REl - 0600185-05.2020.6.21.0063 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/10/2021 às 10:00

 VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, cuida-se de desaprovação de contas ante a constatação de duas irregularidades distintas: (i) ausência de detalhamento em despesas com contratação de pessoal de apoio à campanha, com recursos do FEFC (R$ 750,00) e (ii) a utilização, pela candidata, de recursos próprios (R$ 330,00) que superam o montante patrimonial declarado. Houve, ao final, a determinação de recolhimento do valor total de R$ 1.080,00, em sentença que reproduzo, parcialmente, abaixo:

Neste sentido, o candidato apenas informou na sua manifestação que no contrato entabulado com Janir Cardoso Sant` Anna constou equivocadamente o Município de Vacaria ao invés do Município de São José dos Ausentes. Logo, os argumentos do candidato não sanaram as falhas apontadas pelo Parecer emitido pela Unidade Técnica.

Assim, compulsando os autos, primeiramente, verifico que foram realizadas despesas com os recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC de modo irregular.

Percebo a inconformidade nos documentos comprobatórios relativos às despesas com pessoal em nome do fornecedor Janir Cardoso Sant` Anna, no valor de R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais), uma vez que deviam ter sido detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado, conforme art. 35, § 12 e art. 41 da Resolução TSE n. 23.607/2019. Registro que o candidato não se insurgiu quanto a este ponto do Parecer Técnico.

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução […](Lei nº 9.504/1997, art. 26)]

§12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

Art. 41. A realização de gastos eleitorais para contratação direta ou terceirizada de pessoal para prestação de serviços referentes a atividades de militância e mobilização de rua nas campanhas eleitorais, que se incluem no previsto no inciso VII do art. 35 desta Resolução, observará os seguintes critérios para aferição do limite de número de contratações (Lei nº 9.504/1997, art. 100-A):

I - em municípios com até 30 mil eleitores, não excederá a 1% (um por cento) do eleitorado;

II - nos demais municípios e no Distrito Federal, corresponderá ao número máximo apurado no inciso I, acrescido de uma contratação para cada mil eleitores que excederem o número de 30 mil.

§ 1º As contratações observarão ainda os seguintes limites nas candidaturas aos cargos a (Lei nº 9.504/1997, art. 100-A, § 1º):

VI - Vereador: 50% (cinquenta por cento) dos limites previstos nos incisos I e II do caput, até o máximo de 80% (oitenta por cento) do limite estabelecido para deputados estaduais.

Ademais, sobre os gastos eleitorais a Resolução n. TSE 23.607/2019 nos arts. 35, 53, II, alínea "c" e 60 disciplina:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

c) documentos fiscais que comprovem a regularidade dos gastos eleitorais realizados com recursos do Fundo Partidário e com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), na forma do art. 60 desta Resolução;

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

Com efeito, a falha acima apontada configura irregularidade por não comprovação de gastos realizados com recursos públicos e enseja o recolhimento ao Tesouro Nacional.

Outrossim, o(a) candidato(a) também cometeu irregularidade ao depositar o valor de R$ 330,00 (trezentos e trinta reais) na sua conta de doações para campanha, não tendo, todavia, declarado nenhum bem ou patrimônio no registro da candidatura, conforme relatado no parecer da Unidade Técnica. Logo, os recursos próprios aplicados em campanha são valores investidos pelo(a) candidato(a), cuja procedência é desconhecida.

Neste viés, a utilização de recursos próprios em valores que superam o montante patrimonial declarado por ocasião do registro de candidatura configura-se como recurso de origem não identificada, nos termos do art. 15, inc. I e art. 32 da Resolução TSE nº 23.607/2019:

Art. 15. Os recursos destinados às campanhas eleitorais, respeitados os limites previstos, somente são admitidos quando provenientes de:

I - recursos próprios dos candidatos;

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

As falhas apontadas configuram irregularidades graves que comprometem a lisura das contas e a fiscalização pela Justiça Eleitoral, motivo pelo qual a desaprovação das contas e o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional no montante total de R$ 1.080,00 (um mil e oitenta reais), de acordo com o art. 74, inc. III da Resolução TSE n. 23.607/2019 é medida que se impõe.

