REl - 0600228-77.2020.6.21.0018 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2021 às 14:00

VOTO

As contas foram aprovadas com ressalvas em razão da existência de 8 (oito) depósitos em cheque que não foram identificados na conta bancária "Outros Recursos" do prestador, os quais foram emitidos de forma não cruzada, no valor total de R$ 5.645,88, utilizados para pagar despesas contraídas com os seguintes fornecedores: RENATO LEAL KRUGER (R$ 2.750,00); WALTER JUAREZ MATTOS (R$ 800,00); NELCY MORAES DE VARGAS (R$ 500,00); PATRICIA DA ROCHA MARINHO (R$ 494,88 + 268,06); RAFAEL ARGILES DE ANDRADE (R$ 294,88 + R$ 268,06); JORNAL PONCHE VERDE LTDA (R$ 70.00):

Considerando que não houve cruzamento dos cheques, os quais não foram depositados em conta bancária, e que não houve a identificação da contraparte beneficiária dos valores nos extratos bancários da conta de campanha, merece ser mantida a conclusão da sentença ao considerar o desatendimento do disposto nos arts. 35, 38, 53 e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Instada a se manifestar, a candidata não foi capaz de afastar/sanar as irregularidades, indicou que seriam apenas erros formais que não prejudicam “a transparência e a confiabilidade das contas”.

Desse modo, restou configurado o desatendimento do disposto nos arts. 35, 38, 53 e 60, da Resolução TSE 23.607/2019, conforme relatório a seguir:

(…)

Assim, as irregularidades acima apontadas acarretam a não homologação dos referidos gastos, os quais não poderiam ter sido pagos com recurso da campanha, ainda que provenientes de "Outros Recursos".

Desse modo, a exclusão (glosa) dos gastos não homologados da contabilidade da campanha gera a recomposição do saldo.

Esse saldo, apurado na forma do art. 50, I, da Resolução TSE 23.607/2019, constitui-se sobras de campanha, as quais devem ser transferidas ao órgão partidário (art. 50, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019).

Não assiste razão ao recorrente ao apontar que a falha está sanada pela documentação juntada aos autos, seja porque o cheque não cruzado pode circular e ser compensado sem depósito bancário, seja porque não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, impedindo a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha, conforme determina o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

Todavia, em consulta ao extrato bancário eletrônico disponibilizado pelo TSE no site Divulga Cand Contas, verifica-se que consta no campo CPF/CNPJ o beneficiário de parte dos cheques emitidos pelo candidato (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86290/210000671147/extratos).

Logrei identificar nesses extratos que cinco cheques, no valor total de R$ 4.614,88, correspondem aos exatos números dos respectivos cheques, nomes de fornecedores e precisamente aos valores declarados quanto aos seguintes gastos:

a)14/10/2020 0245-CHEQUE COMPENSADO CHEQUES 00000000000000000002 RENATO LEAL KRUGER 01112814078 20.672.335/0001-63D R$ 2.750,00

b) 14/10/2020 0475-CHEQUE COMPENSADO CHEQUES 00000000000000000001 NELCY MORAES DE VARGAS 180.359.140-49D R$ 500,00

c) 14/10/2020 0245-CHEQUE COMPENSADO CHEQUES 00000000000000000003 WALTER JUAREZ MATTOS 282.367.690-20 D R$ 800,00

d) 03/11/2020 0245-CHEQUE COMPENSADO CHEQUES 00000000000000000004 PATRICIA DA ROCHA MARINHO 032.109.250-38D R$ 494,88

e) 12/11/2020 0245-CHEQUE COMPENSADO CHEQUES 00000000000000000012 JORNAL PONCHE VERDE LTDA 87.715.496/0001-68D R$ 70,00

 

Os três demais cheques, no total de R$ 1.031,00, aparecem na conta bancária apenas como “Cheque Terceiros Por Caixa”, sem identificação do recebedor.

Dois cheques, nos valores de R$ 268,06 cada, foram descontados em 13.11.2020 e supostamente utilizados para pagamentos relativos aos serviços de cabo eleitoral de campanha prestados por Rafael Argiles de Andrade (conforme contrato e recibos do ID 27516683) e Patrícia da Rocha Marinho (ID 27516883, contrato e recibos), e um cheque de R$ 494,88, descontado em 4.11.2020, em tese também teria sido repassado a Rafael Argiles de Andrade.

Quanto a essas despesas, não houve a devida comprovação do uso dos recursos e nem do pagamento realizado ao prestador de serviços declarado nas contas.

Assim, além de ser mantida a aprovação das contas com ressalvas em razão da pouca expressividade das irregularidades constatadas, o recurso comporta parcial provimento para que seja reduzido o valor da condenação para R$ 1.031,00.

A irregularidade remanescente representa 11,2% sobre o total da movimentação (R$ 9.200,00), e quanto a esses pagamentos as razões recursais não foram suficientes para esclarecer a destinação dos valores.

Por fim, deve ser corrigido de ofício o erro material da sentença ao classificar as despesas não comprovadas como sobras de campanha e determinar o seu recolhimento ao partido pelo qual concorreu o recorrente por aplicação do disposto no art. 50, inc. I e § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 50. Constituem sobras de campanha:

I - a diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha;

II - os bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha até a data da entrega das prestações de contas de campanha;

III - os créditos contratados e não utilizados relativos a impulsionamento de conteúdos, conforme o disposto no art. 35, § 2º, desta Resolução.

