REl - 0600581-56.2020.6.21.0103 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/10/2021 às 10:00

 

 

Acompanho o E. Relator, mas por fundamento diverso.

Inicialmente, correta a sentença ao afastar a situação fática posta nos autos como potencialmente configuradora de abuso de poder econômico, tendo em vista que o caso em exame trata de fato isolado, sem utilização excessiva de recursos financeiros, incapaz, por si só, de causar prejuízo à normalidade e legitimidade do pleito eleitoral.

 

Destarte, a análise recursal fica restrita à ocorrência ou não de captação ilícita de sufrágio, como tal tipificada no art. 41-A, da Lei nº 9.504/97, verbis :

 

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.

 

Ao negar a incidência da norma, a sentença entendeu “que houve uma forma de arquitetura com a finalidade de enquadrar os réus num ilícito que não atingiria jamais o bem jurídico que a norma se propõe proteger, qual seja a integridade da vontade do eleitor”.

 

Para tanto, referiu que, ao invés de os candidatos procurarem os eleitores para lhes oferecer vantagem em troca de votos, foram os eleitores que procuraram os candidatos, oferecendo-lhes votos da família, em troca de dinheiro.

 

Em outras palavras, os recorridos não teriam “agido de forma espontânea no oferecimento e na promessa de vantagens indevidas a eleitores”, visto que foram os eleitores que agiram como “provocadores da negociação de seus votos, com premeditação”.

 

Saliente-se que é incontroverso na prova (ID 41653033 – áudios 1 a 6) que os demandados expressamente concordaram em pagar as prestações faltantes do jazigo do pai dos eleitores em troca dos votos de sua família. Tanto isto é verdade que a sentença taxativamente reconheceu o acordo de vontades:

 

Por certo , não se quer dizer com isso que os demandados não teriam aderido à iniciativa dos denunciantes Nilso e Nilmar na captação ilegal de votos, pois, com certeza, ao serem provocados perante a oferta de votos de familiares daqueles, acabaram por aderir à idéia de receberem votos em troca do pagamento de um jazigo, ou parte dele.

 

 

Em segundo lugar, a sentença também se escorou no fato de que os denunciantes sabiam que os recorridos não iriam cumprir com a promessa, razão pela qual declararam ter gravado as conversas, quando, em verdade, o intuito da gravação era impugnar a eleição futura, em caso de sucesso dos recorridos, como efetivamente ocorreu.

 

O Parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral avançou na análise do caso, ao referir ser “importante salientar que o fato dos eleitores tomarem a iniciativa de solicitar benesse em troca de votos não afasta o ilícito praticado pelo candidato quando esse anui com a solicitação, prometendo a entrega da benesse ao eleitor em troca do voto deste”.

 

Com razão.

 

Pouco importa de quem partiu a iniciativa de praticar o ato atentatório ao processo eleitoral. Houve acordo de vontades, num perfeito sinalagma: os eleitores ofereceram votos em troca de dinheiro e os demandados ofereceram promessa dinheiro em troca de votos.

 

Entretanto, em perfeita sintonia com a sentença, o ilustre membro do parquet afastou a tipicidade em razão de ter havido de uma trama com o intuito de incriminar os candidatos, o que seria inábil para macular a liberdade do sufrágio.

 

Por derradeiro, também não discrepou de tal entendimento o E. Relator, que afirmou, com dobrada razão, que “o contexto de toda a prova carreada aos autos (...) permite concluir que desde o início houve finalidade de que os candidatos recorridos fossem condenados por compra de votos”. Assim como o ilustre sentenciante e o Parecer ministerial, o voto pelo desprovimento do recurso decorreu de entendimento de que, malgrado o dolo específico de fraudar a eleição, “a liberdade de voto dos eleitores restou minimamente ameaçada”.

Peço dobrada vênia para discordar.

Tenho que os três elementos configuradores do tipo encontram-se presentes: (a) ato de prometer vantagem, (b) dirigida a eleitor, (c) com o intuito de receber voto.

