REl - 0600532-56.2020.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/10/2021 às 14:00

Sr. Presidente, eminentes colegas.

Divirjo, em parte, do voto do ilustre Relator, Des. Eleitoral Gerson Fischmann, esclarecendo, desde logo, que a divergência é única e se refere à configuração de abuso do poder econômico que, na esteira do parecer da Promotoria Eleitoral de 1º Grau, do Juízo de Origem e da Procuradoria Regional Eleitoral, não vejo configurado.

Entendo ausente gravidade nas circunstâncias do caso concreto, e assim me posiciono sobretudo com foco no postulado da proporcionalidade.

Aponto, no que toca aos requisitos legais do abuso de poder, que em 2010 houve o acréscimo, pela Lei Complementar n. 135, do inciso XVI ao art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 1990, com a determinação de que para a constatação do ato abusivo não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Na doutrina, ZILIO leciona que o abuso de poder se trata de conceito jurídico indeterminado (Direito Eleitoral, 2020. Salvador, JusPodivm, 7ª ed., p. 651), e Cavalcante Junior e Coêlho, fazendo referência a Canotilho, dizem que a gravidade das circunstâncias “bem se aproxima da definição de proporcionalidade e razoabilidade”, cabendo ao Judiciário a “verificação de adequação, necessidade e justa medida na aplicação da pena” (Cavalcante Junior, Ophir; Coêlho, Marcus Vinicius Furtado. Ficha limpa: a vitória da sociedade. Comentários à Lei Complementar 135/2010. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010, p. 23. Disponível em: http://www.oab.org.br/pdf/FichaLimpa.pdf).

Transcrevo lição dos autores:

Não é possível a punição por fato insignificante, sem relevo, desprovido de repercussão social. Gravidade advém do adjetivo latim “gravis”, que significa pesado ou importante. As circunstâncias são os elementos que acompanham o fato, suas particularidades, incluindo as causas. Diz respeito a como o ato foi praticado. No direito penal, as circunstâncias podem constituir ou qualificar o crime, como também agravar a pena a ser aplicada. A reincidência e a prática do delito por uso do poder de autoridade são circunstâncias previstas no art. 61 do Código Penal. Tem a pena agravada, nos termos do art. 62 do CP, quem possui a função de direção, indução ou coação para a prática criminosa. Trata-se de normas do direito positivo que podem ser utilizadas como referência de interpretação por analogia, conhecida regra de integração da norma jurídica.

 

Nessa ótica as circunstâncias, portanto, dizem respeito ao quem, ao como, ao onde, ao quanto, ao quando, aos motivos, às causas e à intensidade que dão proporção à prática do ato.

Aliás, antes mesmo da modificação legislativa de 2010 o Tribunal Superior Eleitoral já exigia a relevância jurídica da conduta, trazendo fundamentações calcadas na proporcionalidade para eventual condenação à cassação do diploma: refiro-me ao RCED n. 723/RS, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 18.9.2009; RO 1537/MG, rel. Min. Felix Fischer. DJe de 29.8.2008 e ao RCED n. 755/RO, rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe 28.9.2010, no qual restou asseverada a importância “da seriedade e da gravidade da conduta imputada, à vista das particularidades do caso”.

No que toca à proporcionalidade, alentado estudo de Humberto Ávila traz os seus possíveis significados daquilo que entende como um dever estatal e não conceitua a proporcionalidade como um princípio, mas sim como um “postulado normativo aplicativo” e, dentre as suas funções, indica a de proibição de excesso da lei relativamente ao seu fim, e o da racionalidade da decisão judicial.

Sublinho:

“É exatamente do modo de solução da colisão de princípios que se induz o dever de proporcionalidade. Quando ocorre uma colisão de princípios é preciso verificar qual deles possui maior peso diante das circunstâncias concretas. (...) No plano abstrato, não há uma ordem imóvel de primazia”, de forma que o dever de proporcionalidade deve ser definido como um “dever resultante de uma implicação lógica do caráter principal das normas”. (A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico. Ano I, Vol. I, n. 4, julho de 2001. Salvador).

