REl - 0600450-68.2020.6.21.0075 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/10/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

ALTIR JOSÉ FERRO, candidato ao cargo de vereador no Município de Nova Prata, interpôs recurso contra a sentença proferida pelo Juízo da 75ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas do recorrente, em razão de divergência entre os dados declarados na prestação de contas e os constantes do extrato da conta “Outros Recursos”, mantida no Banco do Brasil, Agência 409, Conta 8891354, no que concerne aos pagamentos efetuados por meio dos cheques: (a) Cheque n. 850002, no valor de R$ 1.050,00, compensado em 19.10.2020; (b) Cheque n. 850005, no valor de R$ 1.500,00, compensado em 30.10.2020; (c) Cheque n. 850004, no valor de R$ 300,00, compensado em 09.11.2020; (d) Cheque n. 850001, no valor de R$ 600,00, compensado em 09.11.2020 e (e) Cheque n. 850003, no valor de R$ 1.600,00, compensado em 03.11.2020, perfazendo o valor total de R$ 5.050,00 (cinco mil e cinquenta reais).

Conforme constou na sentença recorrida (ID 41384183), houve a emissão de uma série de cheques não nominais e com dados divergentes do que consta no extrato bancário, o que inviabiliza a aprovação das contas do candidato. Observe-se:

No documento de ID 83794785, o órgão técnico apurou a existência de 5 (cinco) movimentações financeiras não compatibilizadas, cuja soma totaliza R$ 5.050,00 (cinco mil e cinquenta reais) e equivale a cerca de 55% das movimentações financeiras do candidato, as quais resumo abaixo:

1) 19/10/2020 - cheque compensado n. 85002, com valor de R$ 1.052,00, possui as informações divergentes entre o extrato bancário e o relatado nestes autos, ID 59903677;

2) 30/10/2020 – cheque compensado n. 0850005, com valor de R$ 1.500,00, não teve a despesa lançada no SPC, e por extensão, no PJe; não há identificação da contraparte nos extratos bancários juntados pelo prestador;

3) 09/11/2020 – cheque compensado n. 850004, com valor de R$ 300,00, não possui cópia do cheque nos autos; a numeração do cheque diverge daquela encontrada na prestação de contas e há divergência entre a informação no SPCE e o extrato bancário juntado;

4) 09/11/2020 – cheque compensado n. 850001, com valor de R$ 600,00, não possui identificação da contraparte nos extratos bancários, não podendo ser confirmada a informação a ele relativa, apresentada pelo prestador no PJE;

5) 03/11/2020 – cheque compensado n. 850003, com valor de R$ 1.600,00, não possui a identificação da contraparte nos extratos bancários juntados; não há cópia da Nota Fiscal referida no relatório de despesas ID 59903668, atribuída a este gasto.

Dado o conjunto da contabilidade apresentada, esse percentual, R$ 5.050,00 (cinco mil e cinquenta reais), não deve ser relevado e inviabiliza a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tornando inafastável a desaprovação das contas, nos termos do artigo 30, inciso III, da Lei nº 9.504/97.

 

A forma de pagamento idônea e capaz de permitir a identificação real da origem e do destino do recurso está prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

(Grifei.)

 

Depreende-se do texto legal, que a regra possui caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis.

Como o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência relativa ao cruzamento da cártula — após o qual o seu pagamento somente pode ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) — visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil (TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. Federal LUÍS ALBERTO D´AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.07.2021).

Seguindo essa ordem de ideias, registro que este Tribunal já reconheceu inexistir ressalva na legislação eleitoral quanto ao endosso do cheque emitido na forma nominal e cruzada, nos moldes do art. 17 da Lei n. 7.357/85, invocado como fundamento à regularidade do dispêndio nas razões recursais.

Entretanto, o reconhecimento da possibilidade de endosso do cheque não implica a dispensa da comprovação de que foi cruzado e emitido nominalmente ao fornecedor da campanha informado na contabilidade, como previsto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante extraio da ementa do seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DE DESPESA. CÁRTULA NOMINAL E CRUZADA. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO POSTERIOR. ART. 17 DA LEI N. 7.357/85. POSSIBILIDADE DE DESCONTO EM BANCO POR TERCEIROS. VÍCIO SANADO. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS INTEGRALMENTE APROVADAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha e determinou o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional.

2. Acervo probatório coligido aos autos pela prestadora apto a demonstrar o fiel cumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE 23.607/19 quanto às formas de realização de dispêndios durante o pleito. O cheque acostado comprova a emissão na forma cruzada e nominal, não havendo ressalva na legislação eleitoral quanto ao seu endosso, podendo ser transmitido a terceiros, de acordo com o art. 17 da Lei n. 7.357/85.

3. Sanado o vício que maculava as contas. Aprovação sem ressalvas. Afastada a necessidade de recolhimento ao erário do montante tido por irregular quando da sentença de primeiro grau.

4. Provimento.

(Relator Des. El. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado na sessão de 06.7.2021.) (Grifei.)

 

A fundamentação recursal de que haveria “desídia” do profissional contratado para a contabilidade da campanha é insuficiente para justificar as irregularidades. Se desidioso era o profissional, com mais razão deveria o prestador das contas trazer elementos, aos autos, capazes de justificar e retificar as irregularidades. Não o fez em primeiro grau e tampouco na esfera recursal.

A irregularidade é ausência de declaração e comprovação de gastos por meio da apresentação de documentação fiscal idônea, nos termos do art. 53, inc. II, al. “c”, e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, e pagamentos sem observância da forma prescrita em lei (art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19), no caso, por meio de cheque nominal e cruzado. Sem razão o recorrente.

Observo que a magistrada de primeiro grau não ordenou o recolhimento dos valores, o que impede qualquer determinação nesse sentido, ante a ausência de recurso apropriado. Esta providência não pode ser imposta ao candidato nesta instância por força do princípio da vedação da refomatio in pejus, haja vista a interposição de recurso exclusivamente pela sua defesa, sem manifestação do órgão ministerial de piso apta a obstaculizar a preclusão da matéria (TRE-RS, RE n. 18892, Relator Des. El. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, DEJERS de 03.5.2019, p. 8).

Por outro lado, observo que a irregularidade (R$ 5.050,00) representa 55,18% das receitas arrecadadas para o custeio da campanha, as quais somaram R$ 9.151,35, o que inviabiliza a aprovação com ressalvas. Por esses motivos, a sentença deve ser mantida em sua integralidade.

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por ALTIR JOSÉ FERRO, para manter a sentença em sua integralidade.

É como voto, Senhor Presidente.