Segundo já referido, desimporta constatar que a iniciativa para a prática do ilícito partiu do eleitor e não do candidato. Da mesma forma, desimporta constatar que o intuito do oferecimento de votos era espúrio - prejudicar os candidatos - visto que estes poderiam perfeitamente – e é o que minimamente se esperaria de candidatos a cargo público – recusar a oferta. Não houve qualquer coação, mas vontade livre de praticar o ilícito eleitoral, com plena consciência da ilicitude. Também desimporta saber se os eleitores não iriam alterar sua vontade ao proceder ao sufrágio, em razão da promessa de benesse. A liberdade de voto do eleitor é ameaçada quando, de forma irresistível, recebe promessa de benesse. Não é o que ocorreu no caso concreto.

Entretanto, embora não comungue com tal entendimento, força é reconhecer que o Col. TSE tem reiteradamente reconhecido que falece atipicidade ao delito de captação ilícita de sufrágio quando há flagrante preparado:

 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. VICE–PREFEITO. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. FLAGRANTE PREPARADO. PROVA ILÍCITA. CONFIGURAÇÃO. OFERECIMENTO DO VOTO PELA ELEITORA. AFINIDADE POLÍTICA COM OS INVESTIGANTES. INTERESSE NO RESULTADO DO PLEITO. SÚMULA 24/TSE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 28/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, manteve–se aresto a quo em que se absolveram os agravados (prefeito e vice–prefeito de Aroeiras do Itaim/PI eleitos em 2016) por se entender que suposta compra de votos (art. 41–A da Lei 9.504/97) fundou–se em gravação ambiental ilícita, porquanto decorrente de flagrante preparado por meio de conversa pelo WhatsApp.

2. A jurisprudência desta Corte Superior considera prova ilícita a gravação ambiental produzida em contexto de flagrante preparado, a exemplo do eleitor que atua como agente provocador e com premeditação. Precedentes.

3. Na espécie, ao contrário do que alega o agravante, a iniciativa da conduta delituosa partiu da própria eleitora Ana Cristina Tomaz Leite, que, antes de realizar a gravação ambiental, procurou por meio do WhatsApp a filha do candidato a vice–prefeito e fez a seguinte pergunta: "Mulher, tem como tu falar com teu pai pra ele e Wesley (candidato a prefeito) me ajudar? Se eles fizerem isso, voto nele" (fl. 24).4. No próprio voto vencido na origem, se reconhece que "Ana Cristina chegou oferecendo seu voto aos investigados, em clara adequação ao tipo do art. 299, do Código Eleitoral" (fl. 9).

5. Ademais, conforme transcrição da conversa pelo WhatsApp, a eleitora responsável pela gravação fez a seguinte advertência à filha do candidato: "Ana Cristina: ei tu apaga essas conversa. P/ não complicar teu pai. Izadora Texeira: Vou apagar. E tu apaga tbm" (fl. 25). Entretanto, a eleitora salvou todo o conteúdo da conversa e apresentou prints e áudios dos diálogos aos investigantes.

6. De acordo com o aresto a quo, reforça a conclusão de que houve flagrante preparado a circunstância de que "a eleitora e sua família era ligada ao grupo político adversário e tencionava guardar evidências probatórias para a instrução de ação futura, caso seu candidato não lograsse êxito" (fl. 24). Nesse contexto, evidencia–se o planejamento na produção da prova por pessoa com interesse na causa.

7. Em resumo, não existe prova lícita da compra de votos, delito cuja comprovação exige conjunto probatório sólido porque atrai a gravosa pena de perda do diploma. Impõe–se, portanto, manter o acórdão de improcedência.

8. A reforma do aresto recorrido com base na alegação de que se tratou de conduta espontânea e voluntária dos investigados e sem induzimento por parte da eleitora demandaria o reexame de fatos e provas, vedado em sede de recurso especial pela Súmula 24/TSE.9. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060036194, Acórdão, Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 121, Data 30/06/2021). (grifo nosso)

 

Assim, não por ter havido iniciativa dos eleitores na oferta de votos, não por ter havido intuito espúrio no oferecimento de votos, não porque sabiam os eleitores que os candidatos não iriam honrar a promessa, não por não ter havido influência na vontade livre dos eleitores, mas, sim, por ter ocorrido flagrante preparado no caso concreto, acompanho o E. Relator quanto ao desprovimento do recurso, mas por fundamentação diversa, e com ressalva de meu ponto de vista pessoal.

Ante exposto, voto por negar provimento ao recurso.