REl - 0600357-24.2020.6.21.0005 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/10/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Juntada de documentos em grau recursal

Ainda em sede preliminar, cumpre analisar a viabilidade da juntada de documentos com o recurso em prestação de contas.

Sobre o tema, este Tribunal Regional, sempre em juízo de exceção, tem se pautado pela potencialização do direito de defesa no âmbito dos processos de prestação de contas, especialmente quando se trata de documento simples que dispense a necessidade de nova análise técnica ou de diligências complementares, não apresentando prejuízo à tramitação processual.

O posicionamento encontra respaldo no art. 266 do Código Eleitoral e está amparado pela reiterada jurisprudência deste Tribunal, conforme ilustra a ementa da seguinte decisão:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINARES. EFEITO SUSPENSIVO. NÃO CONHECIDO. DOCUMENTOS NOVOS EM GRAU RECURSAL. POSSIBILIDADE. MÉRITO. DOAÇÃO. OMISSÃO DE RECEITAS E GASTOS ELEITORAIS. COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO. APROVAÇÃO DAS CONTAS.

1. Preliminares. 1.1. Enquanto houver recurso pendente de análise jurisdicional, a sentença não gera qualquer restrição à esfera jurídica da parte, de modo que, conferido de forma automática e ex lege, não se vislumbra interesse no pleito de atribuição judicial de efeito suspensivo ao recurso. Não conhecimento. 1.2. Admitida a apresentação extemporânea de documentação, em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral. Cabimento de novos documentos, não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura puder sanar irregularidades e não houver necessidade de nova análise técnica.

2. Mérito. No caso dos autos, as falhas foram corrigidas pela documentação acostada, com a comprovação das doações, de forma a coincidir com a arrecadação dos valores oriundos das Direções Municipal e Estadual da agremiação, bem como pela compatibilidade das declarações de doador e candidata. Irregularidades sanadas. Confiabilidade e transparência das contas de campanha da candidata que não restaram comprometidas. Aprovação.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n 37503, ACÓRDÃO de 07/03/2018, Relator(a) DR. JAMIL ANDRAUS HANNA BANNURA, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data 09/03/2018, Página 2) (Grifei.)

Esclareço que não houve manifestação da recorrente sobre a análise técnica durante a instrução probatória, oportunidade para a impugnação dos apontamentos, e que nova procuradora foi constituída para a apresentação do recurso.

Não tendo havido alegação de qualquer nulidade na marcha processual no 1º Grau, os documentos apresentados após o julgamento monocrático serão considerados estritamente dentro dos parâmetros fixados nos precedentes deste Tribunal Regional.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidata ao cargo de vereador, relativa às eleições do ano de 2020.

A sentença que desaprovou as contas reconheceu: a) omissão de gastos no valor total de R$ 691,21 (seiscentos e noventa e um reais e vinte e um centavos), o que foi apurado com base no confronto com notas fiscais eletrônicas emitidas contra o CNPJ da prestadora; b) divergência entre registro de gasto com impulsionamento e valor constante em nota fiscal no montante de R$ 43,50 (quarenta e três reais e cinquenta centavos); c) ausência de comprovante do gasto realizado com João Antônio Ramos Ibarra – R$ 300,00 (trezentos reais); d) utilização do valor de R$ 759,06 (setecentos e cinquenta e nove reais e seis centavos) para pagamento de despesa de combustível para veículo não arrolado na contabilidade; e e) emissão de cheques não cruzados no valor de R$ 1.018,94 (mil e dezoito reais e noventa e quatro centavos); o que acarretou a determinação de recolhimento do valor de R$ 2.812,71 (dois mil, oitocentos e doze reais e setenta e um centavos) ao Tesouro Nacional.

Inicio pela questão dos indícios de ausência de capacidade econômica para doação.

No ponto, a sentença consignou sobre este item 1 que:

Por meio do cruzamento entre o Sistema de Prestação de Contas Eleitorais – SPCE e a base de dados MACIÇA/CNIS/RAIS, identificou-se doações no valor total de R$5.850,00, as quais foram realizadas por pessoa física com renda formal incompatível com as doações.

Intimada, a prestadora não se manifestou. Apesar disso, até a presente data, o Ministério Público Eleitoral não comunicou indício de irregularidade, nos termos do artigo 91 da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Mais adiante na decisão, o juiz eleitoral apontou que os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional referem-se à "ausência de comprovação dos gastos realizados com recursos do FEFC e/ou a inconformidade dos comprovantes de pagamento, nos termos do artigo 79, § 1º, Resolução TSE n. 23.607/2019” e, ainda, que “os apontamentos dos itens 2 e 3 comprometeram a regularidade das contas”.

