REl - 0600025-85.2020.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/10/2021 às 14:00

 

VOTO

 

Da Admissibilidade 

O recurso é adequado tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade da Sentença

O recorrente suscita preliminar de nulidade da sentença, por não ter sido acolhido o pedido de produção de prova oral, a qual reputa essencial para demonstração de suas alegações, constituindo tal negativa em "grave violação do devido processo legal e do direito de ampla defesa".

A prefacial não prospera.

O magistrado a quo entendeu acertado o julgamento do processo no estado em que se encontrava, porquanto "a prova documental apresentada no processo é suficiente para um juízo de convencimento acerca da decisão correta para o caso".

Como cediço, as provas dos autos são destinadas ao magistrado, podendo esse indeferir os pedidos que entender desnecessários para o deslinde do feito ou, mesmo, protelatórios à solução do caso, conforme preceitua o art. 370 e parágrafo único, do CPC.

Desse modo, não está caracterizado o cerceamento do direito de defesa quando a produção da prova oral pretendida é indeferida em razão da sua desnecessidade diante da prova documental suficiente para o deslinde do caso.

Tal entendimento encontra amparo na jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

(...).

2.1 Não prospera a alegação de nulidade por violação ao art. 5º, LIV e LV, da Constituição da República, consistente no indeferimento da oitiva de testemunha em primeira instância. No caso, conforme assentado pelo Regional, o magistrado de 1º grau julgou antecipadamente a lide com amparo no art. 130 do CPC, por entender que as provas constantes dos autos eram suficientes, visto que baseada a ação em prova documental. Incidência do princípio pas de nullité sans grief, consagrado no art. 219 do Código Eleitoral, que dispõe: "Na aplicação da lei eleitoral, o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração do prejuízo".

(...).

(Recurso Especial Eleitoral n. 66912, Acórdão, Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 10.11.2015, pp. 47-50).

 

ELEIÇÕES 2012. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. TESTEMUNHA. ÍNDIGENA. INTEGRAÇÃO. REGIME TUTELAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO. PROVA. RELEVÂNCIA. ESCRITURA DECLARATÓRIA. VALOR PROBANTE. PROVA. INSUFICIÊNCIA. CASSAÇÃO. REFORMA.

1. Não há nulidade na oitiva de testemunha indígena sem o representante da FUNAI, quando o índio está integrado à comunhão nacional e possui, inclusive, título de eleitor. Não incide, nesta hipótese, o caput do art. 8º da Lei nº 6.001/73, pois caracterizada a exceção prevista no parágrafo único do referido dispositivo.

2. O indeferimento da produção de provas consideradas irrelevantes não caracteriza cerceamento de defesa, especialmente quando a relevância não é demonstrada nas razões recursais.

(…)

(Recurso Especial Eleitoral n. 144, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 25, Tomo 4, Data 25.6.2014, p. 131). Grifei.

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2012. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTOS NÃO INFIRMADOS. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. COMPROVAÇÃO. DOCUMENTOS UNILATERAIS. IMPOSSIBILIDADE. INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. DESPROVIMENTO.

1. O indeferimento do pedido de produção de provas testemunhais não acarreta cerceamento de defesa quando a oitiva de testemunhas é irrelevante para o equacionamento da lide, segundo as particularidades do caso concreto aferidas pelo juiz da causa. Precedentes.

(Recurso Especial Eleitoral n. 22247, Acórdão, Relator Min. Dias Toffoli, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 08.11.2012). Grifei.

 

Além disso, a parte recorrente não logrou sequer tecer argumentos mínimos para justificar a pertinência e a necessidade da modalidade probante buscada, restringindo-se a afirmar que os documentos em que se baseou a decisão não correspondem à verdade dos fatos.

Assim, inexiste nulidade a ser declarada, razão pela qual rejeito a prefacial.

Do Mérito

Na questão de fundo, o presente recurso insurge-se contra a decisão que julgou improcedente a impugnação ao requerimento de transferência de domicílio eleitoral de DENISE GASPARIN DA ROSA para o Município de Caseiros.

Regulamentam a transferência de domicílio eleitoral os arts. 18 e 65 da Resolução TSE n. 21.538/03, verbis:

Art. 18. A transferência do eleitor só será admitida se satisfeitas as seguintes exigências:

I – recebimento do pedido no cartório eleitoral do novo domicílio no prazo estabelecido pela legislação vigente;

II – transcurso de, pelo menos, um ano do alistamento ou da última transferência;

III – residência mínima de três meses no novo domicílio, declarada, sob as penas da lei, pelo próprio eleitor (Lei nº 6.996/1982, art. 8º);

IV – prova de quitação com a Justiça Eleitoral.

(...)