Destaco que o julgamento das contas apresentadas está adstrito às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à campanha eleitoral, não afastando a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações em andamento ou futuras, conforme previsto no artigo 75 da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Ante o exposto, julgo DESAPROVADAS as contas do(a) candidato(a) a vereador(a), SIMONE CARDOSO SANT` ANNA relativas às eleições de 2020, com base no art. 30, III, da Lei das Eleições c/c art. 74, III da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Determino o recolhimento da importância de R$ 1.080,00 (um mil e oitenta reais), com incidência de atualização monetária e juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, com fulcro na Resolução TRE-RS 298/2017, com redação alterada pela Resolução TRE-RS 331/2019, a ser destinada ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), no prazo de até 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à Advocacia-Geral da União para fins de cobrança.

 

A recorrente, em síntese, referiu que, na contratação de Janir Cardoso Sant’Anna, foram observados todos os requisitos legais no preenchimento das respectivas informações no termo contratual firmado com tal colaborador, havendo mero erro de digitação ao constar, no contrato, o Município de Vacaria. Ainda, alega que realiza trabalho informal como autônoma (diarista/safrista), não possuindo ganho fixo e que o valor de R$ 330,00 foi auferido ao longo da campanha.

Em que pese a douta Procuradoria Regional Eleitoral tenha reconhecido em seu parecer (ID 39366533) que a falha quanto ao local de prestação de serviços de militância (São José dos Ausentes, e não Vacaria) seria meramente formal, tenho que deve ser mantida a irregularidade reconhecida na sentença. Saliento que a Procuradoria juntou segundo parecer mantendo o posicionamento pelo provimento parcial do recurso (ID 44854838).

Com efeito, o contrato juntado aos autos para comprovar o gasto de R$ 750,00 com recursos do FEFC não está em acordo com o disposto no art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 30254933).

O dispositivo exige o detalhamento da contratação, com a identificação dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...]

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

Ao consultar o contrato (ID 30254933), verifica-se que o documento se limita a informar que: “constitui objeto deste contrato os serviços gerais de divulgação da propaganda de apoio à campanha do CONTRATANTE…” e que “Cada pessoa ficará disponível 6 (seis) dias por semana e terá uma carga horária máxima de 6 horas diárias.”

Cumpre salientar que tal exigência normativa, relativa ao detalhamento do contrato de prestação de serviços de campanha, foi uma inovação trazida pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução n. 23.607/19 para as eleições de 2020. Tal previsão não constava na Resolução TSE n. 23.553/17, que regulamentou as contas da campanha do pleito de 2018.

Por conta disso, nas prestações de contas da campanha de 2018, a falta de descrição detalhada do serviço prestado ou do local de sua execução recebia tratamento de falha formal, exatamente como o sustentado no parecer da douta Procuradoria Eleitoral.

Entretanto, com o novo texto normativo, a falta de descrição detalhada sobre a despesa com pessoal de campanha não tem mais recebido tratamento de falha meramente formal, em virtude da exigência legal, consistindo uma falha de natureza grave, especialmente quando relativa a recursos públicos do FEFC:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CARGO VEREADOR. DETALHAMENTO DE DESPESA COM PESSOAL. ART. 35, § 12, DA R. TSE Nº 23607/19. DESCUMPRIMENTO. VALOR PEQUENO EM TERMOS ABSOLUTOS. PERCENTUAL ELEVADO EM RELAÇÃO AOS RECURSOS ARRECADADOS. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO DO RECURSO, EM DESARMONIA COM A MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL. 1. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade somente incidem quando constatada a exiguidade, em termos nominais e absolutos, das quantias alusivas às irregularidades, e, em termos percentuais, dos valores cotejados com o montante arrecadado e o gasto nas campanhas. Precedente do TSE. 2. Verificado no caso concreto que o percentual da irregularidade, omissão de detalhamento de despesa com pessoal, é expressivo, suficiente para macular a higidez das contas, comprometendo a sua regularidade, o desprovimento do recurso é medida que se impõe. Diante da expressividade percentual da irregularidade, são inaplicáveis os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 3. Recurso desprovido , em desarmonia com a manifestação ministerial. ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em proferir a seguinte DECISÃO: RECURSO DESPROVIDO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, EM DESARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL.

