REl - 0600032-77.2020.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/11/2021 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade da Sentença

O recorrente suscita preliminar de nulidade da sentença, por não ter sido acolhido o pedido de produção de prova oral, a qual reputa essencial para demonstração de suas alegações, constituindo tal negativa em "grave violação do devido processo legal e do direito de ampla defesa".

A prefacial não prospera.

O magistrado a quo entendeu acertado o julgamento do processo no estado em que se encontrava, porquanto "a prova documental apresentada no processo é suficiente para um juízo de convencimento acerca da decisão correta para o caso".

Como cediço, as provas dos autos são destinadas ao magistrado, o qual pode indeferir os pedidos que entender desnecessários para o deslinde do feito ou, mesmo, protelatórios à solução do caso, conforme preceitua o art. 370, parágrafo único, do CPC.

Desse modo, não está caracterizado o cerceamento do direito de defesa quando a produção da prova oral pretendida é indeferida em razão da sua dispensabilidade diante da prova documental suficiente para a elucidação do caso.

Tal entendimento encontra amparo na jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. TESTEMUNHA. INDÍGENA. INTEGRAÇÃO. REGIME TUTELAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO. PROVA. RELEVÂNCIA. ESCRITURA DECLARATÓRIA. VALOR PROBANTE. PROVA. INSUFICIÊNCIA. CASSAÇÃO. REFORMA.

(...).

2. O indeferimento da produção de provas consideradas irrelevantes não caracteriza cerceamento de defesa, especialmente quando a relevância não é demonstrada nas razões recursais.

(…)

(Recurso Especial Eleitoral n. 144, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 25, Tomo 4, Data 25.6.2014, p. 131.) (Grifei.)

 

Além disso, a parte recorrente não logrou sequer tecer argumentos mínimos para justificar a pertinência e a necessidade da modalidade probante buscada, restringindo-se a afirmar que os documentos em que se baseou a decisão não correspondem à verdade dos fatos.

Assim, inexiste nulidade a ser declarada, razão pela qual rejeito a prefacial.

Do Mérito

No mérito, o presente recurso insurge-se contra decisão que julgou improcedente a impugnação a requerimento de transferência de domicílio eleitoral de MARA ENI VAES DA SILVA para o Município de Caseiros.

A matéria vem regulamentada nos arts. 18 e 65 da Resolução TSE n. 21.538/03, verbis:

Art. 18. A transferência do eleitor só será admitida se satisfeitas as seguintes exigências:

I – recebimento do pedido no cartório eleitoral do novo domicílio no prazo estabelecido pela legislação vigente;

II – transcurso de, pelo menos, um ano do alistamento ou da última transferência;

III – residência mínima de três meses no novo domicílio, declarada, sob as penas da lei, pelo próprio eleitor (Lei nº 6.996/1982, art. 8º);

IV – prova de quitação com a Justiça Eleitoral.

Art. 65. A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

 

Insta ressaltar que o conceito de domicílio adotado, no que diz respeito à seara eleitoral, é mais amplo do que o relativo ao domicílio civil, admitindo-se sua demonstração por meio de vínculos de natureza familiar, afetiva, econômica, política, social ou profissional entre o eleitor e o município.

Nesse sentido está consolidada a jurisprudência do TSE:

DIREITO ELEITORAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO DE SENADOR. PROCESSO DE IMPEACHMENT DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. CONDENAÇÃO QUE SE LIMITOU À PERDA DO CARGO, SEM INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. NÃO INCIDÊNCIA DE CAUSAS DE INELEGIBILIDADE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

(...)

11. Hipótese em que preenchida a condição de elegibilidade do art. 14, § 3º, IV, da CF/1988, uma vez que a candidata constituiu domicílio eleitoral na circunscrição dentro do prazo exigido pela Lei nº 9.504/1997, sendo notório o vínculo familiar da candidata com a localidade. O conceito de domicílio eleitoral pode ser demonstrado não só pela residência no local com ânimo definitivo, mas também pela constituição de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes. Ademais, eventual irregularidade na transferência de domicílio eleitoral deveria ter sido suscitada em procedimento próprio, estando preclusa (arts. 57, 2º, e 71, I e III, do Código Eleitoral). Precedentes

(…)

(TSE, RO n. 060238825/MG, Relator Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 04.10.2018.) (Grifei.)

 

A despeito da elasticidade do conceito e do amplo espectro probatório admitido pela jurisprudência, a Justiça Eleitoral deve estar atenta à indevida transferência em massa de eleitores com fins meramente eleitoreiros, altamente prejudicial ao processo eleitoral, principalmente em se tratando de eleições municipais em pequenas localidades, sob pena de deturpação do exercício da cidadania e de esvaziamento da legitimidade do voto.