Tendo isso em conta, tenho que o juiz eleitoral não considerou o item 1 – indícios de ausência de capacidade econômica para doação – como mácula na contabilidade, uma vez que o Ministério Público Eleitoral não teria comunicado a suspeita de irregularidade.

Assim sendo, como a sentença deu por superado o apontamento da análise técnica relativo às doações de R$ 5.850,00 (cinco mil, oitocentos e cinquenta reais), não tendo havido recurso do parquet quanto ao ponto, não resta interesse na discussão da tese trazida no recurso da candidata, uma vez que seu exame não lhe traria qualquer resultado prático.

Passo à análise das irregularidades pertinentes às notas fiscais – item 2 da sentença.

Mediante procedimento de circularização, foram verificadas omissões de despesas no valor de R$ 692,21 (seiscentos e noventa e dois reais e vinte e um centavos) e divergência, para menos, no valor pago a título de impulsionamento, na quantia de R$ 43,50 (quarenta e três reais e cinquenta centavos).

A recorrente sustenta que “por um lapso esqueceu e realizou os pagamentos em espécie de seu próprio bolso. Razão pela qual constou como dados omitidos”, e que “em nenhum momento a candidata agiu com má-fé, mas sim por um lapso de memória, tendo em vista o calor da emoção de um pleito eleitoral”, admitindo ainda que não foram juntados os recibos do impulsionamento.

Na hipótese, não há nenhuma controvérsia sobre a omissão das despesas (ou de parte delas, no que toca ao impulsionamento) na contabilidade e sobre sua quitação com recursos que não transitaram pela conta bancária de campanha.

Tratando-se de imposições objetivas – registro de todas as despesas e trânsito de valores pelas contas de campanha, não há como acolher a tese de ausência de má-fé de forma a afastar as irregularidades, uma vez que estas máculas são consideradas graves e detêm capacidade para comprometer as contas.

Finalmente, quanto ao item 3 – exame de regularidade de despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – a recorrente junta documentos que comprovariam os gastos – contratos de prestação de serviços e contrato de cessão de uso gratuito de veículo – e esclarece que, a fim de dar celeridade aos pagamentos, deixou de observar a exigência de cheque cruzado.

A fim de evitar tautologia, colho trecho do bem-lançado parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Nesi Venzon, que adoto como razões de decidir:

A prestadora traz, em seu recurso, contrato de prestação de serviços efetivado com João Antonio Ramos Ibarra (ID 24348433, fls. 1-2). Contudo, as informações nele constantes não suprem a exigência de especificação das atividades executadas prevista no § 12 do art. 35 da precitada Resolução, uma vez que consta como seu objeto (Cláusula I), de maneira genérica, “a prestação de serviços, pelo(a) CONTRATADO(A) de tarefas ou atividades conforme cronograma ou necessidade do(a) CANDIDATO(A) durante a Campanha Eleitoral”. A mesma redação se verifica no tocante ao “Contrato de Prestação de serviços remunerados por Prazo Determinado para fins de campanha Eleitoral” celebrado com Marisete Figueira da Silva (ID 24348483, fls. 6-7).

Ou seja, claramente percebe-se que inexiste informação precisa sobre a natureza das tarefas ou atividades a serem desempenhadas pelos contratados, circunstância que compromete a veracidade dos gastos correspondentes.

No que se refere aos valores pagos a título de combustível para veículo não informado na prestação de contas, a prestadora traz Contrato de Cessão de Uso Gratuito de Veículo para Fins Eleitorais celebrado com Gabriel de Oliveira Dorneles, no qual este se compromete a ceder, para uso na campanha eleitoral da candidata, o veículo VW Gol 2012/2013, Placa OLZ 0449, RENAVAM 00480863547(ID 24348433, fl. 4). Trazida, ainda, documentação atinente ao veículo, a qual comprova a propriedade do cedente sobre o bem (ID 24348433, fls. 5-6).

Ocorre, contudo, que a falha indicada não foi afastada, seja porque permanece a ausência de indicação do referido automóvel na prestação de contas no tempo oportuno, seja porque a identidade de sobrenomes indica que o proprietário do veículo possui relação de parentesco com a prestadora, circunstância que prejudica ainda mais a confiabilidade do gasto.

