REl - 0600137-63.2020.6.21.0025 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/10/2021 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade do Ato Intimatório para Manifestação acerca do Parecer Técnico

O recorrente suscita, em preliminar, a nulidade do ato de intimação para que se manifestasse a respeito do parecer técnico, no prazo de 3 (três) dias, como preceitua o art. 64, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Contudo, não lhe assiste razão.

O exame da tramitação do processo revela que o candidato foi intimado do despacho judicial para apresentar defesa ao parecer técnico por intermédio de ato de comunicação no dia 23.03.2021, às 13h31min (ID 41532183). Consoante certidão constante do ID 41532233, lavrada em 12.4.2021, o prazo para manifestação transcorreu in albis.

Analisando o processamento do feito no PJe de 1º Grau, verifico que o sistema eletrônico indicou, no dia 08.4.2021, que na data anterior havia decorrido o prazo para manifestação: “DECORRIDO PRAZO DE WELLINGTON GONCALVES CABALDI EM 07/04/2021 23:59:59”.

Ressalto que a forma de intimação obedeceu à regra expressa prevista no art. 1º, parágrafo único, da Resolução TRE-RS n. 347/20, segundo a qual as comunicações às partes representadas por advogado serão realizadas exclusivamente no PJe, dispensada a publicação do ato no Diário da Justiça Eletrônico ou a expedição de mandado, litteris:

Art. 1º Autorizar a comunicação eletrônica dos atos processuais, incluindo citações, intimações, notificações e o envio de ofícios às partes, terceiros interessados ou outros intervenientes na relação processual, nos processos judiciais de natureza cível e nos processos administrativos, no âmbito da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul, na forma das disposições deste Título.

Parágrafo único. As comunicações direcionadas à parte representada por advogado, ao Ministério Público Eleitoral, à Defensoria Pública e à União serão realizadas exclusivamente no Processo Judicial Eletrônico (PJe), dispensada a publicação do ato no Diário da Justiça Eletrônico ou a expedição de mandado, nos termos do art. 51, caput, da Resolução TRE-RS n. 338/2019 e art. 1º, caput, da Portaria TRE-RS P n. 223/2019 (Lei n. 11.419/2006, art. 5º).

Assim, em face da regularidade do ato intimatório que foi dirigido ao recorrente, inexiste nulidade processual a ser reconhecida por este Colegiado, razão pela qual afasto a matéria preliminar arguida.

Do Conhecimento de Novos Documentos Juntados na Fase Recursal

O recorrente acosta, com suas razões, documentos, requerendo o seu conhecimento.

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica.

É esse, exatamente, o caso.

O ID 41532683 veicula imagem de talonário de cheques, ao passo que os documentos sob IDs 41532733 e 41532783 consistem em notas fiscais.

Desse modo, devem ser conhecidos tais documentos, por serem de fácil análise e pertinentes às falhas identificadas no presente caso.

Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 25ª Zona que desaprovou as contas de WELLINGTON GONCALVES CABALDI, candidato ao cargo de vereador nas eleições de 2020 no Município de Jaguarão, e determinou-lhe o recolhimento de um total de R$ 352,03 ao erário, em face das seguintes irregularidades: (I) ausência de comprovação do uso de R$ 60,00, oriundos do FEFC; e (II) omissão de gasto eleitoral, configurando recebimento de recursos de origem não identificada, na quantia de R$ 292,03.

Passa-se, a seguir, à análise discriminada dos apontamentos glosados.

I – Ausência de comprovação de uso de recursos do FEFC.

O órgão técnico, na instância de origem, verificando a documentação constante da prestação de contas e o extrato bancário do candidato, apontou não ser possível identificar que a despesa de R$ 60,00, referente à aquisição de bandeiras, contratada com IDEIA GRAFICA EXPRESSA LTDA, expressa na nota fiscal n. 202000000001189, foi paga diretamente ao fornecedor, mesmo tendo sido solicitada a apresentação de cheque ou documento correlato que demonstrasse o pagamento (ID 41532283).

Com base nisso, o magistrado a quo entendeu caracterizada a irregularidade, pois o pagamento ao fornecedor não restou devidamente comprovado, em afronta ao disposto nos arts. 38, 60 e 70 da Resolução TSE n. 23.607/19.

No apelo, o recorrente, buscando sanar a falha, juntou “comprovantes atinentes à despesa, requerendo desde já sejam considerados para fins de comprovação”. O documento sob ID 41532683 contém imagem de canhoto do cheque n. 900002, com anotação feita a mão do valor de R$ 60,00, da data 12.11.2020 e do nome do beneficiário “Gráfica Express”.

Examinando o extrato eletrônico da conta-corrente n. 3000011129, da agência n. 485, da Caixa Econômica Federal, atinente à movimentação de recursos do FEFC,  disponível no sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, no endereço https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87211/210000783472/extratos, observo que o cheque n. 900019, no valor de R$ 60,00, foi compensado na conta n. 154334, agência n. 1199, do Banco Cooperativo Sicredi, contudo inexiste, supostamente por falha da instituição bancária, registro do “CPF/CNPJ Contraparte” do depositante da cártula.

Pois bem.

A forma de pagamento dos gastos eleitorais encontra-se disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado.

A exigência de cruzamento do título visa a impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço informados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

In casu, os documentos juntados não evidenciam que os recursos públicos foram efetivamente destinados ao fornecedor declarado, porquanto não consta no extrato bancário o nome da empresa como beneficiária do pagamento de R$ 60,00, nem tampouco foi juntada cópia da cártula empregada para quitação da despesa.

