REl - 0600027-55.2020.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2021 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade da Sentença

O recorrente suscita preliminar de nulidade da sentença, por não ter sido acolhido o pedido de produção de prova oral, a qual reputa essencial para demonstração de suas alegações, constituindo tal negativa em "grave violação do devido processo legal e do direito de ampla defesa".

A prefacial não prospera.

O magistrado a quo entendeu acertado o julgamento do processo no estado em que se encontrava, porquanto "a prova documental apresentada no processo é suficiente para um juízo de convencimento acerca da decisão correta para o caso".

Como cediço, as provas dos autos são destinadas ao magistrado, o qual pode indeferir os pedidos que entender desnecessários para o deslinde do feito ou, mesmo, protelatórios à solução do caso, conforme preceitua o art. 370, parágrafo único, do CPC.

Desse modo, não está caracterizado o cerceamento do direito de defesa quando a produção da prova oral pretendida é indeferida em razão da sua desnecessidade diante da prova documental suficiente para o deslinde do caso.

Tal entendimento encontra amparo na jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. TESTEMUNHA. ÍNDIGENA. INTEGRAÇÃO. REGIME TUTELAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO. PROVA. RELEVÂNCIA. ESCRITURA DECLARATÓRIA. VALOR PROBANTE. PROVA. INSUFICIÊNCIA. CASSAÇÃO. REFORMA.

(...).

2. O indeferimento da produção de provas consideradas irrelevantes não caracteriza cerceamento de defesa, especialmente quando a relevância não é demonstrada nas razões recursais.

(…)

(Recurso Especial Eleitoral n. 144, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 25, Tomo 4, Data 25.6.2014, p. 131.) (Grifei.)

Além disso, a parte recorrente não logrou sequer tecer argumentos mínimos para justificar a pertinência e a necessidade da modalidade probante buscada, restringindo-se a afirmar que os documentos em que se baseou a decisão não correspondem à verdade dos fatos.

Assim, inexiste nulidade a ser declarada, razão pela qual rejeito a prefacial.

Do Mérito

Na questão de fundo, o recurso insurge-se contra a decisão que julgou improcedente a impugnação ao requerimento de transferência de domicílio eleitoral de KELEN BETANIA ALVES para o Município de Caseiros.

Regulamentam a transferência de domicílio eleitoral os arts. 18 e 65 da Resolução TSE n. 21.538/03, verbis:

Art. 18. A transferência do eleitor só será admitida se satisfeitas as seguintes exigências:

I – recebimento do pedido no cartório eleitoral do novo domicílio no prazo estabelecido pela legislação vigente;

II – transcurso de, pelo menos, um ano do alistamento ou da última transferência;

III – residência mínima de três meses no novo domicílio, declarada, sob as penas da lei, pelo próprio eleitor (Lei nº 6.996/1982, art. 8º);

IV – prova de quitação com a Justiça Eleitoral.

(...)

Art. 65. A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

Insta ressaltar que o conceito de domicílio adotado, no que diz respeito à seara eleitoral, é mais amplo do que o relativo ao domicílio civil, admitindo-se sua demonstração por meio de vínculos de natureza familiar, afetiva, econômica, política, social ou profissional entre o eleitor e o município.

Firme, nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ESPECIAL. DOMICÍLIO ELEITORAL POR RELAÇÃO PROFISSIONAL. FATO CONSTANTE APENAS DO VOTO DIVERGENTE. ART. 941, § 3°, DO NOVO CPC. MATÉRIA DE DIREITO. PROVIMENTO DO RECURSO.

1.  Os fatos constantes do voto vencido devem ser considerados pela instância revisora, mormente quando não estiverem em conflito com o que descrito no voto vencedor. Inteligência do art. 941, § 3º, do novo CPC.

2.  O domicílio eleitoral, nos termos da jurisprudência do TSE, vai além do domicílio civil, sendo devida a autorização para a transferência quando estiverem comprovadas relações econômicas, sociais e/ou familiares entre o cidadão e o município para o qual se pretenda a transferência.

3.  A análise do domicílio eleitoral, quando não há controvérsia a respeito dos fatos, é questão de direito e pode ser plenamente avaliada pela instância extraordinária.

Recurso especial provido.

Ação cautelar julgada procedente.

(Recurso Especial Eleitoral nº 7524, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 200, Data: 18/10/2016, Página 83-84.) (Grifei.)

A despeito da elasticidade do conceito e do amplo espectro probatório admitido pela jurisprudência, a Justiça Eleitoral deve estar atenta para a indevida transferência em massa de eleitores com fins meramente eleitoreiros, altamente prejudicial ao processo eleitoral, principalmente em se tratando de eleições municipais em pequenas localidades, sob pena de deturpação do exercício da cidadania e de esvaziamento da legitimidade do voto.

No caso vertente, o recorrente sustenta que inexiste vínculo que dê suporte à indicação de domicílio eleitoral da requerida em Caseiros, bem como que se trata de orquestração para comprometer a legitimidade do pleito eleitoral.