Considero, em vista da percuciente análise das provas constante no excerto, que mesmo que se conhecesse dos documentos apresentados com o recurso, estes não teriam aptidão para comprovar os gastos relativos à contratação de pessoal e pagamento de combustíveis de forma a sanar a mácula na contabilidade.

Prosseguindo, quanto aos cheques, se concluiu pela irregularidade no gasto de R$ 1.018,94 (mil e dezoito reais e noventa e quatro centavos) por meio de cheque não cruzado, em infringência ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

II – transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III – débito em conta; ou

IV – cartão de débito da conta bancária.

O parecer conclusivo identificou que os gastos nos valores R$ 300,00 – trezentos reais (cheque n. 00003 – ID 24344033) e R$ 718,94 – setecentos e dezoito reais e noventa e quatro centavos (cheque n. 00006 – ID 24345133), foram pagos por meio de cheques que, embora nominais, não foram cruzados.

Tal fato restou incontroverso.

A recorrente alegou que os cheques não foram cruzados para dar celeridade aos pagamentos.

Pois bem.

A finalidade da exigência do cruzamento do cheque reside na obrigação de o recebedor depositá-lo em conta bancária para compensá-lo. Tal procedimento permite à Justiça Eleitoral verificar se a pessoa que descontou o cheque é a mesma que prestou o serviço.

Na hipótese, não foi possível verificar se o sacador do documento de crédito foi aquele apontado como beneficiário do pagamento, de forma que deve ser considerado irregular o gasto eleitoral no valor de R$ 1.018,94 (mil e dezoito reais e noventa e quatro centavos), por infringência ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, nos termos da sentença recorrida.

Em face do que até aqui se expôs, considero que a recorrente não logrou êxito em desconstituir a sentença, de forma que as falhas, equivalentes ao montante de R$ 2.812,71 (dois mil oitocentos e doze reais e setenta e um centavos), correspondem a 13,79% da receita declarada na prestação de contas (R$ 20.397,40), motivo pelo qual não há que se falar em proporcionalidade ou razoabilidade, ou valor módico (até R$ 1.064,10), devendo ser mantida a desaprovação das contas.

No mesmo sentido cito precedentes desta Corte e de outro Tribunal Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2016. UTILIZAÇÃO DE VERBAS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. INCONSISTÊNCIA ENTRE VALORES DECLARADOS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS RETIFICADORA E O RECIBO ELEITORAL. DESPESA COM TRANSPORTE. PERCENTUAL EXPRESSIVO DE COMPROMETIMENTO DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. NEGADO PROVIMENTO. 1. Emprego de verbas de origem não identificada. Valores depositados em espécie na conta de campanha do candidato, conforme os extratos bancários presentes nos autos. Alegada a procedência do Fundo Partidário. Ausência, entretanto, de documentos fiscais que comprovem a origem e a regularidade dos recursos, ensejando a manutenção do comando de recolhimento do montante indevidamente utilizado ao Tesouro Nacional. 2. Inconsistência na quantia declarada como despesas com transporte e deslocamento. Divergência entre o recibo eleitoral correspondente e os extratos da prestação de contas final apresentados à Justiça Eleitoral. 3. Irregularidades que impedem a verificação da real origem e aplicação dos recursos. Comprometimento expressivo, equivalente a 38,68% do somatório de recursos arrecadados. Mantida a desaprovação das contas. Desprovimento.

(TRE-RS – RE: 52324 ENTRE IJUÍS – RS, Relator: JORGE LUÍS DALL`AGNOL, Data de Julgamento: 18/12/2017, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 10, Data 24/01/2018, Página 9) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2018. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO. DEPUTADO FEDERAL. AUSÊNCIA. DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA. GASTOS. RECURSOS. FEFC. IRREGULARIDADE GRAVE. DESAPROVAÇÃO. 1. A ausência de documentação apta a comprovar a utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha constitui falha grave, uma vez que se exige maior atenção quando se trata de recursos oriundos de verba pública, restando comprometido o efetivo controle das contas; 2. Inaplicabilidade dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade uma vez que o montante considerado irregular ultrapassa o teto de 10% estipulado pelo TSE. 3. Contas julgadas desaprovadas.

(TRE-PA – PC: 060181035 BELÉM – PA, Relator: LUZIMARA COSTA MOURA, Data de Julgamento: 24/09/2019, Data de Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 185, Data 07/10/2019, Página 13) (Grifei.)

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas de Vanda Lucia de Oliveira Dorneles, relativas ao pleito de 2020, e a determinação de recolhimento de R$ 2.812,71 (dois mil, oitocentos e doze reais e setenta e um centavos) ao Tesouro Nacional.