REl - 0600035-32.2020.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2021 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade da Sentença

O recorrente suscita preliminar de nulidade da sentença, por não ter sido acolhido o pedido de produção de prova oral, a qual reputa essencial para demonstração de suas alegações, constituindo tal negativa em "grave violação do devido processo legal e do direito de ampla defesa".

A prefacial não prospera.

O magistrado a quo entendeu acertado o julgamento do processo no estado em que se encontrava, porquanto "a prova documental apresentada no processo é suficiente para um juízo de convencimento acerca da decisão correta para o caso".

Como cediço, as provas dos autos são destinadas ao magistrado, o qual pode indeferir os pedidos que entender desnecessários para o deslinde do feito ou, mesmo, protelatórios à solução do caso, conforme preceitua o art. 370, parágrafo único, do CPC.

Desse modo, não está caracterizado o cerceamento do direito de defesa quando a produção da prova oral pretendida é indeferida em razão da sua desnecessidade diante da prova documental suficiente para o deslinde do caso.

Tal entendimento encontra amparo na jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. TESTEMUNHA. ÍNDIGENA. INTEGRAÇÃO. REGIME TUTELAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO. PROVA. RELEVÂNCIA. ESCRITURA DECLARATÓRIA. VALOR PROBANTE. PROVA. INSUFICIÊNCIA. CASSAÇÃO. REFORMA.

(...).

2. O indeferimento da produção de provas consideradas irrelevantes não caracteriza cerceamento de defesa, especialmente quando a relevância não é demonstrada nas razões recursais.

(…)

(Recurso Especial Eleitoral n. 144, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 25, Tomo 4, Data 25.6.2014, p. 131.) (Grifei.)

 

Além disso, a parte recorrente não logrou sequer tecer argumentos mínimos para justificar a pertinência e a necessidade da modalidade probante buscada, restringindo-se a afirmar que os documentos em que se baseou a decisão não correspondem à verdade dos fatos.

Assim, inexiste nulidade a ser declarada, razão pela qual rejeito a prefacial.

Do Mérito

No mérito, o presente recurso insurge-se contra decisão que julgou improcedente a impugnação a requerimento de transferência de domicílio eleitoral de LUIZ CARLOS DOS SANTOS GOMES para o Município de Caseiros.

A matéria vem regulamentada nos arts. 18 e 65 da Resolução TSE n. 21.538/03, in verbis:

Art. 18. A transferência do eleitor só será admitida se satisfeitas as seguintes exigências:

I – recebimento do pedido no cartório eleitoral do novo domicílio no prazo estabelecido pela legislação vigente;

II – transcurso de, pelo menos, um ano do alistamento ou da última transferência;

III – residência mínima de três meses no novo domicílio, declarada, sob as penas da lei, pelo próprio eleitor (Lei nº 6.996/1982, art. 8º);

IV – prova de quitação com a Justiça Eleitoral.

 

Art. 65. A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

 

Insta ressaltar que o conceito de domicílio adotado, no que diz respeito à seara eleitoral, é mais amplo do que o relativo ao domicílio civil, admitindo-se sua demonstração por meio de vínculos de natureza familiar, afetiva, econômica, política, social ou profissional entre o eleitor e o município.

Nesse sentido está consolidada a jurisprudência do TSE:

DIREITO ELEITORAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO DE SENADOR. PROCESSO DE IMPEACHMENT DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. CONDENAÇÃO QUE SE LIMITOU À PERDA DO CARGO, SEM INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. NÃO INCIDÊNCIA DE CAUSAS DE INELEGIBILIDADE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

(...)

11. Hipótese em que preenchida a condição de elegibilidade do art. 14, § 3º, IV, da CF/1988, uma vez que a candidata constituiu domicílio eleitoral na circunscrição dentro do prazo exigido pela Lei nº 9.504/1997, sendo notório o vínculo familiar da candidata com a localidade. O conceito de domicílio eleitoral pode ser demonstrado não só pela residência no local com ânimo definitivo, mas também pela constituição de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes. Ademais, eventual irregularidade na transferência de domicílio eleitoral deveria ter sido suscitada em procedimento próprio, estando preclusa (arts. 57, 2º, e 71, I e III, do Código Eleitoral). Precedentes

(…)

(TSE, RO n. 060238825/MG, Relator Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 04.10.2018.) (Grifei.)

 

A despeito da elasticidade do conceito e do amplo espectro probatório admitido pela jurisprudência, a Justiça Eleitoral deve estar atenta para a indevida transferência em massa de eleitores com fins meramente eleitoreiros, altamente prejudicial ao processo eleitoral, principalmente em se tratando de eleições municipais em pequenas localidades, sob pena de deturpação do exercício da cidadania e de esvaziamento da legitimidade do voto.

