REl - 0600559-30.2020.6.21.0060 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/11/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, foram desaprovadas as contas em virtude da existência de gastos com recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) em inobservância aos meios de pagamento elencados no art. 38 da Resolução TSE 23.607/19, notadamente cheque nominal cruzado no montante de R$ 1.800,00.

Acertadamente, a sentença (ID 44099933) foi no seguinte sentido:

No caso dos autos, verificou-se a presença dos documentos arrolados na Resolução TSE n. 23.607/2019, mas o atendimento apenas parcial das exigências da legislação eleitoral. Embora não se tenha constatado o recebimento de recursos de fontes vedadas ou de origem não identificada, foi apurado que a candidata não cumpriu o disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Consoante parecer conclusivo, a candidata realizou gasto, no valor de R$ 1.800,00, utilizando-se de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, tendo o pagamento sido feito por cheque, sem observar as disposições do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019, que prevê que os gastos eleitorais somente podem ser realizados por meio de: cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária.

Mesmo intimada, a candidata não juntou aos autos cópia do cheque repassado ao fornecedor e, inclusive, reconheceu que não observou preceitos da legislação eleitoral, tendo emitido cheque não nominal. Por outro lado, a contratação da despesa foi devidamente comprovada através da nota fiscal apresentada na prestação de contas (82523191).

Após a manifestação da candidata, a examinadora emitiu parecer conclusivo pela aprovação das contas com ressalvas. No mesmo sentido, o parecer ministerial.

Entendo, no entanto, que a falha identificada é grave, sendo suficiente para acarretar a desaprovação das contas, já que envolve a aplicação de recursos do FEFC e compromete quase 50% dos recursos arrecadados pela candidata. O pagamento de despesas em espécie, em desobediência ao disposto no art. 38, macula a transparência das contas e frustra a fiscalização pela Justiça Eleitoral

 

A recorrente reconhece a emissão do cheque em desacordo com a legislação eleitoral (não houve cruzamento), destacando não ter havido mácula à transparência das contas, “eis que a destinação da despesa foi devidamente comprovada pela emissão da respectiva NF pelo fornecedor”.

Sem razão.

O meio de pagamento da despesa de R$ 1.800,00 não atendeu ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual impõe que “os gastos eleitorais de natureza financeira (...) só podem ser efetuados por meio de: (I) cheque nominal cruzado; (II) transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; (III) débito em conta; ou (IV) cartão de débito da conta bancária”.

Nesse sentido, o que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44582283):

Nos termos do parecer conclusivo da Unidade Técnica da Justiça Eleitoral “a candidata realizou um saque para quitar despesa com fornecedor” (ID 44099733)

Assim, não foi observado o art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019, o qual impõe que “os gastos eleitorais de natureza financeira (...) só podem ser efetuados por meio de: (I) cheque nominal cruzado; (II) transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; (III) débito em conta; ou (IV) cartão de débito da conta bancária”.

Nesse sentido, cumpre destacar que, para as eleições de 2020, o TSE buscou ser mais rigoroso com o controle dos gastos eleitorais, pois acrescentou a obrigação do pagamento se dar por cheque cruzado, previsão inexistente para as eleições anteriores.

Diga-se que os documentos previstos no art. 60, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, jamais se prestam, sozinhos, à comprovação dos gastos eleitorais, devendo, pois, serem entendidos como um reforço de comprovação em relação àqueles informados no art. 38 e seus incisos da mesma Resolução. Em outras palavras, os documentos fiscais idôneos, com o preenchimento de todos os dados necessários a que alude o art. 60, devem se somar aos meios de pagamento determinados no art. 38, jamais podendo ser apontados como alternativos ou exclusivos para efeito de comprovação da efetiva e regular utilização dos recursos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Tal caráter meramente complementar dos documentos do art. 60 se extrai de dois pilares principais.