Art. 65. A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

Insta ressaltar que o conceito de domicílio adotado, no que diz respeito à seara eleitoral, é mais amplo do que o relativo ao domicílio civil, admitindo-se sua demonstração por meio de vínculos de natureza familiar, afetiva, econômica, política, social ou profissional entre o eleitor e o município. 

Nesse sentido está consolidada a jurisprudência do TSE:

DIREITO ELEITORAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO DE SENADOR. PROCESSO DE IMPEACHMENT DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA. CONDENAÇÃO QUE SE LIMITOU À PERDA DO CARGO, SEM INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO PÚBLICA. NÃO INCIDÊNCIA DE CAUSAS DE INELEGIBILIDADE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

(...)

11. Hipótese em que preenchida a condição de elegibilidade do art. 14, § 3º, IV, da CF/1988, uma vez que a candidata constituiu domicílio eleitoral na circunscrição dentro do prazo exigido pela Lei nº 9.504/1997, sendo notório o vínculo familiar da candidata com a localidade. O conceito de domicílio eleitoral pode ser demonstrado não só pela residência no local com ânimo definitivo, mas também pela constituição de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes. Ademais, eventual irregularidade na transferência de domicílio eleitoral deveria ter sido suscitada em procedimento próprio, estando preclusa (arts. 57, 2º, e 71, I e III, do Código Eleitoral). Precedentes

(…)

(TSE, RO n. 060238825/MG, Relator Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 04.10.2018.) (Grifei.)

A despeito da elasticidade do conceito e do amplo espectro probatório admitido pela jurisprudência, a Justiça Eleitoral deve estar atenta para a indevida transferência em massa de eleitores com fins meramente eleitoreiros, altamente prejudicial ao processo eleitoral, principalmente em se tratando de eleições municipais em pequenas localidades, sob pena de deturpação do exercício da cidadania e de esvaziamento da legitimidade do voto.

No caso vertente, o recorrente sustenta que “inexiste vínculo que dê suporte a indicação de domicílio eleitoral do requerido em Caseiros”, bem como que “se trata de orquestração para comprometer a legitimidade do pleito eleitoral”.

Por sua vez, DENISE GASPARIN DA ROSA narra que, após ruptura de seus laços conjugais, passou a residir em Caseiros, com a família de Josemar Cecchin, no endereço informado em seu requerimento de transferência eleitoral, pretendendo, no futuro, buscar emprego e locar imóvel para residência própria. Esclarece que, atualmente, reatou seu relacionamento conubial, tendo retornado a residir com seu companheiro (ID 20434483). 

Suas alegações encontram-se instruídas com a conta telefônica em seu nome, emitida em abril de 2020, em que consta o endereço “Est. Capela Santantão, s/n., interior, Caseiros” (ID 20434033).

Ademais, da análise do aviso de recebimento (AR) correspondente à carta de citação n. 4/2020, direcionada ao endereço “Rodovia Federal 285, Km 218, n. 7300, São Luiz, Interior, Caseiros/RS”, verifica-se que o documento foi assinado pela própria eleitora (ID 20434733).

Ocorre que, reunidos os dezesseis recursos provenientes do Município de Caseiros sob a minha relatoria, foi possível constatar que, entre as operações cadastrais impugnadas, consta o alistamento do eleitor Cristiano Bordão Flores (REl 0600024-03.2020.6.21.0028), o qual declarou o mesmo endereço, qual seja, Rodovia Federal 285, Km 218, n. 7300, São Luiz, Interior, Caseiros/RS, alegando que trabalha e reside na propriedade rural de propriedade de Josemar Cecchin, como empregado.

Igualmente, observou-se que todos os ARs cumpridos pelos Correios, nos diferentes processos, foram assinados pelos eleitores sem qualquer incidente ou anotação, sugerindo que foram buscados no próprio posto da empresa, e não entregues em domicílio, como é comum em pequenas cidades do interior.

Diante da fragilidade e dubiedade da prova, entendi pela necessidade de maiores esclarecimentos sobre os fatos, razão pela qual, na forma do art. 938, § 3º, do CPC, determinei a expedição de ofício à Agência dos Correios de Caseiros para informar sobre a abrangência da entrega domiciliar de correspondência, bem como a realização de verificação in loco, por servidor da Justiça Eleitoral ou oficial de justiça, no endereço declarado (ID 41296583).