Por sua vez, em contestação, a eleitora alega que reside com seu marido, Cláudio André Alves, no endereço informado à Justiça Eleitoral (rua Felisbino C. Rodrigues, n. 11, Centro, Caseiros/RS) e que ocupam o anexo de imóvel pertencente a Valdir Ribeiro da Silva.

Suas alegações encontram-se instruídas com os seguintes documentos:

a) fotografia da aludida residência, sobre a qual informa, em contestação, ter mais de 800 m2 (ID 20442183, fl. 2);

b) declaração firmada pelo proprietário Valdir Ribeiro da Silva, afirmando a cedência onerosa do aludido anexo, desde 2019 (ID 20442383);

c) contrato de construção por empreitada, datado de 13.01.2020, firmado com o Sr. Josemar Schmit, o qual tem por objeto a construção e reforma de imóvel localizado em Caseiros (ID 20442233);

d) cópia de fatura de energia elétrica em nome do marido da recorrida, de março de 2020, na qual consta como endereço a rua Felisbino C. Rodrigues, n. 11, Centro, na cidade de Caseiros/RS (ID 20441683);

e) certidão de casamento da recorrida com Cláudio André Alves, na qual se anota a celebração e o domicílio dos cônjuges em Tapejara (ID 20441633); e

f) recibos de pagamento por serviços de construção civil prestados no município para Mário Camparin, datados de 04 de setembro de 2019 e 21 de abril de 2020 (ID 20442283).

Como se percebe, à exceção da conta de energia elétrica em nome do marido de Kelen, todos os demais documentos oferecidos como prova de domicílio constituem atos meramente declaratórios, produzidos exclusivamente pelos próprios signatários, sem qualquer tipo de chancela ou autenticação oficial, conforme bem ponderou a douta Procuradoria Regional Eleitoral:

Com efeito, percebe-se que alguns dos documentos juntados à contestação não constituem, por si sós, prova do fato alegado, uma vez que se tratam de documentos produzidos unilateralmente, não contendo sequer o reconhecimento de firma das pessoas indicadas como signatárias, como é o caso dos termos de “Contrato de construção por empreitada” (ID 20442233); recibo de pagamento por serviços de pedreiro (ID 20442283); e termos de declaração firmados por Gisele Duarte (ID 20442333) e Valdir Ribeiro da Silva (ID 20442383).

Desse modo, apenas a conta de energia elétrica e o aviso de recebimento (AR) correspondente à carta de citação, consignando o endereço “Rua José Cirino Rodrigues, 763, centro, Caseiros/RS” e assinado pela própria eleitora (ID 20441983), seriam hábeis a comprovar o vínculo com a circunscrição para fins de transferência eleitoral.

Ocorre que, reunidos os dezesseis recursos provenientes do Município de Caseiros sob a minha relatoria, foi possível constatar que, entre as transferências impugnadas, consta, também, a do marido da eleitora ora recorrida, Cláudio André Alves (REl n. 0600026-70), ambos tendo declarado o mesmo endereço e apresentado idênticos documentos comprobatórios.

Igualmente, observou-se que todos os ARs cumpridos pelos Correios, nos diferentes processos, foram assinados pelos eleitores sem qualquer incidente ou anotação, sugerindo que foram buscados no próprio posto da empresa, e não entregues em domicílio, como é comum em pequenas cidades do interior.

Diante da fragilidade e dubiedade da prova, entendi pela necessidade de maiores esclarecimentos sobre os fatos, razão pela qual, na forma do art. 938, § 3º, do CPC, determinei a expedição de ofício à Agência dos Correios de Caseiros para informar sobre a abrangência da entrega domiciliar de correspondência, bem como a realização de verificação in loco, por servidor da Justiça Eleitoral ou oficial de justiça, no endereço declarado (ID 41297083).

Atendidas as providências, o Gerente da Agência dos Correios de Caseiros prestou informação com a qual restou confirmado que a eleitora não recebeu a citação por meio de entrega domiciliar, mas que compareceu pessoalmente na unidade dos Correios para a retirada da correspondência (ID 42024283):

Em resposta ao questionado referente ao ofício SJ/CORIP/SCCOP n. 046/2021, informo que devido ao fato da agência de Correios de Caseiros ser uma unidade unipessoal, sem contar com carteiro, somente há distribuição domiciliária em determinados trechos de determinadas ruas da área central/comercial do município, sendo essa realizada pelo próprio gestor da unidade. Todas as demais correspondências são consideradas “posta restante” devendo essas serem retiradas pelos destinatários presencialmente na agência, caso esse o da correspondência citada, endereçada a área sem entrega. Sendo assim, segundo consta em nossos arquivos e também no AR anexado ao ofício, confirmo que o (a) próprio (a) destinatário (a) retirou a referida correspondência presencialmente na agência, mediante assinatura e apresentação de documento de identidade.

