REl - 0600365-48.2020.6.21.0151 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/11/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidata a vereadora, relativa às eleições do ano de 2020.

A sentença que desaprovou as contas reconheceu a irregularidade no pagamento de despesas de campanha, em razão da utilização de cheques nominais não cruzados para o pagamento de despesas de campanha, no montante total de R$ 984,50 (novecentos e oitenta e quatro reais e cinquenta centavos), com recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), em desatendimento ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

As falhas foram apontadas pelo laudo técnico (ID 40086883) nos seguintes termos:

Em suas razões, a recorrente admitiu a emissão de cheques nominais não cruzados para realizar o pagamento dos prestadores de serviço de panfletagem.

No intuito de comprovar as despesas realizadas com recursos do FEFC, juntou contratos, recibos, além da cópia dos cheques emitidos de forma irregular a Samantha Barbosa Rodrigues, Rafaela Machado e Jorge Luiz Inocent Naibert (IDs 40086583, 40086533, 40086483, 40086633).

A irregularidade restou incontroversa.

Em relação ao pagamento de despesas da campanha eleitoral, dispõe o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

II – transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III – débito em conta; ou

IV – cartão de débito da conta bancária. (Grifei.)

A exigência do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 possui caráter objetivo quanto ao meio de pagamento a ser utilizado pela candidata, ao emitir o cheque para o pagamento de gastos de campanha deverá ser nominal e, também, cruzado.

A finalidade da exigência do cruzamento do cheque reside na obrigação de o recebedor depositá-lo em conta bancária para compensá-lo. Tal procedimento permite à Justiça Eleitoral rastrear o trânsito de valores, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil (TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, julgado em 07.07.2021).

Destaco que, no caso dos autos, não foi possível a identificação das contrapartes beneficiárias dos créditos relativos aos cheques n. 000001 (R$ 84,00), n. 000002 (R$ 450,00) e n. 000003 (R$ 450,00) – ID 40086183.

Assim, existindo a impossibilidade na verificação da perfeita identidade entre os sacadores dos documentos de crédito e os fornecedores apontados nos contratos e recibos apresentados pela candidata, não há como afastar a irregularidade.

Nessa linha, ressalto que os contratos e recibos apresentados pela recorrente não possuem força probante suficiente para fazer essa aferição.

Da mesma forma, diante do descumprimento de norma objetiva, não há como afastar a irregularidade pelo argumento de que os beneficiários dos cheques eram pessoas humildes, e que, por isso, não teriam condições de manter uma conta bancária.

A fim de evitar tautologia, transcrevo parte dos fundamentos exarados no parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Nesi Venzon, os quais agrego às minhas razões de decidir:

[...]

Diga-se que os documentos previstos no art. 60, caput, e §§ 1º e 2º da Resolução TSE nº 23.607/2019 jamais se prestam, sozinhos, à comprovação dos gastos eleitorais, devendo, pois, serem entendidos como um reforço de comprovação em relação àqueles informados no art. 38 e seus incisos da mesma Resolução. Em outras palavras, os documentos fiscais idôneos, com o preenchimento de todos os dados necessários a que alude o art. 60, devem se somar aos meios de pagamento determinados no art. 38, jamais podendo ser apontados como alternativos ou exclusivos para efeito de comprovação da efetiva e regular utilização dos recursos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Tal caráter meramente complementar dos documentos do art. 60 se extrai de dois pilares principais.

Primeiro, tais documentos não possuem fé suficiente, uma vez que são de produção unilateral, ou, no máximo, bilateral, entre o candidato e uma pessoa qualquer informada como fornecedor de serviço ou de bem, o que claramente pode dar margem a burlas mediante a entabulação de relações simuladas, com o intuito de encobrir o real destino dos valores da campanha.

Depois, porque os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

[...]

Assim, devem ser considerados irregulares os gastos eleitorais no valor de R$ 984,50 (novecentos e oitenta e quatro reais e cinquenta centavos), por infringência ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo a quantia ser recolhida aos cofres do Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme determinado na sentença.

Entretanto, embora a soma das irregularidades (R$ 984,50) represente aproximadamente 47,05% dos recursos arrecadados pela candidata (R$ 2.092,50), em termos absolutos, o montante envolvido representa valor irrisório.

