REl - 0600559-20.2020.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/10/2021 às 10:00

 VOTO

Trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, do candidato a vereador no Município de Passo Fundo.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada devido à omissão de registro de despesas no valor total de R$ 900,32, relativas à emissão de notas fiscais, quantia que representa 7,4% do total da movimentação financeira declarada, no montante de R$ 12.098,33, conforme consta do seguinte trecho da sentença recorrida:


A área técnica identificou irregularidades, que persistiram após as diligências, concernentes à emissão de notas fiscais, por Posto de Combustíveis Brock e Cifra Ltda., CNPJ 07.608.132/0001-40, que totalizaram R$ 1.963,41, conforme relatório de notas fiscais emitidas, documento ID 73916794, sendo que, na prestação de contas, constam registros de despesas relacionadas a esse fornecedor no total de R$ 1.063,09, de acordo com o Demonstrativo de Despesas Efetuadas, documento ID 59593139; e, à existência de notas fiscais emitidas pelo Facebook, CNPJ 13.347.016/0001-17, no total de R$ R$ 963,74, sendo que foram registradas, na prestação de contas, despesas relacionados a esse fornecedor no total de R$ R$ 1.050,00.

Em relação ao primeiro apontamento, o candidato manifesta que alguns documentos fiscais foram emitidos equivocadamente pela empresa e que esta se comprometeu a cancelá-los.

Verifica-se que o cancelamento de documentos fiscais sem motivo fundado, sob a justificativa de equívoco de emissão e realizado a qualquer momento, vem sendo a forma usual de justificativa de ausência de registro de despesas nas prestações de contas.

No entanto, trata-se de uma solução simplista e incapaz de esclarecer, justificar ou superar a desconformidade apontada. Ora, são emitidos documentos fiscais quando da aquisição de produtos ou serviços e em nome do adquirente, mediante sua solicitação.

O fato narrado constitui omissão de registros financeiros, no total de R$ 900,32 representando 7% das despesas declaradas pelo prestador, cujos recursos para pagamento das despesas incorridas se caracterizam como “de origem não identificada”, conforme os arts. 14 e 32 da Resolução TSE 23.607/2019:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

§ 2º O disposto no caput também se aplica à arrecadação de recursos para campanha eleitoral os quais não transitem pelas contas específicas previstas nesta resolução.

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§-1° Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 80 e 91 desta Resolução;

Desta forma, medida que se impõe é o recolhimento do valor de 900,32 ao Tesouro Nacional, nos termos do supracitado regramento.

Ainda, embora a irregularidade não represente um percentual expressivo em relação ao total das despesas declaradas pelo prestador, 7%, o supracitado art. 14 prevê como consequência da infringência da norma, de forma taxativa e de modo a coibir a sua prática, a desaprovação das contas, medida que, igualmente, se impõe às contas em apreço.

Quanto à segunda irregularidade, diante da manifestação do candidato de que a diferença, no total de R$ 86,26, não fora utilizada e nem devolvida pelo contratado, e, ainda, pelo diminuto valor, por não se tratarem de recursos públicos, entendo não constituir elemento causador do comprometimento das contas ora apreciadas.

O Ministério Público Eleitoral emitiu parecer pela desaprovação das contas, considerando a existência de vícios graves e insanáveis, que contrariam dispositivos centrais da Lei nº 9.504/97, referentes à prestação de contas de campanha, bem como da Resolução nº 23.607/2019 do Tribunal Superior Eleitoral.

 

Nas razões recursais, justifica que o posto de combustíveis emitiu notas fiscais com o CNPJ de sua campanha por equívoco, “talvez pelo fato de ter digitado um número de CNPJ por engano, talvez por ter confundido o candidato que efetuou a referida aquisição”. Alega que o proprietário do estabelecimento se comprometeu a cancelar as notas fiscais emitidas por engano de seus prepostos.

Com efeito, para afastamento da irregularidade, seria necessário o cancelamento das notas fiscais, consoante previsão do art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19:

O cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular.