Portanto, ao contrário do que inicialmente se poderia cogitar, a correspondência em questão não é apta a fazer prova sobre o domicílio de sua destinatária.

De seu turno, o oficial de justiça, após cumprimento da verificação no endereço informado, lançou certidão nos seguintes termos (ID 42763333):

CERTIFICO que, com observância das formalidades legais, empreguei as diligências necessárias para cumprimento desse mandado, mas não localizei Kelen Betânia Alves. Percorri toda a extensão da Rua Felisbino Cirino Rodrigues, mas não avistei o número 11. A primeira casa da sura não apresenta numeração. A segunda tem o número 19. Moradores próximos, e também um funcionário da EBCT que trabalha próximo, disseram que aquela primeira casa seria a de número 11, porém atualmente ninguém reside ali. O proprietário teria falecido há algum tempo, mas o imóvel foi objeto de várias locações, sendo que muitas pessoas passaram por ali. Ora funcionava um bar, ora uma boate, ora residência. Contudo, todas as pessoas com quem falei disseram desconhecer Betânia. Dou fé.

Portanto, a eleitora não foi localizada no endereço declinado à Justiça Eleitoral, nem é conhecida por moradores da rua, tendo sido informado que “o imóvel foi objeto de várias locações, sendo que muitas pessoas passaram por ali”, do que se depreende o curto lapso de uso entre os sucessivos locatários.

Os mesmos resultados da diligência in loco constam certificados em relação ao processo de Cláudio André Alves (REl n. 0600026-70, ID 42765633).

Diante desse conjunto de elementos, entendo que a fatura de energia de titularidade do cônjuge da eleitora, embora seja, de rigor, documento formalmente idôneo à instrução do requerimento de transferência eleitoral, na hipótese concreta, não se mostra substancialmente hábil para o deferimento do pedido em tela, tendo em vista a ausência de outros documentos de confirmação e o resultado da diligência realizada.

Nessa linha, o art. 65 da Resolução TSE n. 21.538/03 mitiga a força probatória de contas de luz, água ou telefone quando houver fundada dúvida sobre a idoneidade do documento, cabendo ao juiz eleitoral exigir o reforço da prova ou determinar a verificação in loco, tal como se procedeu na espécie, porém sem êxito na comprovação do vínculo com a circunscrição.

Por pertinente, transcrevo o teor do dispositivo em comento:

Art. 65. A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

§ 1º Na hipótese de ser a prova de domicílio feita mediante apresentação de contas de luz, água ou telefone, nota fiscal ou envelopes de correspondência, estes deverão ter sido, respectivamente, emitidos ou expedidos nos 3 (três) meses anteriores ao preenchimento do RAE, ressalvada a possibilidade de exigir-se documentação relativa a período anterior, na forma do § 3º deste artigo.

§ 2º Na hipótese de ser a prova de domicílio feita mediante apresentação de cheque bancário, este só poderá ser aceito se dele constar o endereço do correntista.

§ 3º O juiz eleitoral poderá, se julgar necessário, exigir o reforço por outros meios de convencimento, da prova de domicílio quando produzida pelos documentos elencados nos §§ 1º e 2º.

§ 4º Subsistindo dúvida quanto à idoneidade do comprovante de domicílio apresentado ou ocorrendo a impossibilidade de apresentação de documento que indique o domicílio do eleitor, declarando este sob as penas da lei, que tem domicílio no município, o juiz eleitoral decidirá de plano ou determinará as providências necessárias à obtenção da prova, inclusive por meio de verificação in loco.

Na mesma linha, colho o entendimento da douta Procuradoria Regional Eleitoral:

Nada obstante isso, percebe-se que a eleitora apresentou, em seu requerimento de transferência de domicílio eleitoral cópia de fatura de energia elétrica em nome do esposo Cláudio André Alves, referente ao mês de março de 2020, do endereço R. FELISBINO C RODRIGUES, 11, CENTRO 95315-000 CASEIROS/RS (ID 20441683), bem como de certidão de casamento de ambos (ID 20441633).

Todavia, embora esse tipo de documento seja usualmente aceito para fins de comprovação de residência, tenho que seu valor probatório, in casu, restou sobremaneira fragilizado, ante o resultado das diligências determinadas por essa Eg. Corte, mostrando-se insuficiente para demonstrar de forma segura a residência da eleitora no município.

Ademais, apesar de haver sido devidamente intimada, a recorrida deixou transcorrer in albis o prazo para manifestar-se a respeito do resultado das diligências, conforme certidão lavrada no ID 44281083.
 

Diante disso, é forçoso concluir que não há comprovação, de forma clara e indubitável, do vínculo da recorrida com o Município de Caseiros que autorizaria a transferência de seu domicílio eleitoral para a localidade.

 

Ante o exposto, VOTO por rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, pelo provimento do recurso para reformar a sentença ao efeito de indeferir o pedido de transferência de domicílio eleitoral de KELEN BETANIA ALVES para o Município de Caseiros.