REl - 0600187-72.2020.6.21.0063 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/10/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

FERNANDO SEBASTIÃO NACKES VIEIRA, candidato ao cargo de vereador no Município de São José dos Ausentes, insurge-se contra a sentença que julgou desaprovadas as contas do recorrente, com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, em virtude de (a) pagamento de pessoal de apoio à campanha com verbas do FEFC, no valor de R$ 250,00, por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19; e (b) ausência de comprovação da aplicação de recursos do FEFC na contratação de pessoa física para prestação de serviços à campanha, na quantia de R$ 750,00. Na sentença ainda foi determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional da soma dos valores tidos por irregulares, no total de R$ 1.000,00.

Passo à análise da irresignação.

Em relação à primeira irregularidade, consistente no pagamento de pessoal de apoio à campanha com recursos do FEFC, no valor de R$ 250,00, por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, tenho que não assiste razão ao recorrente.

Conforme consta no ID 30241183, verifica-se que houve a emissão de cheque nominal a Marcelo Ceron de Azevedo, no valor de R$ 250,00, não tendo sido tal cártula cruzada.

Outrossim, em consulta ao site http://divulgacandcontas.tse.jus.br, não foi possível identificar o real destinatário do referido valor.

Por consequência. houve descumprimento da norma inserta no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

(Grifei.)

Depreende-se do texto legal que a regra possui caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis.

Como o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência relativa ao cruzamento da cártula — após o qual o seu pagamento somente pode ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) — visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil (TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. Federal LUÍS ALBERTO D´AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.07.2021).

Seguindo essa ordem de ideias, registro que este Tribunal já reconheceu inexistir ressalva na legislação eleitoral quanto ao endosso do cheque emitido na forma nominal e cruzada, nos moldes do art. 17 da Lei n. 7.357/85, invocado como fundamento à regularidade do dispêndio nas razões recursais.

Entretanto, o reconhecimento da possibilidade de endosso do cheque não implica a dispensa da comprovação de que foi cruzado e emitido nominalmente ao fornecedor da campanha informado na contabilidade, como previsto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante extraio da ementa do seguinte julgado:

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DE DESPESA. CÁRTULA NOMINAL E CRUZADA. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO POSTERIOR. ART. 17 DA LEI N. 7.357/85. POSSIBILIDADE DE DESCONTO EM BANCO POR TERCEIROS. VÍCIO SANADO. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS INTEGRALMENTE APROVADAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha e determinou o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional.

2. Acervo probatório coligido aos autos pela prestadora apto a demonstrar o fiel cumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE 23.607/19 quanto às formas de realização de dispêndios durante o pleito. O cheque acostado comprova a emissão na forma cruzada e nominal, não havendo ressalva na legislação eleitoral quanto ao seu endosso, podendo ser transmitido a terceiros, de acordo com o art. 17 da Lei n. 7.357/85.

3. Sanado o vício que maculava as contas. Aprovação sem ressalvas. Afastada a necessidade de recolhimento ao erário do montante tido por irregular quando da sentença de primeiro grau.

4. Provimento.

(Relator Des. El. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado na sessão de 06.7.2021.) (Grifei.)

 

Com efeito, a falha apontada configura irregularidade por não comprovação de gastos realizados com recursos públicos e enseja o recolhimento ao Tesouro Nacional.

Em relação à segunda irregularidade, consistente na ausência de comprovação da aplicação de recursos do FEFC na contratação de pessoa física para prestação de serviços à campanha, na quantia de R$ 750,00, tenho que outra é a sorte do recorrente, devendo ser provido ser recurso quanto a este ponto.

Explico.

A irregularidade foi reconhecida na sentença em virtude de inconsistência quanto ao local no qual a prestação de serviço seria realizada.

Em suas razões, o recorrente explicou que foram observados todos os requisitos legais no preenchimento das respectivas informações no termo contratual firmado com Anelise Maria Macedo Cordova. Justifica que, por um erro de digitação constou no instrumento contratual que o local da prestação dos serviços seria o município de Vacaria, ao invés de São José dos Ausentes. Juntou com o recurso declaração de Anelise, afirmando que o local correto da prestação do serviço é o município de São José dos Ausentes.

Entendo plausíveis as justificativas trazidas pelo recorrente.

E quanto a este ponto, adoto os argumentos trazidos pelo douto Procurador Regional Eleitoral (ID 39745833) ao se manifestar pelo afastamento da falha. Vejamos:

Contudo, é crível a alegação do(a) prestador(a) de que se tratou de erro de digitação, até porque não faria sentido um candidato de São José dos Ausentes firmar um contrato para propaganda no município de Vacaria. A justificativa do(a) prestador(a) é corroborada por declaração do contratado acostada ao recurso, aplicável portanto o art. 76 da Resolução TSE n. 23.607/2019 para entender por sanada a irregularidade.

Portanto, remanesce apenas a irregularidade no valor ínfimo de R$ 250,00, a qual, nos termos da pacífica jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal, admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas, pois o valor nominal da falha se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, como colho das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifei.)

 

Dessa maneira, como a irregularidade perfaz quantia de diminuta expressividade econômica, entendo pela aprovação das contas com ressalvas, em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com respaldo no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, motivo por que a pretensão recursal deduzida nesse sentido merece ser parcialmente acolhida.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e parcial provimento do recurso interposto por FERNANDO SEBASTIÃO NACKES VIEIRA para aprovar com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, com fundamento no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, mantendo-se a determinação do recolhimento de R$ 250,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhor Presidente.