Na hipótese vertente, o recorrente sustenta que o requerimento de transferência eleitoral se funda em razões que não correspondem à verdade dos fatos, pois o motivo inicial indicado para sua transferência seria a mudança de seu domicílio civil, ao passo que, ao oferecer contestação, teria havido uma incongruente inovação, passando a apresentar como fundamento seus vínculos familiares. Refere, ainda, que no endereço informado pela eleitora (Estrada Muliterno, n. 398, Caseiros) reside Giovane Gabriel Fortes e sua companheira Vitória Cristina Ribeiro da Silva, com os quais a recorrida não possui vínculo familiar ou profissional.

De fato, existe a obrigação de o eleitor informar um endereço de domicílio no novo município, de modo a possibilitar o preenchimento do Requerimento de Alistamento Eleitoral (RAE).

Contudo, o art. 18 da Resolução TSE n. 21.538/03, que trata das exigências para a transferência eleitoral, não ordena que sejam expostas as razões determinantes para a operação, se relacionadas a questões afetivas, profissionais ou sociais.

Desse modo, a conclusão da grei não encontra respaldo nas normas que regem a matéria, bem como conduziria à irrazoável petrificação da dinâmica existencial do eleitor, impedindo a modificação dos vínculos e das relações angariadas na localidade quando declinadas como razão determinante à transferência eleitoral.

Por sua vez, em contestação, Mara Eni alega que já residiu na “Estrada saída para Muliterno n° 398” e possui familiares – o irmão Claudecir Vaes da Silva, a cunhada Lorelaine Gois da Silva – residindo na rua Paralela EST BR 285, 477, no Centro de Caseiros (ID 20447383).

Para corroborar suas afirmações, a eleitora acostou os seguintes documentos:

a) declaração de Geovani Gabriel Fortes, antigo locador do imóvel, que a eleitora residia com sua família em Caseiros, e confirmando os vínculos familiares com Claudecir e Lorelaine, ainda domiciliados e com vínculo empregatício no município (ID 20447683);

b) declaração firmada por Volnei José da Silva, dando conta de que Claudecir Vaes da Silva, irmão da eleitora em tela, reside em Caseiros, município onde trabalha em uma granja avícola (ID 20447783);

c) certidão de quitação eleitoral de Claudecir Vaes da Silva, que registra o seu domicílio eleitoral em Caseiros (ID 20447833); e

d) conta de luz em nome da recorrida, referente a março de 2020, em que consta o endereço “Est Multiterno, 398, Rural, Caseiros/RS” (ID 20447033).

Em sequência, após reunidos os dezesseis recursos provenientes do Município de Caseiros sob a minha relatoria, foi possível constatar que, entre as operações impugnadas, há o grupo familiar formado por Mara Eni Vaes da Silva, ora recorrida, e seus filhos Vanduir da Silva (REl n. 0600033-62.2020.6.21.0028) e Cristieli da Silva Gois (REl n. 0600031-92.2020.6.21.0028), todos tendo declarado o mesmo endereço e apresentado documentos de comprovação semelhantes.

Igualmente, observou-se que todos os ARs cumpridos pelos Correios, nos diferentes processos, foram assinados pelos eleitores sem qualquer incidente ou anotação, sugerindo que foram buscados no próprio posto da empresa, e não entregues em domicílio, como é comum em pequenas cidades do interior.

Assim, entendi pela necessidade de maiores esclarecimentos sobre os fatos, razão pela qual, na forma do art. 938, § 3º, do CPC, determinei a expedição de ofício à Agência dos Correios de Caseiros, para informar sobre a abrangência da entrega domiciliar de correspondência, bem como a realização de verificação in loco, por servidor da Justiça Eleitoral ou oficial de justiça, no endereço declarado (ID 41294133).

Atendidas as providências, o Gerente da Agência dos Correios de Caseiros prestou informação na qual confirma que a eleitora não recebeu a citação por meio de entrega domiciliar, mas que compareceu pessoalmente na unidade dos Correios para a retirada da correspondência (ID 42023883):

Em resposta ao questionado referente ao ofício SJ/CORIP/SCCOP n. 042/2021, informo que devido ao fato da agência de Correios de Caseiros ser uma unidade unipessoal, sem contar com carteiro, somente há distribuição domiciliária em determinados trechos de determinadas ruas da área central/comercial do município, sendo essa realizada pelo próprio gestor da unidade. Todas as demais correspondências são consideradas “posta restante” devendo essas serem retiradas pelos destinatários presencialmente na agência, caso esse o da correspondência citada, endereçada a área sem entrega. Sendo assim, segundo consta em nossos arquivos e também no AR anexado ao ofício, confirmo que o (a) próprio (a) destinatário (a) retirou a referida correspondência presencialmente na agência, mediante assinatura e apresentação de documento de identidade.

 

Portanto, ao contrário do que inicialmente se poderia cogitar, a correspondência em questão não é apta a fazer prova sobre o domicílio de sua destinatária.

