REl - 0600024-03.2020.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/11/2021 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade da Sentença

O recorrente suscita preliminar de nulidade da sentença, por não ter sido acolhido o pedido de produção de prova oral, a qual reputa essencial para demonstração de suas alegações, constituindo tal negativa em "grave violação do devido processo legal e do direito de ampla defesa".

A prefacial não prospera.

O magistrado a quo entendeu acertado o julgamento do processo no estado em que se encontrava, porquanto "a prova documental apresentada no processo é suficiente para um juízo de convencimento acerca da decisão correta para o caso".

Como cediço, as provas dos autos são destinadas ao magistrado, o qual pode indeferir os pedidos que entender desnecessários para o deslinde do feito ou, mesmo, protelatórios à solução do caso, conforme preceitua o art. 370, parágrafo único, do CPC.

Desse modo, não está caracterizado o cerceamento do direito de defesa quando a produção da prova oral pretendida é indeferida em razão da sua desnecessidade diante da prova documental suficiente para o deslinde do caso.

Tal entendimento encontra amparo na jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. TESTEMUNHA. ÍNDIGENA. INTEGRAÇÃO. REGIME TUTELAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO. PROVA. RELEVÂNCIA. ESCRITURA DECLARATÓRIA. VALOR PROBANTE. PROVA. INSUFICIÊNCIA. CASSAÇÃO. REFORMA.

(...).

2. O indeferimento da produção de provas consideradas irrelevantes não caracteriza cerceamento de defesa, especialmente quando a relevância não é demonstrada nas razões recursais.

(…)

(Recurso Especial Eleitoral n. 144, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 25, Tomo 4, Data 25.6.2014, p. 131.) (Grifei.)

 

Além disso, a parte recorrente não logrou sequer tecer argumentos mínimos para justificar a pertinência e a necessidade da modalidade probante buscada, restringindo-se a afirmar que os documentos em que se baseou a decisão não correspondem à verdade dos fatos.

Assim, inexiste nulidade a ser declarada, razão pela qual rejeito a prefacial.

Do Mérito

O presente recurso, interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA do Município de Caseiros, insurge-se contra a decisão que julgou improcedente a impugnação ao pedido de operação cadastral de CRISTIANO BORDÃO FLORES para aquela localidade.

Cabe enfatizar, de início, que, embora as razões recursais tratem de transferência de município, o recorrido realizou, em realidade, um requerimento de alistamento eleitoral (ID 23725433) para o qual, igualmente, se exige a comprovação de vínculo com o domicílio eleitoral pretendido, nos termos do art. 65 da Resolução TSE n. 21.538/03, in verbis:

Art. 65. A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

 

Insta ressaltar que o conceito de domicílio adotado, no que diz respeito à seara eleitoral, é mais amplo do que o relativo ao domicílio civil, admitindo-se sua demonstração por meio de vínculos de natureza familiar, afetiva, econômica, política, social ou profissional entre o eleitor e o município.

Firme, nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ESPECIAL. DOMICÍLIO ELEITORAL POR RELAÇÃO PROFISSIONAL. FATO CONSTANTE APENAS DO VOTO DIVERGENTE. ART. 941, § 3°, DO NOVO CPC. MATÉRIA DE DIREITO. PROVIMENTO DO RECURSO.

1.  Os fatos constantes do voto vencido devem ser considerados pela instância revisora, mormente quando não estiverem em conflito com o que descrito no voto vencedor. Inteligência do art. 941, § 3º, do novo CPC.

2.  O domicílio eleitoral, nos termos da jurisprudência do TSE, vai além do domicílio civil, sendo devida a autorização para a transferência quando estiverem comprovadas relações econômicas, sociais e/ou familiares entre o cidadão e o município para o qual se pretenda a transferência.

3.  A análise do domicílio eleitoral, quando não há controvérsia a respeito dos fatos, é questão de direito e pode ser plenamente avaliada pela instância extraordinária.

Recurso especial provido.

Ação cautelar julgada procedente.

(Recurso Especial Eleitoral nº 7524, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 200, Data: 18/10/2016, Página 83-84.) (Grifei.)

 

A despeito da elasticidade do conceito e do amplo espectro probatório admitido pela jurisprudência, a Justiça Eleitoral deve estar atenta para a indevida transferência em massa de eleitores com fins meramente eleitoreiros, altamente prejudicial ao processo eleitoral, principalmente em se tratando de eleições municipais em pequenas localidades, sob pena de deturpação do exercício da cidadania e de esvaziamento da legitimidade do voto.

No caso vertente, o recorrente sustenta que “inexiste vínculo que dê suporte a indicação de domicílio eleitoral do requerido em Caseiros”, bem como que “se trata de orquestração para comprometer a legitimidade do pleito eleitoral”.

Por sua vez, em contestação, o recorrido narra que mora na propriedade do Sr. Josmar Luiz Cecchin, localizada na Estrada São Luiz, Rod. Federal 285, Km 218, n. 7300, interior de Caseiros/RS, onde presta serviços como diarista e auxilia nos serviços na granja. Afirma que o Sr. Josmar é pessoa idosa e portadora de labirintite congênita e reumatismo, necessitando de cuidados permanentes, motivo pelo qual o recorrido, pessoa de sua confiança, possui um quarto na propriedade.