Nesse norte, é via a aplicação da proporcionalidade nesta colisão entre (1) a defesa da normalidade e legitimidade das eleições e (2) a manutenção do resultado expressado pelos eleitores nas urnas que penso deva surgir a solução para o presente caso.

Transcrevo o elucidativo resumo dos testemunhos realizado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral, antes de se posicionar no sentido de que as testemunhas arroladas na inicial não corroboram a alegação da existência do abuso de poder econômico:

A testemunha Emili Sampaio de Araújo (IDs 39750633, 39750683 e 39750733) declarou em Juízo que é uma das voluntárias da Amo Bicho e que, no dia 29.09.2020, criou a página na rede social Facebook, porque a página anterior há muito estava desativada. Afirmou que a candidata MÁRCIA foi “marcada” na página porque, além de ser uma das voluntárias, dedica-se à causa de proteção de animais há mais de 2 anos.

Asseverou que MÁRCIA jamais participou das ações desenvolvidas pela Amo Bicho durante o período de campanha. Referiu que, em uma das postagens, rebateu uma crítica dirigida à Márcia dizendo que “se” ela prometeu algo ela vai cumprir, mas, em nenhum momento, quis dizer que Márcia teria prometido algo. Mencionou que auxiliou na campanha mostrando o trabalho desenvolvido pela candidata na causa animal, ressaltando, inclusive, que, após a eleição, a página Amo Bicho segue ativa, ainda havendo apoio a castrações coordenadas por Carla Fabiana Cassales Maia.

Sheila Cristiane Dávila Ripol (IDs 39750433 e 39750533) afirmou que a ONG Amo Bicho Uruguaiana auxiliava as pessoas nas castrações, custeadas por eventos promovidos pela entidade. Mencionou que MÁRCIA FUMAGALLI, Carla Maia e a declarante são “marcadas” seguidamente em postagens envolvendo questões de animais, salientando ter sido “marcada” em uma postagem de Elisabete Nunes em que solicitada castração de um animal. Asseverou que não verificou se houve promessa de castração gratuita ou com desconto por parte da ONG, tampouco viu postagens da Márcia prometendo algum tipo de tratamento em troca de voto.

Giovane Antunes Delcastagné (ID 39750783) disse que é médico veterinário e que os serviços prestados para a ONG Amo Bichos sempre foram acertados e pagos exclusivamente por Carla Maia. Asseverou que não viu na página oferta de desconto de 50% para o serviço de castração, e que não se recorda se havia cunho político eleitoral nas ações da ONG vinculando o nome da candidata Márcia. Referiu que não sabe ao certo, mas acredita que foram efetuadas em torno de 15 a 20 castrações para a ONG no período de setembro a novembro de 2020, afirmando, inclusive, que não concedia descontos e que cobra R$ 100,00 a R$ 150,00 por castração. Mencionou que tem conhecimento de que a ONG pagava a metade de seus honorários por cada animal que era encaminhado para castração.

Erivelton Fragoso da Costa (ID 39750833) informou que sua esposa entrou em contato com a Amo Bicho no dia 21.06.2020 porque a cadela que o declarante adotou em data anterior deu cria. Referiu que entrou em contato diretamente com MÁRCIA, via WhatsApp, e ela lhe prometeu auxiliar na doação dos filhotes, bem como na castração e fornecimento de vermífugos, sem, contudo, cumprir o prometido. Disse que não se recorda se houve oferta de descontos ou gratuidade nas castrações durante o período de campanha. Asseverou que foi abordado por cabos eleitorais da candidata Márcia, dentre elas Carla Maia, no calçadão da cidade com solicitação de voto, tendo dito que não votaria em MÁRCIA, porque não cumpriu com sua promessa, quando os cabos eleitorais referiram que deveriam ter falado com elas porque o pagamento seria realizado por MÁRCIA, mas não poderia aparecer em razão do período eleitoral. Que nas conversações com sua esposa MÁRCIA não efetuou pedido de voto. Ressaltou que, quando MÁRCIA ofereceu auxílio, esta não referiu que seria candidata ou que solicitava voto. Questionado pelo juízo, tornou a referir que a cabo eleitoral Carla Maia disse que MÁRCIA não queria aparecer como responsável por custear as castrações em razão do período eleitoral e que o depoente não espalhasse essa notícia. Mencionou, ainda, que MÁRCIA milita na causa animal mesmo antes do período eleitoral.

