REl - 0600306-84.2020.6.21.0046 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/10/2021 às 14:00

VOTO

As contas foram desaprovadas em razão do recebimento de recursos de origem não identificada, no total de R$ 2.865,00, e da extrapolação do limite de autofinanciamento no valor de R$ 506,24.

Quanto à primeira irregularidade, o extrato bancário apresenta quatro depósitos em dinheiro nos valores de R$ 1.000,00, R$ 1.000,00, R$ 750,00 e R$ 115,00, realizados em 30.11.2020, cujo depositante foi identificado com o CPF do próprio candidato, em contrariedade ao art. 21, inc. I, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,09 para depósitos bancários em espécie:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

§ 6º É vedado o uso de moedas virtuais para o recebimento de doações financeiras.

Embora os comprovantes de depósitos apontem como doador o CPF do próprio candidato, está correta a conclusão do juízo a quo no sentido de que o recurso não está com a origem devidamente identificada, conforme reiteradamente têm decidido esta Corte e o TSE:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. SENADOR E SUPLENTE. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. DOAÇÃO FINANCEIRA EFETUADA ATRAVÉS DE DEPÓSITO BANCÁRIO ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. OMISSÃO DE DESPESA. IRREGULARIDADES RELATIVAS AO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Doações financeiras, mediante depósitos sucessivos em dinheiro, realizadas pelos mesmos doadores, nas mesmas datas, cuja soma ultrapassa o limite legal para depósitos em espécie previsto no arts. 22, §§ 1º e 2º, e 34, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17. As contribuições financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser efetivadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário, com a obrigatória identificação do primeiro. Eventuais doações sucessivas, realizadas por um mesmo doador, em uma mesma data, devem ser somadas para fins de aferição do limite regulamentar. Posicionamento firme do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o depósito, mesmo no caso de ser identificado, é meio incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória do ato. A ausência de comprovação segura do doador caracteriza o recurso como de origem não identificada, cujo valor correspondente deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 22, § 3º, e 34, caput, da Resolução TSE n. 23.553/17. (Prestação de Contas 0602017-39.2018.6.21.0000 - Porto Alegre – TRE/RS. Relator: Roberto Carvalho Fraga). (Grifei.)

Tal exigência normativa visa assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso, como no presente caso.

Ainda que o prestador alegue equívoco no procedimento em face do desconhecimento da legislação, o fato de os comprovantes de depósito estarem identificados com o seu CPF não afasta a irregularidade, devido ao comprometimento da confiabilidade e transparência da movimentação financeira.

Ressalto que, na sessão de 13.12.2019, quando do julgamento da prestação de contas da campanha de 2018 da candidata ao cargo de senadora Carmen Flores, processo PC  0602017-39.2018.6.21.0000, da relatoria do Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, o TRE-RS filiou-se ao entendimento, consolidado no âmbito do TSE, de que o depósito em dinheiro acima do limite legal caracteriza os recursos como de origem não identificada, mesmo quando indicado o CPF. 

O raciocínio é que o descumprimento da exigência de transferência bancária ou de cheque nominal cruzado não fica suprido pela realização de depósito em espécie identificado por determinada pessoa, circunstância que não se mostra apta para comprovar a efetiva origem do valor devido à ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário.

Essa diretriz foi firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral, segundo o qual o depósito em dinheiro igual ou acima de R$ 1.064,10, mesmo no caso de ser identificado por CPF, é meio incapaz de comprovar a efetiva origem da receita devido à natureza essencialmente declaratória do ato:

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.
1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.
2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.
3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.
4. Concluir em sentido diverso especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.
5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes.
6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.
7. Agravo regimental desprovido.
(TSE – AgR-REspe n. 251-04, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69.)

 

Ademais, cabe ressaltar que não está sob julgamento a boa-fé do prestador, a potencialidade de desequilíbrio do pleito ou a eventual prática de abuso de poder econômico, mas tão somente o descumprimento de norma que deve ser observada por todos os candidatos.

Cumpre consignar que merece ser indeferido o pedido de que o recolhimento de valores se limite à quantia excedente ao primeiro depósito, realizado em 30.11.2020, no valor de R$ 1.000,00. Conforme entendimento consolidado deste Tribunal, em caso de infringência ao limite de depósitos em espécie, o recolhimento se dá de forma integral:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE. CONTA-CORRENTE DE CAMPANHA. DOADOR ORIGINÁRIO. NÃO IDENTIFICADO. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO NEGADO. ELEIÇÕES 2016. 1. As doações de pessoas físicas em valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente são permitidas na modalidade de transferência eletrônica direta. No caso, o candidato depositou em conta bancária de campanha quantia acima do limite legal, em desacordo com o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. 2. A identificação da irregularidade acarreta a penalidade de recolhimento integral da quantia arrecadada ao Tesouro Nacional, nos termos do § 3º do citado dispositivo. Provimento negado.

(TRE-RS - REl n. 20164 MOSTARDAS - RS, Relator: DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 05.9.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 161, Data: 08.9.2017, p. 5.)

Desse modo, as razões recursais e a documentação acostada ao recurso são insuficientes para sanar a irregularidade em questão.

Registro que, diferentemente de outros casos apreciados pela Corte, não há, nestes autos, indícios que possam lastrear a origem dos depósitos de R$ 2.865,00 na conta bancária pessoal do candidato.

Entretanto, merece ser afastada a segunda irregularidade verificada nas contas, referente ao excesso de autofinanciamento de campanha no valor de R$ 506,24. Neste ponto, observo que, apesar de o art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19 prever a cominação de multa de até 100% da quantia excedente caso o limite seja ultrapassado, a penalidade não foi  imposta ao candidato na sentença.

O juízo a quo considerou que, em razão de o valor aplicado com origem em recursos próprios integrar os recursos de origem não identificada constatados nas contas, a aplicação da sanção de multa caracterizaria bis in idem.

Na hipótese, tendo em conta que os depósitos em dinheiro realizados na conta bancária caracterizam recursos de origem não identificada, devendo ser recolhidos ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19, não há como considerar que a quantia tem origem em recursos próprios para fins de aferição do limite de autofinanciamento.

Ora, recursos de origem não identificada não podem ser concomitantemente equivalentes a recursos próprios.

Por essa razão, afasto a segunda falha apontada na sentença.

Por fim, descabe ao recorrente apresentar insurgência quanto à determinação  de remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Eleitoral para abertura de investigação judicial, pois não há prejuízo nesse ponto, uma vez que o referido órgão tem competência para a apuração de ilícitos eleitorais e o ajuizamento de eventuais ações.

Nesses termos, o recurso comporta provimento parcial, dado que remanesce somente a irregularidade de R$ 2.865,00, quantia que representa 44,34% das receitas financeiras, no montante de R$ 6.460,11, não sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas, pois a falha é grave e compromete de forma insanável a confiabilidade da movimentação financeira.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para manter a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 2.865,00 ao Tesouro Nacional, mas afasto a falha relativa ao excesso de autofinanciamento de campanha, nos termos da fundamentação.