Suas alegações encontram-se acompanhadas dos seguintes documentos:

a) nota fiscal de compras no comércio do município, emitida em 22.01.2019, na qual consta o CPF e nome do eleitor (ID 23726033 e 23725583);

b) declaração de Aniceto Gritti de Mattos, vizinho, de que o eleitor trabalha na propriedade do Sr. Josmar (ID 23726133); e

c) recibos de pagamentos pelos trabalhos prestados para o Sr. Josmar, datados de 14 de dezembro de 2019, 24 e 25 de fevereiro de 2020 e 20 e 21 de abril de 2020 (ID 23726033, pág. 6).

Como se constata, as notas fiscais emitidas por estabelecimento comercial de Caseiros podem ser obtidas por qualquer pessoa de passagem pelo local, a partir de dados meramente declarados pelo interesse, sem mínima conferência prévia, razão pela qual não se prestam como prova de uma vinculação minimamente estável com o município.

De forma semelhante, os demais recibos e as declarações apresentados constituem meras declarações unilaterais, produzidos exclusivamente pelos próprios signatários, sem qualquer tipo de chancela ou autenticação oficial e sequer contendo o reconhecimento de firma de seus subscritores.

Desse modo, apenas o aviso de recebimento (AR) correspondente à carta de citação direcionada ao endereço informado no requerimento de alistamento eleitoral, recebido e assinado pelo próprio recorrido, poderia consistir em prova idônea do domicilio (ID 23725783).

Ocorre que, reunidos os dezesseis recursos provenientes do Município de Caseiros sob a minha relatoria, foi possível constatar que, entre as operações cadastrais impugnadas, consta a transferência da eleitora Denise Gasparin da Rosa (REl 0600025-85), a qual declarou o mesmo endereço, sustentando que, após o rompimento de sua união estável, foi acolhida pela família do Sr. Josmar até reatar a relação com o companheiro.

Igualmente, observou-se que todos os ARs cumpridos pelos Correios, nos diferentes processos, foram assinados pelos eleitores sem qualquer incidente ou anotação, sugerindo que foram buscados no próprio posto da empresa, e não entregues em domicílio, como é comum em pequenas cidades do interior.

Diante da fragilidade e dubiedade da prova, entendi pela necessidade de maiores esclarecimentos sobre os fatos, razão pela qual, na forma do art. 938, § 3º, do CPC, determinei a expedição de ofício à Agência dos Correios de Caseiros para informar sobre a abrangência da entrega domiciliar de correspondência, bem como a realização de verificação in loco, por servidor da Justiça Eleitoral ou oficial de justiça, no endereço declarado (ID 41297233).

Atendidas as providências, o Gerente da Agência dos Correios de Caseiros prestou informação com a qual restou confirmado que o eleitor não recebeu a citação por meio de entrega domiciliar, mas que compareceu pessoalmente na unidade dos Correios para a retirada da correspondência (ID 42023583):

Em resposta ao questionado referente ao ofício SJ/CORIP/SCCOP n. 035/2021, informo que devido ao fato da agência de Correios de Caseiros ser uma unidade unipessoal, sem contar com carteiro, somente há distribuição domiciliária em determinados trechos de determinadas ruas da área central/comercial do município, sendo essa realizada pelo próprio gestor da unidade. Todas as demais correspondências são consideradas “posta restante” devendo essas serem retiradas pelos destinatários presencialmente na agência, caso esse o da correspondência citada, endereçada a área sem entrega. Sendo assim, segundo consta em nossos arquivos e também no AR anexado ao ofício, confirmo que o (a) próprio (a) destinatário (a) retirou a referida correspondência presencialmente na agência, mediante assinatura e apresentação de documento de identidade.

 

Portanto, ao contrário do que inicialmente se poderia cogitar, a correspondência em questão não é apta a fazer prova sobre o domicílio de seu destinatário.

De seu turno, o oficial de justiça, após cumprimento da verificação no endereço informado, lançou certidão nos seguintes termos (ID 43956583):

CERTIFICO que, com observância das formalidades legais, empreguei as diligências necessárias para cumprimento desse mandado, contudo, não localizei Cristiano Bordão Flores. No Município de Caseiros fui informado de que não existe “Estrada São Luiz”. O que existe é Capela São Luiz, comunidade do interior do Município. Colhi informações com moradores dessa localidade, inclusive Agentes de Saúde que trabalham na região, porém todos disseram desconhecer Cristiano. Friso que nas residências do interior não existe uma sequência numérica, e pouquíssimas casas ostentam numeração. De qualquer forma, as pessoas com quem conversei não souberam dizer se Cristiano reside ou residiu no local, pois não o conhecem. Dou fé.

 

Portanto, a diligência realizada não logrou suprir a insuficiência dos documentos anexados ao pedido de alistamento eleitoral. Ao contrário, diante da informação junto a moradores da localidade, inclusive com Agentes Comunitários de Saúde, que não conhecem o recorrido, é forçoso concluir que não há comprovação, de forma clara e indubitável, do vínculo com o Município de Caseiros que autorizaria o seu alistamento eleitoral na circunscrição.

 

Ante o exposto, VOTO por rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, pelo provimento do recurso para reformar a sentença ao efeito de indeferir o pedido de alistamento eleitoral de CRISTIANO BORDÃO FLORES para o Município de Caseiros.