Saliento que o documento acostado pelo recorrente, ID 41532683, não se presta a produzir prova de regularidade do pagamento, pois se trata de imagem de mero canhoto de talonário de cheques. Aliás, segundo o que indica a fotografia, o cheque n. 900002 teria sido emitido em favor de “Gráfica Express”, que poderia ser entendida como IDEIA GRAFICA EXPRESSA LTDA. Entrementes, o cheque utilizado para o pagamento da despesa com essa empresa, que restou glosada, foi o n. 900019, que inclusive foi o único dispêndio quitado mediante ordem de pagamento na conta-bancária n. 3000011129. Na conta-corrente n. 3000011145, aberta para movimentação de recursos privados, vê-se que houve um cheque com n. 900002, porém seu valor foi de R$ 150,00.

Logo, restou caracterizada irregularidade quanto à aplicação de recursos do FEFC, no montante de R$ 60,00, porquanto não houve a devida comprovação de que o pagamento do gasto foi direcionado ao respectivo fornecedor, impondo-se o recolhimento do respectivo valor ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 (TRE-RS, REl 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06.07.2021).

II – Da omissão de despesa e da caracterização de recursos de origem não identificada.

O órgão técnico, em exame contábil, detectou, mediante “circularização e/ou informações voluntárias de campanha e/ou confronto com notas fiscais eletrônicas”, a existência de nota fiscal contra o CNPJ de campanha, no importe de R$ 292,03, emitida no dia 04.10.2020, por SANTA FE-COMERCIO DE COMBUSTIVEIS LTDA, CNPJ n. 05.377.938/0001-49, sem que os recursos para quitação da despesa tenham transitado pelas contas bancárias do candidato, indicando omissão de gasto eleitoral (ID 41532083).

Intimado em primeiro grau para oferecer esclarecimentos, o prestador manteve-se silente (ID 41532233).

Em face disso, o magistrado singular reprovou o dispêndio, ao entendimento de que a omissão do gasto caracterizou o recurso utilizado para seu pagamento como de origem não identificada, e determinou o recolhimento da correspondente quantia ao Tesouro Nacional.

No apelo, o recorrente cinge-se a reconhecer a falha e alegar que o valor é de pequena monta.

Destarte, a glosa deve ser mantida integralmente, haja vista que o gasto não contabilizado pelo candidato não foi aclarado, de sorte que restou caracterizada afronta ao art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

(...)

g) receitas e despesas, especificadas;

(...)

i) gastos individuais realizados pelo candidato e pelo partido político;

(…)

Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil, uma vez que a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa, na linha dos seguintes julgados:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL). COMITÊ FINANCEIRO NACIONAL PARA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DESAPROVAÇÃO.

I.  HIPÓTESE

1. Prestação de contas apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e seu Comitê Financeiro Nacional para Presidente da República, relativa às Eleições 2014.

2. A análise da prestação de contas está limitada à verificação das informações declaradas espontaneamente pelo partido, bem como daquelas obtidas a partir de procedimentos de auditoria ordinariamente empregados pela Justiça Eleitoral, em especial análise documental, exame de registros e cruzamento, além de confirmação de dados, por meio de procedimento de circularização.

II. INCONSISTÊNCIAS ANALISADAS

(...)

IRREGULARIDADE - OMISSÃO DE DESPESAS (R$ 84.900,77).

13. A omissão de despesas nas contas prestadas por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE viola o disposto nos arts. 40, I, g, e 41 da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constitui irregularidade que macula a sua confiabilidade.

(...)

(Prestação de Contas n. 97006, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 167, Data 29.8.2019, pp. 39/40). Grifei.

 

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB). DIRETÓRIO NACIONAL E COMITÊ FINANCEIRO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

I. HIPÓTESE

1. Prestação de contas apresentada pelo Diretório Nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e seu Comitê Financeiro Nacional, relativa às Eleições 2014.

2. A análise da prestação de contas está limitada à verificação das informações declaradas espontaneamente pelo partido, bem como daquelas obtidas a partir de procedimentos de auditoria ordinariamente empregados pela Justiça Eleitoral.

(...)

III. IRREGULARIDADES

(…)

10. Omissão de despesas: confronto com informações externas (R$ 369.860,32). Gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, violam o disposto no art. 40, I, f e g, da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constituem omissão de despesas.

(...)

(Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73). Grifei.

Além disso, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por consequência, correta a conclusão sentencial no sentido de caracterizar o montante de R$ 292,03 como proveniente de origem desconhecida e determinar sua transferência ao Tesouro Nacional.

Assim, as falhas identificadas nas contas alcançam o somatório de R$ 352,03 (R$ 60,00 + R$ 292,03), cifra que, conquanto represente 10,99% das receitas declaradas (R$ 3.202,00), mostra-se em termos absolutos reduzida e, inclusive, bastante inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), possibilitando a aprovação das contas com ressalvas.

Quanto ao tema, destaco excertos da decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto, que prepondera sobre eventual aferição do alcance percentual das falhas, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o somatório das irregularidades se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10 (TRE-RS: PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 14.7.2020, e REl n. 0600399-70.2020.6.21.0103, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 20.5.2021).

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha de WELLINGTON GONCALVES CABALDI, relativas às eleições de 2020, mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 352,03.