§ 1º As sobras de campanhas eleitorais devem ser transferidas ao órgão partidário, na circunscrição do pleito, conforme a origem dos recursos e a filiação partidária do candidato, até a data prevista para a apresentação das contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º O comprovante de transferência das sobras de campanha deve ser juntado à prestação de contas do responsável pelo recolhimento, sem prejuízo dos respectivos lançamentos na contabilidade do partido político.

§ 3º As sobras financeiras de recursos oriundos do Fundo Partidário devem ser transferidas para a conta bancária do partido político destinada à movimentação de recursos dessa natureza.

§ 4º As sobras financeiras de origem diversa da prevista no § 3º deste artigo devem ser depositadas na conta bancária do partido político destinada à movimentação de "Outros Recursos", prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos.

§ 5º Os valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) eventualmente não utilizados não constituem sobras de campanha e devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional integralmente por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) no momento da prestação de contas.

§ 6º Na hipótese de aquisição de bens permanentes com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), estes devem ser alienados ao final da campanha, revertendo os valores obtidos com a venda para o Tesouro Nacional, devendo o recolhimento dos valores ser realizado por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU) e comprovado por ocasião da prestação de contas.

§ 7º Os bens permanentes a que se refere o parágrafo anterior devem ser alienados pelo valor de mercado, circunstância que deve ser comprovada quando solicitada pela Justiça Eleitoral.

Na hipótese, o pagamento de despesas contratadas, sem identificação do fornecedor ou prestador do serviço nos extratos bancários por falta da emissão de cheques nominais e cruzados, não representa sobra de campanha.

Considerando que o valor gasto foi debitado da conta bancária do candidato, mas não foi estornado ou devolvido como receita de campanha, os pagamentos não têm a natureza de sobra. Na forma do art. 50, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, as sobras são a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados, ou seja, são a receita que remanesce como crédito para o candidato, não sendo esse o caso dos autos.

Por essa razão, deve ser afastada a determinação de que o valor das despesas não comprovadas seja depositado pelo recorrente na conta bancária da agremiação pela qual concorreu, pois o § 1º do art. 50 da Resolução TSE n. 23.607/19 não alcança a situação verificada nas contas.

Nesse cenário, tendo em vista que os pagamentos com cheques não nominais e sem cruzamento foram realizados com recursos privados, que transitaram pela conta bancária "Outros Recursos", as despesas não se enquadram como recursos de origem não identificada a serem recolhidos ao erário, nem como sobras de campanha a serem devolvidas ao partido político.

A melhor conclusão a ser adotada, in casu, é a de que a ausência de informação sobre o beneficiário do pagamento ou do retorno à campanha dos valores gastos caracteriza a despesa como dívida de campanha.

Veja-se que o candidato declarou nas contas, apresentando contratos e recibos de pagamento, que Rafael Argiles de Andrade e Patrícia da Rocha Marinho foram contratados para o serviço de cabo eleitoral e teriam recebido, cada um, remuneração total de R$ 762,94, com dois cheques nos valores de R$ 268,06 e R$ 494,88.

Entretanto, não está comprovado nos autos o efetivo pagamento da totalidade da remuneração devida a Rafael Argiles de Andrade (R$ 762,94), uma vez que os cheques alegadamente a ele entregues, nos valores de R$ 268,06 e R$ 494,88, não estão identificados no extrato bancário no nome de Rafael, e que um dos cheques que teria sido emitido para Patrícia, no valor de R$ 268,06, também não está identificado na conta bancária.

A falta de comprovação desses pagamentos representa dívida de campanha não quitada, cujo procedimento está disciplinado no art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual o débito deveria ter sido assumido pelo partido.

Art. 33. Partidos políticos e candidatos podem arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

§ 1º Após o prazo fixado no caput, é permitida a arrecadação de recursos exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até o prazo de entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência do credor;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

§ 4º No caso do disposto no § 3º deste artigo, o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passa a responder solidariamente com o candidato por todas as dívidas, hipótese em que a existência do débito não pode ser considerada como causa para a rejeição das contas do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 29, § 4º).

§ 5º Os valores arrecadados para a quitação dos débitos de campanha a que se refere o § 2º deste artigo devem, cumulativamente:

I - observar os requisitos da Lei nº 9.504/1997 quanto aos limites legais de doação e às fontes lícitas de arrecadação;

II - transitar necessariamente pela conta "Doações para Campanha" do partido político, prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos, excetuada a hipótese de pagamento das dívidas com recursos do Fundo Partidário;

III - constar da prestação de contas anual do partido político até a integral quitação dos débitos, conforme o cronograma de pagamento e quitação apresentado por ocasião da assunção da dívida.

§ 6º As despesas já contraídas e não pagas até a data a que se refere o caput devem ser comprovadas por documento fiscal hábil e idôneo emitido na data da realização da despesa ou por outro meio de prova permitido.

§ 7º As dívidas de campanha contraídas diretamente pelos órgãos partidários não estão sujeitas à autorização da direção nacional prevista no § 3º e devem observar as exigências previstas nos §§ 5º e 6º deste artigo.

Ressalto que o art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que a existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido poderá até mesmo acarretar a desaprovação das contas:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

Desse modo, considero que o valor total de pagamentos não comprovados, à razão de R$ 1.031,00, caracterizam dívida e não sobra de campanha, retificando a sentença nesse ponto.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para manter a aprovação com ressalvas, reduzir de R$ 5.645,88 para R$ 1.031,00 a irregularidade apurada nas contas, e afastar a ordem de transferência do referido valor ao órgão partidário, nos termos da fundamentação.