REl - 0600717-33.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/10/2021 às 14:00

VOTO

 

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Mérito

O juízo de origem desaprovou as contas do recorrente em razão do recebimento de doações em valor superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), mediante depósitos bancários realizados de forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, e determinou o recolhimento de R$ 1.197,00 (mil cento e noventa e sete reais) ao Tesouro Nacional, conforme disposto no art. 21, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Na hipótese, trata-se de dois depósitos sucessivos realizados na mesma data, 12.11.2020, nos valores de R$ 132,91 (cento e trinta e dois reais e noventa e um centavos) e R$ 1.064,09 (mil e sessenta e quatro reais e nove centavos).

De fato, o conjunto de operações em tela está em desacordo com o art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que doações financeiras em valores acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) devam ser realizadas por meio de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, in verbis:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

[...]

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução. (Grifei.)

Embora os depósitos glosados, isoladamente, não tenham excedido o valor de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), o conjunto de transações alcançou o montante de R$ 1.197,00 (mil cento e noventa e sete reais), ultrapassando objetivamente o limite previsto na legislação eleitoral.

Aliás, observando-se o valor dos centavos no valor dos depósitos (R$ 132,91 e R$ 1.064,09), é perceptível que a intenção do depositante era justamente se esquivar da obrigatoriedade da realização de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal.

Como bem ressaltado na decisão recorrida, “objetivo central da norma é tornar mais rígida a fiscalização da origem dos recursos. Referida exigência normativa visa a assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso”.

No mesmo sentido, colho os seguintes arestos deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. DOAÇÕES SUCESSIVAS EM ESPÉCIE CUJA SOMA ULTRAPASSA O LIMITE REGULAMENTAR. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser efetivadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Na hipótese, realizados depósitos sucessivos em dinheiro, realizadas pelos mesmos doadores, nas mesmas datas, cuja soma ultrapassa o limite legal para depósitos em espécie previsto nos arts. 22, §§ 1º e 2º, e 34, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17. As doações sucessivas, realizadas por um mesmo doador, em uma mesma data, devem ser somadas para fins de aferição do limite regulamentar.

2. Posicionamento firme do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o depósito, mesmo no caso de ser identificado, é meio incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória do ato. A ausência de comprovação segura do doador caracteriza o recurso como de origem não identificada, devendo o valor correspondente ser recolhido ao Tesouro Nacional.

3. Desaprovação.

(TRE-RS – Recurso Eleitoral n. 0602858-34.2018.6.21.0000, Acórdão, Relator Desembargador Eleitoral Roberto Carvalho Fraga – PJE – Processo Judicial Eletrônico-PJE) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. MAJORITÁRIA. DESAPROVAÇÃO. VALORES RECEBIDOS VIA DEPÓSITOS SUCESSIVOS. EXTRAPO-LADO O LIMITE LEGAL. VIOLAÇÃO À NORMA REGENTE. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. APORTE IRREGULAR EM PERCENTUAL EXPRESSIVO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO

1. Insurgência contra sentença que desaprovou a contabilidade de campanha dos recorrentes, com determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, por violação ao disposto no art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Doações em valor superior a R$ 1.064,10 mediante depósitos bancários.

2. Ainda que cada um dos depósitos apresente valor inferior ao limite estabelecido, foram feitos no mesmo dia e pelos mesmos doadores. A realização de depósitos sucessivos em dinheiro demonstra a clara tentativa de burlar a norma eleitoral, o que é expressamente vedado pela citada resolução. Prática que permite o ingresso de valores na conta do candidato sem a possibilidade de segura verificação da pessoa do doador, vez que o CPF de identificação lançado pelo depositante não reflete, necessariamente, o autor da contribuição, o que somente poderia ser garantido por meio das operações indicadas nas normativas legais.

3. O montante recebido de forma irregular corresponde a 21,29% do total declarado como recebido, percentual que inviabiliza a aprovação das contas, mesmo com ressalvas, visto que compromete substancialmente a confiabilidade e transparência da movimentação contábil. Manutenção da sentença com determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS – RE: 0600553-37.2020.6.21.0023, AJURICABA – Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Data de Julgamento: 11/05/2021, Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico-PJE) (Grifei.)