 

Esse o entendimento da Corte, conforme ementa que reproduzo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. MAJORITÁRIA. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. OMISSÃO DE DESPESAS COM COMBUSTÍVEL. ACERVO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A ORIGEM DO MONTANTE IRREGULAR. NECESSIDADE DE CANCELAMENTO DE NOTAS FISCAIS. VALOR ABSOLUTO INEXPRESSIVO. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidato ao pleito majoritário, em virtude da utilização de recursos de origem não identificada e omissão do registro de despesas, determinando o recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional.

2. Desnecessário pedido para que o recurso seja recebido no efeito suspensivo, visto que a determinação de recolhimento de valores ao erário fixada na sentença somente pode ser executada após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas, na forma do art. 32, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Inaplicabilidade das disposições contidas na Resolução TSE n. 23.604/14, pois o feito versa sobre escrutínio realizado em 2020, balizado pela Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Omissão de despesas. Emissão de notas fiscais sem que fosse possível verificar a identidade do doador originário dos recursos. Alegado gasto pessoal com combustíveis, no qual, por equívoco, a empresa fornecedora teria lançado nota fiscal com o CNPJ da candidatura quando deveria ter registrado o CPF do recorrente. Entretanto, a documentação anexada não supre a irregularidade, pois não basta a simples declaração do emissor alegando equívoco na elaboração do documento fiscal, sendo necessário o cancelamento da nota. Determinação prevista no art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. A irregularidade considerada como recurso de origem não identificada representa 2,93% do total de receitas movimentadas, além de constituir valor absoluto reduzido, inclusive inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10, considerado módico pela disciplina normativa das contas, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19). Circunstância na qual a jurisprudência do TRE-RS admite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação das contas com ressalvas, ainda que mantida a necessidade de recolhimento da quantia impugnada ao Tesouro Nacional.

5. Provimento parcial.

(REl 0600474-12.2020.6.21.0103, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 01.07.2021.) (Grifo nosso)

 

Contudo, aplicando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade é possível a aprovação das contas com ressalvas, em face do diminuto valor de R$ 900,32 relativo à emissão de notas fiscais, quantia que representa 7,4% do total da movimentação financeira declarada, no montante de R$ 12.098,33.

Nesse sentido é o parecer da douta Procuradoria Eleitoral (ID 40401433):

Caracterizada a utilização de recursos de origem não identificada, correta a determinação de recolhimento dos valores equivalentes ao Tesouro Nacional nos termos do art. 32 da referida Resolução.

Finalmente, considerando que a irregularidade (R$ 900,32) representa 7,4% do total das receitas declaradas (R$ 12.098,33), possível a aprovação das contas com ressalvas na esteira da jurisprudência dessa egrégia Corte.

 

Acerca da incidência dos aludidos princípios sobre irregularidades cujo percentual é inferior a 10% da movimentação, cumpre trazer à colação precedente desta Corte, na linha do que tem sido decidido pelo Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. GASTOS DE CAMPANHA COM PESSOAL. RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ART. 38,I. EXCEDIDO. PERCENTUAL ÍNFIMO. MÁ FÉ. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. APLICAÇÃO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ELEIÇÕES 2016.

1. Recurso de prestação de contas desaprovadas.

2. Comprovada a ausência de má-fé, possível a aplicação do princípio da proporcionalidade e razoabilidade quando as falhas apontadas representam menos de 5% do total de recursos movimentados pelo prestador. A jurisprudência do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral tem aplicado tais princípios em situações em que as irregularidades alcancem o limite de até 10% da movimentação financeira.

3. Falta de gravidade na falha que não compromete a confiabilidade das informações prestadas, proporcionando a fiscalização pela Justiça Eleitoral e propiciando a aprovação com ressalvas.

Acolhimento parcial.

(TRE-RS, RE n. 837-72, Relator Dr. Eduardo Augusto Dias Bainy, julgado em 25.7.2017.) (Grifo nosso)

 

Dessarte, tendo em vista que as irregularidades perfazem quantia inexpressiva, tenho que o recurso comporta provimento parcial, com a aprovação das contas com ressalvas, mantendo-se, contudo, o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de GLEISON TULIO CONSALTER, mantendo a determinação de recolhimento do valor de R$ 900,32 ao Tesouro Nacional.