Carla Fabiana Cassales Maia (ID 39750883 e 39750933) afirmou que é voluntária ativista da causa animal, e que a página em rede social Amo Bicho foi criada para ajudar nas castrações de animais, especialmente os de rua. Disse que a foto da candidata MÁRCIA foi incluída na página para homenageá-la, mas sem a autorização dela, salientando que diversas pessoas eram “marcadas” na página. Asseverou que a candidata MÁRCIA nunca ajudou financeiramente para o serviço oferecido de castração, o qual não era gratuito e sim pago com o valor obtido por meio de venda de rifas efetuadas pelas pessoas interessadas, bem como venda de camisetas e docinhos. Ressaltou que jamais esteve em visita pela ONG fazendo campanha para a candidata MÁRCIA, salientando que a ONG é uma união de pessoas que militam na causa animal, não tendo personalidade jurídica. Mencionou que a Amo Bicho possui cerca de 700 colaboradores (apadrinhamentos). Referiu que o representante Luís Fernando a convidou para que fosse seu cabo eleitoral, mas não aceitou porque estava estudando para concurso público. Enfatizou que o movimento em prol dos animais denominado Amo Bicho existe desde 2015 ou 2016, sendo que a página na rede social já existia há tempos e que permanece ativa após as eleições. Negou que tenha tido conversa com o eleitor Erivelton.

 

Destaco o fato de que as testemunhas foram arroladas pela parte autora.

Da prova testemunhal concluo que MÁRCIA PEDRAZZI FUMAGALLI é pessoa reconhecida como ativista dos direitos dos animais na cidade de Uruguaiana, e foi uma das criadoras, há alguns anos, da associação de fato “Amo Bicho”, que existe desde 2015/2016 e conta atualmente com certa de 700 colaboradores. Ainda, a entidade, nos meses de setembro a novembro de 2020, arcou com metade dos custos de 15 a 20 castrações realizadas pelo médico veterinário Giovane Antunes Delcastagné e o profissional afirmou sempre receber valores diretamente da ONG, cobrando entre R$ 100,00 a R$ 150,00 a cada procedimento, e negou qualquer liame eleitoral no trabalho prestado.

À frente dos atos de pagamento ao veterinário esteve Carla Fabiana Cassalles Maia, que seria a coordenadora das castrações, conforme Emili Sampaio de Araújo, pessoa que criou a página Amo Bicho Uruguaiana ao final de setembro de 2020, pois a página antiga, com alguns anos, estava desativada.

O valor, portanto, que a “Amo Bicho” pode ter subsidiado nas castrações varia do patamar mínimo de R$ 750,00 (50% de 15 castrações ao preço de R$ 100,00) ao teto de R$ 1.500,00 (50% de 20 castrações ao preço de R$ 150,00). A receita indicada, nos testemunhos, para a realização de tais pagamentos foram os eventos promovidos pela entidade, carnês de pagamento e venda de camisetas.

Lembro que se está a tratar da análise de prática de abuso de poder econômico, e a média de contribuição necessária para o pagamento das castrações seria pouco superior a R$ 2,00 (dois reais) por colaborador da “Amo Bicho”, isso em um período de 60 dias.

Ademais, a candidata MÁRCIA obteve 899 votos e, repito, foi uma das criadoras, cerca de cinco anos atrás, de uma organização que atualmente conta com cerca de 700 colaboradores (apadrinhadores).

No que se refere à atividade na rede social Facebook, observo que as poucas postagens realizadas (como indicado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral) receberam baixos números de repercussão – uma média de 20 “curtidas”, com um máximo de 63; média de 5 comentários, com um máximo de 11 e algumas com apenas dois comentários. Os compartilhamentos acompanham a modesta reverberação, com média de 5 e situações em que a postagem não foi compartilhada.

Não há gravidade das publicações, portanto, seja sob o aspecto quantitativo, seja sob o prisma qualitativo e, destaco, ainda, que elas não foram objeto de impulsionamento.