Na hipótese vertente, o recorrente sustenta que o requerimento de transferência eleitoral se funda em razões que não correspondem à verdade dos fatos, pois o motivo inicial indicado para sua transferência seria a mudança de seu domicílio civil, ao passo que, ao oferecer contestação, teria havido uma incongruente inovação, passando a apresentar como fundamento vínculos de outro espécie.

De fato, existe a obrigação de que o eleitor informe um endereço de domicílio no novo município, de modo a possibilitar o preenchimento do Requerimento de Alistamento Eleitoral (RAE).

Contudo, o art. 18 da Resolução TSE n. 21.538/03, que trata das exigências para a transferência eleitoral, não ordena que sejam expostas as razões determinantes para a operação, se relacionadas a questões afetivas, profissionais ou sociais.

Desse modo, a conclusão da grei não encontra respaldo nas normas que regem a matéria, bem como conduziria à irrazoável petrificação da dinâmica existencial do eleitor, impedindo a modificação dos vínculos e das relações angariadas na localidade quando declinadas como razão determinante à transferência eleitoral.

De seu turno, em contestação, o eleitor afirma que mantém união estável com Erilde Tolotti e que ambos residiram no endereço informado por ocasião do requerimento de transferência de domicílio para o Município de Caseiros (Estrada Vila Passos, 540, rural, Caseiros/RS) e, posteriormente, mudaram-se para a propriedade do Sr. Claudionor Ossani Cordeiro (Capela São Jorge, 190, interior, Caseiros/RS), onde atualmente moram.

Para comprovar suas alegações, o eleitor acostou os seguintes documentos:

a) declaração firmada por Antônio Barbosa Neto e Maria Terezinha Ferreira dos Passos, na qual estes informam que Luiz Carlos e Erilde “residiram por um tempo no imóvel de nossa Propriedade”, agora, mudaram-se para a propriedade do Sr. Claudionor Ossani Cordeiro (ID 20439483);

b) atestado de frequência emitido pela Escola Municipal de Caseiros João Rodrigues de Souza, em nome de seu filho Guilherme Gularte Gomes (ID 20439683) e sua neta Nicolly Gomes Ferreira (ID 20439633);

c) contrato particular para prestação de serviços em Caseiros, na atividade de avicultura, ajustado com Claudionor Ossani Cordeiro, no endereço Capela São Jorge, 190, interior, Caseiros/RS (ID 20439533);

d) boletim de atendimento médico, no Posto de Saúde de Caseiros, no dia 25.5.2020 (ID 20439733); e

e) conta de energia elétrica (RGE), do endereço “Estrada Vila Passos, 540, rural, Caseiros/RS”, em nome do eleitor, com vencimento em 13.5.2020 (ID 20438983).

Em sequência, após reunidos os dezesseis recursos provenientes do Município de Caseiros sob a minha relatoria, foi possível constatar que Erilde Tolotti, companheira do ora recorrido, teve sua transferência impugnada no processo n. 0600034-47, cujo recurso contra a decisão de deferimento da transferência eleitoral, julgado em 10.3.2021, sob a relatoria do Des. Eleitoral Amadeo Buttelli, restou desprovido por este Tribunal, a partir de alegações e provas coincidentes com o presente caso.

Também, observou-se que todos os ARs cumpridos pelos Correios, nos diferentes processos, foram assinados pelos eleitores sem qualquer incidente ou anotação, sugerindo que foram buscados no próprio posto da empresa, e não entregues em domicílio, como é comum em pequenas cidades do interior.

Assim, entendi pela necessidade de maiores esclarecimentos sobre os fatos, razão pela qual, na forma do art. 938, § 3º, do CPC, determinei a expedição de ofício à Agência dos Correios de Caseiros para informar sobre a abrangência da entrega domiciliar de correspondência, bem como a realização de verificação in loco, por servidor da Justiça Eleitoral ou oficial de justiça, no endereço declarado (ID 41296483).

Atendidas as providências, o Gerente da Agência dos Correios de Caseiros prestou informação com a qual restou confirmado que o eleitor não recebeu a citação por meio de entrega domiciliar, mas que compareceu pessoalmente na unidade dos Correios para a retirada da correspondência (ID 42023783):

Em resposta ao questionado referente ao ofício SJ/CORIP/SCCOP n. 041/2021, informo que devido ao fato da agência de Correios de Caseiros ser uma unidade unipessoal, sem contar com carteiro, somente há distribuição domiciliária em determinados trechos de determinadas ruas da área central/comercial do município, sendo essa realizada pelo próprio gestor da unidade. Todas as demais correspondências são consideradas “posta restante” devendo essas serem retiradas pelos destinatários presencialmente na agência, caso esse o da correspondência citada, endereçada a área sem entrega. Sendo assim, segundo consta em nossos arquivos e também no AR anexado ao ofício, confirmo que o (a) próprio (a) destinatário (a) retirou a referida correspondência presencialmente na agência, mediante assinatura e apresentação de documento de identidade.