Cabe destacar, ainda, que as doações realizadas por meio de depósito acima do valor previsto na resolução, mesmo que identificado por intermédio de declaração o número de inscrição no CPF/MF de determinada pessoa, não são suficientes para comprovar a origem real dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário – na linha da jurisprudência desta Corte, conforme demonstra o julgado do Tribunal Superior Eleitoral abaixo colacionado:

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.

2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros – R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha – oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.

3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.

4. Concluir em sentido diverso – especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador – demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes.

6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.

7. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 25104, Acórdão, Relator Ministro Jorge Mussi, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 066, Data 05/04/2019, Página 68-69) (Grifei.)

Nesse contexto, a quantia recebida em desacordo com a legislação eleitoral, bem como a forma utilizada para doação, prejudicam o cruzamento das informações, impedindo a confirmação da exata origem dos recursos recebidos, uma vez que para o depósito em espécie são lançadas as informações declaradas pelo depositante.

Para além, a ausência de comprovação segura do doador compromete a regularidade das contas prestadas e qualifica o recurso como de origem não identificada, cujo valor correspondente deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 21, §§ 3º e 4º, e 32, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Na hipótese, caberia ao prestador de contas ter realizado tempestivamente o estorno da quantia – visto que o candidato seria o próprio doador, para posterior utilização do meio correto de transferência, se assim entendesse pertinente.

Sabe-se que este Tribunal Regional tem arrefecido o rigor dessas disposições em comento quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma, qual seja, a demonstração segura da origem dos recursos, mormente por meio do oferecimento de comprovantes de saque em dinheiro da conta-corrente do doador e imediato depósito em espécie na conta de campanha, demonstrando que a operação de transferência bancária restou meramente decomposta em um saque seguido de um depósito na mesma data.

Não é esse o caso dos autos, pois as provas carreadas não permitem essa verificação.

Ainda, em respeito aos precedentes da Corte, não há como acolher a tese defensiva de abatimento do valor que atendeu ao limite diário para utilização do depósito em dinheiro. O valor dos depósitos sucessivos realizados por um mesmo doador em um mesmo dia devem ser somados, de modo a consubstanciar efeitos de uma única doação, tal qual prescrito no art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Colaciono recente julgado que ilustra tal posicionamento:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DEPÓSITOS SUCESSIVOS EM ESPÉCIE, NO MESMO DIA, NA CONTA DE CAMPANHA, PELO MESMO DOADOR. MONTANTE ACIMA DO LIMITE LEGAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL . DESPROVIMENTO .

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, em razão do recebimento de recursos em espécie em montante superior a R$ 1.064,10, através de dois depósitos na conta de campanha, realizados na mesma data, pelo mesmo depositante.

2. Depósitos em espécie na conta de campanha do candidato, realizados por um único doador, na mesma data e em duas diferentes operações, excedendo o patamar de R$ 1.064,10, em afronta ao disposto nos §§ 1º e 2º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. Não se trata de erro formal, mas de afronta à previsão legal cujo objetivo é assegurar a transparência das origens dos recursos que alimentam as campanhas eleitorais. Falha que caracteriza o recurso, na sua totalidade, como de origem não identificada, conforme se depreende do disposto no art. 32, § 1º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo o valor correspondente ser recolhido ao Tesouro Nacional.

3. Provimento negado.

(REl n. 0600603-39.2020.6.21.0031, Relator Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado em 20.5.2021) (Grifei).

Observo que as doações não identificadas atingem o montante de R$ 1.197,00 (mil cento e noventa e sete reais) e equivalem a 14,82% do total de receitas arrecadadas na campanha (R$ 8.074,00), motivo pelo qual não há que se falar em proporcionalidade ou razoabilidade, considerando o comprometimento da fiscalização do ajuste contábil, motivo pelo qual se justifica a reprovação das contas.

Por essas circunstâncias, a manutenção da sentença é medida que se impõe.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas de Adolar Rodrigues Queiroz, relativas ao pleito de 2020, bem como a determinação de recolhimento do montante de R$ 1.197,00 (mil cento e noventa e sete reais) ao Tesouro Nacional.