Aqui, lembro aos colegas da profusão, da cotidiana avalanche de postagens nas redes sociais a que os usuários são submetidos, inclusive com agravamento no período eleitoral, de modo que as manifestações no Facebook, quer da “Amo Bicho”, quer da candidata, não possuem relevo no contexto da competição do pleito para afetar normalidade da eleição ou legitimidade do resultado.

Entendo – e concordo – com o posicionamento do d. Relator, na indicação de que não podemos ser ingênuos, desacreditar nas manobras abusivas que deturpem o processo democrático de escolha de representantes e tenho que é este, exatamente, o ponto: o contexto probatório não alcança minimamente, na minha percepção, o patamar semântico utilizado pela legislação de regência. Veja-se: “abuso de poder”, “gravidade das circunstâncias”, “normalidade e legitimidade do pleito”, expressões extremadas, utilizadas para enquadrar situações em sanção também radical, a cassação de diploma, sem modulação.

O panorama probatório indica a exaltação de uma trajetória pessoal na defesa de determinada causa, com o intuito de fazer repercutir a candidatura em pessoas que já conheciam o trabalho de MÁRCIA não apenas na “Amo Bicho”, mas também à frente da Secretaria de Meio Ambiente nos anos de 2017 e 2018; Diretora de Escola de Arte e Diretora de Proteção Animal da ANAMMA RS, também nos anos de 2017 e 2018 – tais atividades foram tão destacadas nos posts da candidata quanto a atuação na “Amo Bicho”, e demonstram não se tratar de um comportamento oportunista praticado apenas com vistas ao período eleitoral de 2020.

Nesse norte, merece citação o seguinte excerto do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

As publicações em redes sociais não evidenciam tenha a candidata efetivamente ofertado benesses em troca de voto a eleitor ou eleitora determinado.

Ademais, restou comprovado que ONG em realidade de resume a um movimento “de fato”, sem personalidade jurídica, composto por pessoas afetas à proteção dos animais, incluindo dentre suas atividades a castração a fim de evitar o aumento da população animal de rua, tendo existência desde período muito anterior ao início do período eleitoral. (…) Como se pode perceber as testemunhas não apontam efetiva compra de votos em troca de favores ou vantagens, seja de forma direta ou indireta por parte da candidata ou suas apoiadoras.

O que se tem nos autos evidencia que apoiadoras da campanha da candidata buscaram evidenciar seu trabalho frente à causa animal, mas não há provas de que tenha condicionado o atendimento dos serviços da “ONG” com a necessidade de voto na candidata Márcia Fumagali.

 

Ademais, no relativo às postagens da “Amo Bicho”, indico um dos fundamentos utilizados na sentença de improcedência, o art. 57-C da Lei n. 9.504/97, em trecho que igualmente reproduzo:

Ainda que seja inegável e até incontroversa a vinculação da investigada com o movimento Amo Bicho Uruguaiana/RS, o que foi evidenciado já a partir da prova documental juntada aos autos, tal fato, por si só, não se consubstanciasse em um ilícito eleitoral. Da mesma forma, o apoio recebido pela investigada por parte das pessoas que com ela participavam do movimento Amo Bicho também não o é, sendo até mesmo garantido pelo art. 5º, IV da CF e, especificamente, 57-D da Lei das Eleições:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.       

Conforme esclareceu a prova testemunhal, a investigada sempre militou na seara da defesa dos animais, auxiliando, antes do período eleitoral e também depois dele questões relacionadas a tal tema, como castrações. 

 

Destaco, por outro lado, a fragilidade da prova acusatória.

O eleitor Erivelton, que teria sido o pivô da denúncia contra MÁRCIA, conforme o recorrente LUÍS FERNANDO, não trouxe em seu depoimento em juízo sequer um elemento mínimo a caracterizar ilícito eleitoral. Sobre tais circunstâncias transcrevo, novamente, trecho da bem lançada sentença:

O investigante Luís Fernando, em seu depoimento pessoal, alegou só ter ajuizado a ação depois da campanha por só ter tomado conhecimento da compra de votos em uma festa, depois do pleito, por meio da testemunha Erivelton, o qual teria dito que a investigada teria comprado votos por meio do patrocínio de procedimentos de castração. Relatou, a partir de então, ter descoberto a criação da ONG, em 29/09/2020, por uma assessora da investigada, meio pelo qual as benesses seriam distribuídas.