O Tribunal Superior Eleitoral tem aprovado com ressalvas as contas de campanha sempre que o montante das irregularidades represente valor absoluto diminuto, ainda que o percentual com relação ao total da arrecadação seja elevado. Para tanto, a Corte superior adota como referência o valor máximo de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), como uma espécie de "tarifação do princípio da insignificância", considerando a quantia o máximo absoluto entendido como diminuto, conforme demonstram os julgados abaixo colacionados:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DOAÇÃO A TÍTULO DE RECURSOS PRÓPRIOS MEDIANTE DEPÓSITO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. VALOR DIMINUTO DA IRREGULARIDADE CONSIDERADO SEU VALOR ABSOLUTO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que representem valor absoluto diminuto, ainda que o percentual no total da arrecadação seja elevado. Precedentes. 2. No caso dos autos, embora o percentual da irregularidade seja elevado, aproximadamente 76%, seu valor absoluto (R$ 950,00) deve ser considerado módico, uma vez que inferior a R$ 1.064,10 (mil, sessenta e quatro reais e dez centavos – 1.000 UFIRs). 3. Manutenção da decisão. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 63967, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Data 06.8.2019.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CANDIDATOS. DESAPROVADAS. DESPESAS COM INSTALAÇÃO DE COMITÊ DE CAMPANHA. COMPROVAÇÃO. REENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS. POSSIBILIDADE. IRREGULARIDADES REMANESCENTES. PERCENTUAL INEXPRESSIVO NO CONTEXTO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES. PROVIMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO ESPECIAL PARA APROVAR, COM RESSALVAS, AS CONTAS DOS RECORRENTES. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. O reenquadramento jurídico dos fatos, quando cabível, é restrito às premissas assentadas pela instância regional e não se confunde com o reexame e a revaloração do caderno probatório, providência incabível em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula nº 24/TSE.

2. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que representem valor absoluto diminuto, ainda que o percentual no total da arrecadação seja elevado. Precedentes.

3. Adota-se como balizas, para as prestações de contas de candidatos, o valor máximo de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) como espécie de "tarifação do princípio da insignificância" como valor máximo absoluto entendido como diminuto e, ainda que superado o valor de 1.000 UFIRs, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para aquilatar se o valor total das irregularidades não superam 10% do total da arrecadação ou da despesa, permitindo-se, então, a aprovação das contas com ressalvas.

4. Tal balizamento quanto aos aspectos quantitativos das prestações de contas não impede sua análise qualitativa. Dessa forma, além de sopesar o aspecto quantitativo descrito acima, há que se aferir se houve o comprometimento da confiabilidade das contas (aspecto qualitativo). Consequentemente, mesmo quando o valor apontado como irregular representar pequeno montante em termos absolutos ou ínfimo percentual dos recursos, eventual afetação à transparência da contabilidade pode ensejar a desaprovação das contas.

5. No caso dos autos, o diminuto percentual das falhas detectadas (0,38%) – em relação ao valor absoluto arrecadado em campanha – não representa gravidade capaz de macular a regularidade das contas.

6. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 0601473-67.2018.6.24.0000, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Data 07.5.2020.) (Grifei.)

No mesmo sentido, colho o seguinte aresto deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatados gastos declarados pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – Prestação de Contas n 060069802, ACÓRDÃO de 14.7.2020, Relator DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

Dessa forma, embora o percentual da irregularidade na prestação de contas da candidata seja superior ao utilizado (10%) como critério pela Justiça Eleitoral para aprovação com ressalvas, o seu valor absoluto (R$ 984,50) deve ser considerado módico, pois inferior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos – 1.000 UFIRs), sendo insuficiente para a desaprovação das contas.

Por essas razões, considerando-se o reduzido valor absoluto das irregularidades, em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, as contas devem ser aprovadas com ressalvas.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de Maria Ester dos Santos Pereira, relativas ao pleito de 2020, mantendo-se a determinação do recolhimento do valor de R$ 984,50 (novecentos e oitenta e quatro reais e cinquenta centavos) ao Tesouro Nacional.