(TRE-PB – REl n. 060051584 Baraúna - PB, Relator: ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU, Data de Julgamento: 17.6.2021, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 115, Data: 30.6.2021, p. 64.) (Grifei.)

 

Dessarte, a recorrente, em seu apelo, apenas consignou que houve erro de digitação quanto ao local da prestação de serviços (São José dos Ausentes, e não Vacaria), não esclarecendo ou justificando a ausência dos demais elementos, como a identificação dos prestadores de serviço, especificação das atividades executadas e justificativa do preço contratado (art. 35, § 12º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Correta, portanto, a sentença, ao determinar a devolução ao Tesouro Nacional do valor de R$ 750,00 gasto com recursos do FEFC, pois não houve demonstração da correta aplicação desta importância.

Em relação ao segundo fato, a utilização, pela candidata, de recursos próprios (R$ 330,00) que superam o montante patrimonial declarado, tenho que a recorrente não conseguiu demonstrar a origem do recurso.

A candidata limitou-se a afirmar que exerce atividade de diarista, sem apresentar nenhum documento comprobatório. Resumindo-se o recurso à mera alegação, não é possível acolher as razões recursais para afastar a irregularidade.

Segundo jurisprudência deste Tribunal, deveria a recorrente demonstrar a origem dos recursos aplicados na campanha, de modo a sanar a ausência de declaração de bens no registro da candidatura. É nesse sentido o seguinte precedente:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS SEM A CORRESPONDENTE DECLARAÇÃO DE BENS NO REGISTRO DE CANDIDATURA. COMPROVADA A CAPACIDADE ECONÔMICA. DEPÓSITO EM ESPÉCIE DIRETAMENTE NA CONTA DE CAMPANHA. VALOR ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. NECESSIDADE DE TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. DEMONSTRADA A ORIGEM DA DOAÇÃO. INFORMAÇÕES PRESTADAS. PROVIMENTO PARCIAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Apresentação de novos documentos com o recurso. Possibilidade. Providência que contribui para o esclarecimento da movimentação financeira sem prejudicar o procedimento. Utilização de recursos próprios sem declaração de bens no registro de candidatura. Suspeita de ausência de capacidade. Irregularidade suprida pela apresentação da declaração de imposto de renda. Doação acima de R$1.064,10 mediante depósito em espécie, sem transferência eletrônica. Documentos comprovando saque de valor idêntico à doação um minuto antes do depósito. Prova que afasta a irregularidade. A divergência na identificação de doador, limitada à falta de preenchimento de seu nome completo, constitui mera inconsistência formal, incapaz de prejudicar a regularidade das contas. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 17411 PORTO ALEGRE - RS, Relator: MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 29.06.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 116, Data 03.07.2018, Página 6.) (Grifo nosso)

 

Por derradeiro, sequer é razoável e proporcional a pretensão de aprovação das contas com ou sem ressalvas, pois o valor total das irregularidades (R$ 750,00 + R$ 330,00) importa em R$ 1.080,00 e representa 75,52% das receitas recebidas, no montante de R$ 1.430,00.

As irregularidades ultrapassam o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) considerado módico pela disciplina normativa, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Assim torna-se inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

Com essas considerações, concluo pelo desprovimento do recurso.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação das contas e o recolhimento do valor de R$ 1.080,00 ao Tesouro Nacional.