(...)

A testemunha Erivelton Fragoso da Costa, afirmou que sua esposa entrou em contato com o Amo Bicho para promover a doação de animais paridos de uma cadela que ele e a esposa haviam recolhido da rua já prenha. Narrou que esse contato se deu em 21/06/2020. Nesta oportunidade, Márcia teria prometido auxiliar na doação dos animais, bem como na castração e fornecimento de vermífugos, o que não teria sido cumprido, no que se refere à entrega dos medicamentos e a castração. Não recordou acerca de oferta de descontos ou gratuidade nas castrações durante o período de campanha eleitoral. Afirmou ter sido abordado por cabos eleitorais de Márcia, dentre elas Carla, um dia, no calçadão da cidade.

As apoiadoras de Márcia teriam solicitado o voto na investigada, tendo, então, ele dito que não votaria em Márcia, porque ela não cumpriu com sua promessa, foi, então que os cabos eleitorais referiram que ele deveria ter falado com elas porque o pagamento dos serviços de castração seria realizado por Márcia, mas não poderia vir à público em razão do período eleitoral. Afirmou que Márcia não pediu voto para a esposa dele, tampouco referiu que seria candidata. Informou que Márcia militava na causa animal mesmo antes do período eleitoral.

(...)

Como se percebe, o que ficou comprovado pela prova testemunhal é que a investigada é uma militante da causa animal, tendo explorado tal histórico de vida na campanha, o que é legítimo.

(...)

Somente Erivelton é quem teria feito alusão a compra de voto, ressaltando que, segundo o investigante, teria sido esta testemunha quem teria lhe motivado a interpor a demanda. Não obstante, quando ouvido em juízo, o que Erivelton relatou que, antes do período eleitoral, em junho do ano passado, teria sido sua esposa quem teria tomado a iniciativa de pedir ajuda a investigada por conta de uma cadela que havia dado cria, sendo que, a rigor, não obteve ajuda com a castração.

Durante a campanha eleitoral, a testemunha só fora abordada, em via pública, como qualquer outro eleitor, tendo, então, reclamado de não ter sido ajudado pela investigada, sendo que, neste momento, é que as correligionárias da investigada teriam feito a menção que ele deveria ter procurado aquela.

Ora, tal situação não configura a "compra" de votos, o abuso de poder político que o investigante tentou caracterizar. A uma, porque não foi Márcia quem foi procurada para realizar a castração; a duas porque a ajuda prometida pela candidata se deu antes do período eleitora; a três porque, a rigor, durante o período eleitoral o benefício não foi oferecido ao eleitor, tendo apenas os cabos eleitorais sugerido o que, hipoteticamente, deveria ter o eleitor feito, diante da constrangedora situação manifestada por ele quando abordado em ato típico de campanha.

De que forma o for, ainda que se queira ver a atuação da investigada no movimento Amo Bicho como uma forma de distribuição de benesse, não há nada nos autos que ateste, de forma segura, em conformidade com um standart probatório exigido para a alteração do resultado do processo eleitoral, que a investigada atuou com dolo, com o fim de obter ilicitamente votos no último processo eleitoral, conforme exige o art. 41-A, § 1º da Lei das Eleições. Destarte, o julgamento de improcedência se impõe.

 

Ainda acerca do testemunho de Erivelton, a consideração da Procuradoria Regional Eleitoral:

Vê-se, portanto, que as testemunhas arroladas na inicial, Emily Sampaio, Sheila Ripoll, Carla Maia e Erivelton Fragoso, em nenhum momento, afirmam que a candidata MÁRCIA ofereceu benesses aos eleitores. Merece destaque o fato de Erivelton Fragoso, única testemunha arrolada pelo representante que não participava da ONG Amo Bicho, ter afirmado em Juízo que, na conversa realizada via WhatsApp no dia 21.06.2020, MÁRCIA não pediu voto ou referiu que seria candidata no momento em que lhe prometeu auxílio na doação dos filhotes da cadela adotada, bem como na castração e fornecimento de vermífugos. (vide ID 39750833, a partir de 07:47)

É dizer, não há prova nos autos que, indene de dúvida, corrobore a alegação do representante de que a investigada abusou do seu poder econômico e dos meios de comunicação social para oferecer qualquer tipo de vantagem a eleitores com o fim de obter voto.