 

Portanto, ao contrário do que inicialmente se poderia cogitar, a correspondência em questão não é apta a fazer prova sobre o domicílio de seu destinatário.

De seu turno, o oficial de justiça, após cumprimento da verificação no endereço declarado para a operação cadastral, lançou certidão nos seguintes termos (ID 43956983):

CERTIFICO que, com observância das formalidades legais, empreguei as diligências necessárias para cumprimento desse mandato, contudo, não localizei Luiz Carlos dos Santos Gomes. Busquei informações com moradores da localidade de Estrada Vila Passos, inclusive com Agente de Saúde que trabalha na região, porém nenhum disse conhecer Luiz Carlos. Friso que nas residências do interior não existe uma sequência numérica, e pouquíssimas casas ostentam numeração. De qualquer forma, as pessoas com quem conversei não souberam dizer se Luiz reside ou residiu no local, pois não o conhecem. Dou fé.

 

Como se percebe, o oficial de justiça não logrou localizar o endereço informado pelo recorrido em seu requerimento de transferência em razão de peculiaridades próprias da zona rural, na qual os logradouros e números de prédios nem sempre são reconhecíveis sem referências adicionais.

Isso, porém, não atesta que o endereço seja inexistente.

Ademais, o próprio eleitor assevera que se mudou de residência, passando a ter endereço na Capela São Jorge, 190, interior, Caseiros/RS, local não alcançado pelas diligências realizadas pelo oficial de justiça.

Dessa forma, quanto ao ponto, a fatura de energia elétrica em nome de Luiz Carlos, com vencimento em 13.5.2020, em que consta o logradouro inicialmente declarado à Justiça Eleitoral, deve ser admitida como meio de comprovação da residência à época da transferência eleitoral, à míngua de outros elementos de convicção que infirmem a força probatória do documento.

Ademais, a constituição de vínculos comunitários e familiares com o município está suficientemente demonstrada por meio da apresentação de atestados de frequência escolar, emitidos pela Escola Municipal de Ensino Fundamental João Rodrigues de Souza, de Caseiros, em nome de seu filho Guilherme Gularte Gomes (ID 20439683) e sua neta Nicolly Gomes Ferreira (ID 20439633), ambos datados de 01.7.2020 e subscritos pela Diretora da Unidade de Educação.

Nessa linha, elenco os seguintes julgados de outros Tribunais Regionais:

RECURSO ELEITORAL - DOMICÍLIO ELEITORAL - TRANSFERÊNCIA ¿ VÍNCULO COMUNITÁRIO DEMONSTRADO - DECLARAÇÃO DE MATRICULA ESCOLAR - DESPROVIMENTO DO RECURSO O domicílio para fins eleitorais se prova pela residência do eleitor na localidade (art. 42 do Código Eleitoral) ou, na sua falta, com a demonstração de vínculos profissional, patrimonial ou comunitário, nos moldes da Resolução n.º 21.538/2003 - TSE. A declaração de diretor escolar atestando que o eleitor encontra-se matriculado em estabelecimento de ensino situado na municipalidade é suficiente para comprovar o vínculo comunitário do recorrido com a localidade. A existência de certidão lavrada pelo Oficial de Justiça registrando que o eleitor foi encontrado no endereço por ele declarado, sendo pessoalmente intimado, indica circunstância a demonstrar sua residência na localidade, na esteira da jurisprudência desta Corte Desprovimento do recurso.

(TRE-RN - RE: 309 SÃO FRANCISCO DO OESTE - RN, Relator: RICARDO TINOCO DE GÓES, Data de Julgamento: 17/12/2019, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 19/12/2019, Página 3/4.) (Grifei.)

 

Recurso eleitoral. Indeferimento de transferência eleitoral. O conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e se satisfaz pela demonstração de vínculo político, social ou afetivo, conforme já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral. Existência de certidão de casamento, bem como históricos escolares de dois alunos do município, em que consta o nome do recorrente como pai e a informação de que aqueles ali estudavam. Recurso provido. Deferimento da transferência. Vistos, relatados e discutidos os autos do processo acima identificado, ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, à unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Belo Horizonte, 2 de junho de 2016. Juiz Paulo Rogério Abrantes Relator

(TRE-MG - RE: 597 VIEIRAS - MG, Relator: PAULO ROGÉRIO DE SOUZA ABRANTES, Data de Julgamento: 02/06/2016, Data de Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 10/06/2016.) (Grifei.)

 

Desta forma, os vínculos comunitário e familiar do recorrente com o Município de Caseiros estão comprovados a partir do seu anterior domicílio e, em especial, em razão da matrícula de seu filho e de sua neta em instituição de ensino na localidade, sendo provas hábeis ao deferimento de transferência do domicílio eleitoral para a circunscrição.

 

Ante o exposto, VOTO por rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, para manter o deferimento do pedido de transferência de domicílio eleitoral de LUIZ CARLOS DOS SANTOS GOMES para o Município de Caseiros.