Primeiro, tais documentos não possuem fé suficiente, uma vez que são de produção unilateral, ou, no máximo, bilateral, entre o candidato e uma pessoa qualquer informada como fornecedor de serviço ou de bem, o que claramente pode dar margem a burlas mediante a entabulação de relações simuladas, com o intuito de encobrir o real destino dos valores da campanha.

Depois, porque os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

Com efeito, tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento dos valores, apontando-se, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Por outro lado, se os valores não transitam pelo sistema financeiro nacional, é muito fácil que sejam, na realidade, destinados a pessoas que não compuseram a relação indicada como origem do gasto de campanha.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente, por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, trata-se de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FEFC.

Ademais, a obrigação para que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei 7.357/85), assegura que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

Finalmente, ao não ter sido cruzado o cheque, sendo sacado na boca do caixa, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha.

Assim, o saque dos recursos públicos recebidos na boca do caixa (conforme foi informado no parecer conclusivo da Unidade Técnica – ID 44099733) é conduta grave que, por si só, enseja a desaprovação das contas e o recolhimento dos recursos do FEFC ao Tesouro Nacional.

No caso, o julgador a quo deixou de determinar o recolhimento do valor da irregularidade ao Tesouro Nacional “tendo em vista que a despesa foi devidamente comprovada através da apresentação de nota fiscal do fornecedor”. Não tendo havido recurso do Ministério Público Eleitoral no ponto, deve ser mantida a sentença.

 

No caso em tela, a recorrente apresentou cópia do cheque no ID 44100333, demonstrando que não foi cruzado. Além disso, em consulta ao https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87912/210000680585/extratos, verifica-se que houve saque da cártula na “boca do caixa”, não sendo possível identificar a contraparte, o beneficiário do cheque. A nota fiscal seria suficiente a demonstrar a despesa eleitoral se a identidade do fornecedor constasse na contraparte do extrato bancário, o que não ocorreu na espécie.

Isso porque a legislação eleitoral contempla os arts. 38 e 60, caput, e §§ 1º e 2º da Resolução TSE n. 23.607/19 para análise conjunta das despesas. O primeiro artigo elenca os meios pelos quais os pagamentos devem ser efetuados, e o segundo, um rol de documentos complementares à comprovação dos gastos eleitorais.

O artigo 60, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 deve ser empregado tão somente para obter a confirmação, junto ao terceiro com quem o candidato contratou, de que o valor foi efetivamente gasto em serviço ou produto para a campanha eleitoral. Isso se justifica por dois motivos: a) porque documentos como recibo, contrato ou nota fiscal não detêm fé suficiente, e b) porque não há como rastrear quem efetivamente recebeu o referido valor.

Dessa maneira, a Justiça Eleitoral construiu uma análise circular das despesas, contando para isso com dados das instituições financeiras, dos prestadores de contas e dos terceiros contratados, a fim de atestar a origem e o destino dos valores.

Assim, ao não ter sido cruzado o cheque, sendo sacado na “boca do caixa”, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha.

A matéria em exame foi amplamente debatida nesta Corte, conforme ementa que reproduzo, que bem evidencia o entendimento sufragado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Rel 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021.) (Grifo nosso)

 

Por derradeiro, consigno que a sentença não determinou o recolhimento da importância ao erário, o que seria de rigor. Contudo, não havendo irresignação ministerial no ponto, não há como alterar a decisão do juízo a quo, em face da vedação da reforma em prejuízo da parte.

Acertada a sentença quanto ao juízo de desaprovação das contas, uma vez que a irregularidade envolve o “saque na boca do caixa” de recursos públicos do FEFC no valor de R$ 1.800,00, o qual representa 27,45% das receitas declaradas (R$ 6.556,80), ou seja, valor e percentual superiores aos parâmetros utilizados pela Justiça Eleitoral como critérios para aprovação das contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO pelo DESPROVIMENTO do recurso, mantendo a desaprovação das contas de MARCIA NUNES GONÇALVES RODRIGUES.