Atendidas as providências, o Gerente da Agência dos Correios de Caseiros prestou informação que confirma as evidências de que a eleitora não recebeu a citação por meio de entrega domiciliar, mas que compareceu pessoalmente à unidade dos Correios para a retirada da correspondência (ID 41871533):

Em resposta ao questionado referente ao ofício SJ/CORIP/SCCOP n. 031/2021, informo que devido ao fato da agência de Correios de Caseiros ser uma unidade unipessoal, sem contar com carteiro, somente há distribuição domiciliária em determinados trechos de determinadas ruas da área central/comercial do município, sendo essa realizada pelo próprio gestor da unidade. Todas as demais correspondências são consideradas “posta restante” devendo essas serem re6radas pelos des6natários presencialmente na agência. Esse é o caso da correspondência citada, endereçada ao interior, localidade essa que dista 4,5km da área urbana do município. Sendo assim, segundo consta em nossos arquivos e também no AR anexado ao ofício, confirmo que a própria destinatária retirou a referida correspondência presencialmente na agência, mediante assinatura e apresentação de documento de identidade.

 

Portanto, ao contrário do que inicialmente se poderia cogitar, a correspondência em questão não é apta a fazer prova sobre o domicílio de sua destinatária.

De seu turno, o oficial de justiça, após cumprimento da verificação no endereço informado, lançou certidão nos seguintes termos (ID 43954683):

CERTIFICO que, com observância das formalidades legais, empreguei as diligências necessárias para cumprimento desse mandado, contudo, não localizei Denise Gasparin Rosa. No Município de Caseiros fui informado de que não existe “Estrada São Luiz”. O que existe a Capela São Luiz, comunidade do interior do Município. Colhi informações com moradores dessa localidade, inclusive Agentes de Saúde que trabalham na região, porém todos disseram desconhecer Denise. Friso que nas residências do interior não existe uma sequência numérica, e pouquíssimas casas ostentam numeração. De qualquer forma, as pessoas com quem conversei não souberam dizer se Denise reside ou residiu no local, pois não o conhecem. Dou fé.

 

Diante desse conjunto de elementos, entendo que a fatura telefônica apresentada, embora seja, de rigor, documento formalmente idôneo à instrução do requerimento de transferência eleitoral, na hipótese concreta, não se mostra substancialmente hábil para o deferimento do pedido em tela, tendo em vista a ausência de outros documentos de confirmação e o resultado da diligência realizada.

Nessa linha, o art. 65 da Resolução TSE n. 21.538/03 mitiga a força probatório de contas de luz, água ou telefone quando houver fundada dúvida sobre a idoneidade do documento, cabendo ao juiz eleitoral exigir o reforço da prova ou determinar a verificação in loco, tal como se procedeu na espécie, porém sem êxito na comprovação do vínculo com a circunscrição.

Por pertinente, transcrevo o teor do dispositivo em comento:

Art. 65. A comprovação de domicílio poderá ser feita mediante um ou mais documentos dos quais se infira ser o eleitor residente ou ter vínculo profissional, patrimonial ou comunitário no município a abonar a residência exigida.

§ 1º Na hipótese de ser a prova de domicílio feita mediante apresentação de contas de luz, água ou telefone, nota fiscal ou envelopes de correspondência, estes deverão ter sido, respectivamente, emitidos ou expedidos nos 3 (três) meses anteriores ao preenchimento do RAE, ressalvada a possibilidade de exigir-se documentação relativa a período anterior, na forma do § 3º deste artigo.

§ 2º Na hipótese de ser a prova de domicílio feita mediante apresentação de cheque bancário, este só poderá ser aceito se dele constar o endereço do correntista.

§ 3º O juiz eleitoral poderá, se julgar necessário, exigir o reforço por outros meios de convencimento, da prova de domicílio quando produzida pelos documentos elencados nos §§ 1º e 2º.

§ 4º Subsistindo dúvida quanto à idoneidade do comprovante de domicílio apresentado ou ocorrendo a impossibilidade de apresentação de documento que indique o domicílio do eleitor, declarando este sob as penas da lei, que tem domicílio no município, o juiz eleitoral decidirá de plano ou determinará as providências necessárias à obtenção da prova, inclusive por meio de verificação in loco.

 

Na mesma linha, colho o entendimento da douta Procuradoria Regional Eleitoral:

De outra senda, nota-se que os documentos anexados ao pedido de transferência de domicílio eleitoral, por si só, não se mostram mais capazes de demonstrar a residência da eleitora no município, sobretudo diante da informação obtida pelo Oficial de Justiça, junto a moradores da localidade, inclusive com Agentes de Saúde da região, tendo todos informado que desconhecem a eleitora.

Com efeito, por meio das diligências realizadas, restou comprovada a ausência de domicílio eleitoral no município de Caseiros-RS.

 

Diante disso, é forçoso concluir que não há comprovação, de forma clara e indubitável, do vínculo da recorrida com o Município de Caseiros que autorizaria a transferência de seu domicílio eleitoral para a localidade.

 

Ante o exposto, VOTO por rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, pelo provimento do recurso para reformar a sentença ao efeito de indeferir o pedido de transferência de domicílio eleitoral de DENISE GASPARIN DA ROSA para o Município de Caseiros.