ao recurso documentos que comprovam a existência de patrimônio, consistentes na prova de que, durante a campanha, o prestador recebeu indenização decorrente de rescisão de contrato de trabalho e da Declaração de Imposto de Renda do Ano-calendário de 2020, que atesta a existência de renda naquele ano. Embora este Tribunal tenha o entendimento de que, em processos de prestação de contas de campanha, os documentos simples juntados somente em grau recursal podem ser conhecidos, desde que sua análise não demande exame técnico contábil e possa ser realizada de plano e icto oculi pelo julgador, sem necessidade de reabertura da instrução, é certo que a documentação deveria ter sido apresentada de forma tempestiva durante a tramitação das contas no primeiro grau. Sanada a falha nesta instância recursal.

3. Afastada a irregularidade quanto à realização de despesas com fornecedor supostamente carente de capacidade econômica. Gasto contratado com beneficiária de auxílio emergencial do Governo Federal, tratando-se de pagamento efetuado a microempreendedor individual (MEI), atividade em que a concessão do benefício é expressamente autorizada pelo art. 2º, inc. VI, al. "a", da Lei n. 13.982/20.

4. Provimento. Aprovação das contas.

(REl 0600350-86.2020.6.21.0084, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 23.07.2021.)

 

Ademais, como concluiu a Procuradoria Regional Eleitoral, a Lei n. 14.020/20 (que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda) não exige falência da pessoa jurídica para que seus sócios recebam benefício emergencial, bastando que a empresa esteja em dificuldade financeira.

É nesse sentido o ilustre parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Assim, não nos parece que o fato do sócio da empresa ter recebido o auxílio emergencial importa em ausência de capacidade operacional, de modo a impedir a atividade da sociedade comercial. Diante disso, entendemos regular tal despesa.

 

No tocante à quarta irregularidade, ou seja, omissão de receitas e gastos eleitorais, deve ser mantida a sentença.

Com efeito, não houve esclarecimento quanto à situação de nota fiscal emitida contra o CNPJ da campanha, não declarada, no valor de R$ 450,00 referente a despesas com serviços online do Facebook.

No que se refere à quinta irregularidade, abertura de conta específica fora do prazo (art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19), cuida-se de simples digressão cronológica: a conta bancária específica foi aberta em 30.10.2020 (ID 41395733) e o candidato arrecadou recursos no valor de R$ 250,00 (duzentos reais), em 27.9.2020. Ou seja, houve arrecadação de recursos antes da abertura da conta bancária específica, de maneira a comprometer a regularidade, a confiabilidade e a transparência das contas.

No que atine à sexta irregularidade, ocorrência de diversas receitas e despesas declaradas no SPCE e ausentes nos extratos bancários, bem como depósitos constantes nos extratos e não declaradas no SPCE, não merece reforma a sentença nesse ponto.

Verifica-se que o exame preliminar (ID 41394383) apontou no item 4.2.1 três depósitos no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) constantes nos extratos e não declarados no SPCE. Também foram listados nos itens 4.2.2 e 4.2.3 diversas receitas e despesas declaradas no SPCE e ausentes nos extratos bancários. Irregularidades que permaneceram no parecer conclusivo (ID 41395733) e que não foram aclaradas de forma satisfatória no curso do processo.

Por fim, quanto à sétima irregularidade, realização de saque em desacordo com o art. 39, c/c art. 40, da Resolução TSE n. 23.607/19, igualmente não merece acolhida o apelo do recorrente.

Foi emitido o cheque n. 000006, no valor de R$ 1.045,00 (um mil e quarenta e cinco reais), em 30.10.2020, da conta “Outros Recursos”, o qual não se destinou à composição de Fundo de Caixa. Tampouco esclareceu o prestador a destinação desse valor, apenas juntou contrato de prestação de serviço e recibo de pagamento indicando que o cheque foi usado para pagamento de tais gastos eleitorais.

Em consulta ao https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89257/210000878579/extratos, acesso em 29.9.2021, constata-se que o cheque no valor de R$ 1.045,00, n. 000006, foi sacado na “boca do caixa”, em afronta ao que preceitua o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual impõe que “os gastos eleitorais de natureza financeira (...) só podem ser efetuados por meio de: (I) cheque nominal cruzado; (II) transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; (III) débito em conta; ou (IV) cartão de débito da conta bancária”.

Observe-se que as irregularidades remanescentes (4 a 7) superam o valor de R$ 1.064,10 (um mil, sessenta e quatro reais e dez centavos), bem como o percentual de 10% das receitas declaradas (R$ 60.577,20), não merecendo reparos a sentença que desaprovou as contas.

Diante do exposto, VOTO pelo PROVIMENTO PARCIAL do recurso, apenas para afastar a primeira, a segunda e a terceira irregularidades apontadas, mantendo, contudo, a desaprovação das contas.