Saliente-se que eventuais mensagens de apoio à candidatura da investigada, realizadas pelas integrantes do movimento “Amo Bicho Uruguaiana”, em número bastante limitado, diga-se de passagem, pode no máximo suscitar dúvida quanto à existência do ilícito, o que, contudo, não é suficiente para a condenação, em virtude da aplicação no processo eleitoral do princípio in dubio pro suffragii.

(...)

Conforme esclareceu a prova testemunhal, a investigada sempre militou na seara da defesa dos animais, auxiliando, antes do período eleitoral e também depois dele questões relacionadas a tal tema, como castrações.

(...)

 

Portanto, concluo que a hipótese dos autos não possui a relevância jurídica necessária para aplicação da pena de cassação de mandato, pois não há gravidade das circunstâncias e seria desproporcional a condenação da recorrida, já que o bem jurídico protegido não foi maculado profundamente, até mesmo porque o TSE exige que o abuso de poder econômico ocorra pelo uso exorbitante de recursos patrimoniais (AgRg-REspe n. 105717/TO, julgado em 22.10.2019) e a situação dos autos não denota exorbitância.

O sancionamento relativo às hipóteses de abuso se dá da forma “tudo ou nada”, em solução do legislador: ou há a cassação e declaração de inelegibilidade, ou a absolvição. Não há multa, como por exemplo nas hipóteses de prática de condutas vedadas, e concluo que o legislador reservou a sanção para situações realmente extremas.

Entendo não serem elas as postagens de Facebook constantes nos autos, até mesmo porque os testemunhos vão em sentido oposto, como bem destacou a Procuradoria Regional Eleitoral:

Neste cenário, não há evidencias de que a conduta das apoiadoras ou da então candidata tenha causado desequilíbrio ao pleito, à normalidade ou legitimidade das eleições. Ainda, a proporcionalidade e razoabilidade deve nortear a análise da conduta frente às graves consequências do julgamento procedente do presente feito eleitoral, assim sendo, a exposição da candidata, com vinculação ao grupo de pessoas apoiadoras da causa animal, sem que haja provas de que efetivamente ofertou os serviços em troca de votos, não se reveste de gravidade tamanha a ponto de afastar-lhe do cargo eletivo conquistado democraticamente nas urnas.

Portanto, não há prova segura de que a investigada praticou ou foi beneficiada por captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder econômico, tal como entendeu a Promotoria Eleitoral e o Magistrado sentenciante, restando, no mínimo, dúvida a respeito da prática dos ilícitos eleitorais o que, como já referido, atrai a incidência do princípio in dubio pro suffragii.

Nesse sentido, a vontade do eleitor expressa nas urnas configura manifestação do princípio democrático, basilar na República Federativa do Brasil e pressuposto do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, as sanções de cassação do diploma e inelegibilidade previstas no inc. XIV do art. 22 da LC 64/90 para os casos de abuso de poder devem consistir em exceção, ultima ratio no processo eleitoral, e somente diante da ocorrência de condutas graves, e substanciosamente comprovadas, viáveis a comprometer a normalidade e legitimidade do sufrágio. Destarte, o desprovimento do recurso é medida que se impõe.

 

Ainda, em vista de que demandas como a sob exame são guiadas por conceitos indeterminados, quer jurídicos (abuso de poder), quer valorativos (gravidade das circunstâncias), entendo por dar maior relevo à percepção do magistrado da origem, que possuiu o efetivo contato com aquele tecido social, viveu a eleição, conviveu com candidatos e eleitores, presidiu a eleição sob o viés administrativo e prestou jurisdição com maior proximidade temporal e física.

Ou seja, alinho-me ao Juízo sentenciante e à Procuradoria Regional Federal e prestigiar o resultado das urnas, ao negar gravidade aos atos praticados.

 

Diante do exposto, com a vênia do r. Relator, VOTO para negar provimento ao recurso.