De seu turno, o oficial de justiça, após cumprimento da verificação nos dois endereços referidos pela recorrida, lançou certidão nos seguintes termos (ID 42762883):

CERTIFICO que, com observância das formalidades legais, empreguei as diligências necessárias para cumprimento desse mandato, mas não localizei Mara Eni Vaes da Silva. Na Estrada Muliterno não avistei o número 398. Conversei com moradores da via, mas disseram desconhecê-la. Friso que essa via liga Caseiros a Muliterno, de forma que possível ponto de referência ajudaria na diligência. Na Rua Paralela, 477, conversei com os atuais moradores e também com o proprietário do imóvel, Sr. Ercílio, os quais disseram desconhecer Mara. Contudo, Ercílio disse que Vanduir, pessoa também procurada nesse endereço, ali residiu por um tempo, mas que atualmente acredita estar em Erechim. Dou fé.

 

Como se percebe, o oficial de justiça não logrou localizar o endereço informado pela recorrida em seu requerimento de transferência em razão de peculiaridades próprias da zona rural, na qual os logradouros e números de prédios nem sempre são reconhecíveis sem referências adicionais.

Isso, porém, não atesta que o endereço seja inexistente ou que a eleitora não tivesse residido no local.

Dessa forma, quanto ao ponto, a fatura de energia elétrica em nome da recorrida, referente a março de 2020, em que consta o endereço “Est Multiterno, 398, Rural, Caseiros/RS” (ID 20447033), deve ser admitida como meio de comprovação da residência à época da transferência eleitoral, à míngua de outros elementos de convicção que infirmem a força probatória do documento.

Em relação aos alegados vínculos familiares, tem-se que o oficial de justiça não localizou Vanduir da Silva, filho de Mara Eni, no endereço Estrada Paralela, n. 477, tendo o atual ocupante da residência, Sr. Ercílio, declarado que ele “ali residiu por um tempo, mas que atualmente acredita estar em Erechim”.

Embora a informação obtida não ateste o período em que Vanduir esteve no local, resta confirmado que o eleitor teve domicílio em Caseiros naquele endereço.

Outrossim, consta nos autos a certidão de quitação eleitoral de Claudecir Vaes da Silva, irmão de Mara Eni como se demonstra pelos genitores comuns consignados no documento, emitida em 31.7.2020, que anota o seu domicílio eleitoral em Caseiros desde 06.5.2020 (ID 20447833).

Cabe destacar, ainda, nos autos do REl n. 0600033-62 (ID 20444933), em que é impugnada a transferência eleitoral de Vanduir da Silva, a apresentação de “Certificado da Condição de Microempreendedor Individual” de Daniela Rocha Goes, na atividade de comerciante varejista de vestuário e acessórios, com situação cadastral vigente desde 19.02.2020, no endereço Estrada Muliterno, n. 398, em Caseiros.

Conforme narra o recorrido nos autos daquele processo, Vanduir é companheiro de Daniela Rocha Goes, com quem tem uma filha, conforme certidão de nascimento anexa aos autos do REl n. 0600033-62 (ID 20444133), a qual registra, ainda, que Mara Eni Vaes da Silva é avó da criança, a evidenciar a ligação familiar com o município.

Cumpre repisar que o domicílio para fins eleitorais não se prova apenas pela residência com ânimo definitivo na localidade, mas também pela demonstração da manutenção de vínculos sociais, afetivo e familiar no município, na linha da jurisprudência deste Tribunal:

Recurso. Transferência de domicílio eleitoral. Indeferimento. O conceito de domicílio eleitoral é mais flexível do que o do direito civil, comportando outros elementos que não propriamente a residência no município. Ato amparado em previsão legal de vínculo afetivo e familiar. Reconhecimento do domicílio eleitoral a ensejar o deferimento da inscrição da eleitora. Provimento.

(TRE-RS - RE: 3155 ALECRIM - RS, Relator: DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Data de Julgamento: 13/07/2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 127, Data: 15/07/2016, Página 4.)

 

Recurso. Decisão que julgou improcedente impugnação de transferência de domicílio eleitoral. Alegada residência temporária no município em que o eleitor presta serviço. Flexibilidade do conceito de domicílio eleitoral, identificado como lugar onde o eleitor tem vínculos patrimoniais, profissionais ou sociais. Desprovimento.

(TRE-RS, RE n. 46-81, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 14.6.2012.)

 

Desta forma, o vínculo familiar da recorrente com o Município de Caseiros está comprovado a partir da prova de domicílio à época do requerimento e das relações parentais mantidas com Claudecir Vaes da Silva e com Daniela Rocha Goes, sendo hábeis ao deferimento de transferência de seu domicílio eleitoral para a circunscrição.

 

Ante o exposto, VOTO por rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, para manter o deferimento do pedido de transferência de domicílio eleitoral de MARA ENI VAES DA SILVA para o Município de Caseiros.