REl - 0600581-56.2020.6.21.0103 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/10/2021 às 10:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo. O prazo de três dias iniciou no dia 06.5.2021 e o recurso foi interposto na mesma data. Presentes os demais pressupostos recursais, a irresignação merece conhecimento.

1. Preliminares.

As contrarrazões abordam, ainda que de maneira entremeada com as questões de fundo da causa, dois itens que merecem ser analisados preliminarmente ao mérito.

1.1. Gravação ambiental e legalidade. Validade como prova.

Alegam os recorridos que a gravação vinda aos autos seria ilegal. Em resumo, os eleitores Nilso Alves Padilha e Nilmar Alves Padilha gravaram diálogos mantidos com os representados ALDIR ZANELLA DA SILVA e GEVERSON ROQUE CASSOL sem o conhecimento dos representados.

Antecipo que as circunstâncias relativas a um suposto flagrante preparado, ainda que relacionadas com a gravação clandestina, serão analisadas no bojo do mérito da causa. No presente item, será abordada apenas a situação de licitude ou ilicitude como prova, na seara cível eleitoral, da prática da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores.

E, posto tal limite, adianto que não assiste razão aos recorridos.

É certo que, até poucos dias, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral ia no sentido de admitir que a gravação ambiental clandestina realizada por um dos interlocutores fosse utilizada como meio válido de prova em feitos cuja natureza seja cível.

Havia posicionamento consolidado daquela Corte Superior, do qual trago como exemplo o Respe n. 408-98, Rel. Ministro Edson Fachin, DJE de 08.8.2019, p. 71-72, no sentido de que:

À luz dessas sinalizações sobre a licitude da gravação ambiental neste Tribunal e da inexistência de decisão sobre o tema em processos relativos às eleições de 2016, além da necessidade de harmonizar o entendimento desta Corte com a compreensão do STF firmada no RE n° 583.937/RJ (Tema 237), é admissível a evolução jurisprudencial desta Corte Superior, para as eleições de 2016 e seguintes, a fim de reconhecer, como regra, a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial, sem que isso acarrete prejuízo à segurança jurídica.

Destaco, ainda, que o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, nos últimos anos, tem se debruçado sobre a questão em processos ainda relativos às eleições de 2016, com quase três dezenas de casos admitindo a gravação ambiental, conforme indicado pelo Ministro Luís Roberto Barroso em voto de processo de sua relatoria, o Respe 0000385-19, e tenho ciência de que no julgamento do referido processo, encerrado em 07.10.2021, o relator restou vencido, pois a tese de ilicitude da gravação ambiental não autorizada judicialmente prevaleceu pelo placar de 4 a 3. 

Contudo, pelo resultado dividido - e até aqui isolado - havido no TSE, considero que a questão somente será pacificada após a manifestação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, pois a matéria também é objeto de processo perante a Corte Suprema no RE 1.040.515, com repercussão geral declarada. Até o presente momento, apenas o Ministro Dias Toffoli apresentou voto, e a demanda aguarda apresentação de voto-vista de parte do Ministro Gilmar Mendes.

Portanto, por respeito ao art. 926 do Código de Processo Civil, entendo por manter a linha de julgamento sedimentada também nesta Corte Regional, aqui manifestada recentemente no Recurso Eleitoral 0600412-08, Rel. Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 10.08.2021. Nas palavras do e. relator, as quais expressamente tomo como razões de decidir, “diante da introdução do art. 8º-A da Lei nº 9.296/96, que regulamenta a interceptação de comunicações, o STF ainda analisará a necessidade de autorização judicial para a utilização de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, como prova”, motivo pelo qual considero que há de ser mantida a orientação jurisprudencial até o momento adotada, no sentido da licitude da prova.

Afasto, assim, a preliminar.

1.2. Inovação trazida nas razões recursais.

Os recorridos alegam que as razões de recurso vieram carregadas de inovações. De modo mais específico, aduzem que teria ocorrido, de parte dos recorrentes, modificações no relato das circunstâncias fáticas da alegada captação ilícita de sufrágio.

De início, entendo que realmente é possível identificar, da comparação do conteúdo da petição inicial com os termos do recurso manejado, algumas modificações de relato dos fatos.

Contudo, ressalto que não se trata propriamente do apontamento de fatos novos, mas a realização de narrativa contundente e assertiva, na evidente tentativa dos recorrentes de reverterem o juízo absolutório exarado na sentença hostilizada.

A toda evidência, as razões de recurso devem sempre dialogar com a fundamentação da sentença hostilizada, pois é contra ela que se insurgem, e tal proceder deve se dar de modo leal, colaborativo, sem que traga surpresas à parte adversa ou dificulte o exercício da ampla defesa.

De qualquer maneira, da mera leitura do recurso se conclui que a parte recorrente aponta sua versão dos fatos em contraponto àquela abordagem adotada pelo juízo sentenciante e, para tanto, fez uso de descrições diferidas relativamente à exposição delineada na petição inicial sem, contudo, desbordar do cerne da demanda, a prática do art. 41-A mediante o pagamento de parcelas de jazigo para obtenção dos votos da família.

Por outro prisma, se é certo que os representados devem sempre se defender dos fatos que lhes são imputados, e não da classificação jurídica que lhes seja atribuída, indico que, no caso dos autos, a controvérsia tem núcleo na configuração, ou não configuração, dos atos praticados pelos recorridos como captação ilícita de sufrágio.

Transcrevo trecho do parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral, que bem delimita o desfecho do ponto sob exame:

Ocorre que o cerne da presente ação é a existência de promessa pelo candidato representado de benesse em troca de voto por parte dos eleitores. Esse núcleo essencial, que tipifica o ilícito eleitoral do art. 41-A da Lei das Eleições, não foi alterado desde a inicial.

O fato de restar comprovado que a iniciativa do contato partiu dos supostos eleitores, o que é considerado de forma subsidiária pelos recorrentes, é elemento circunstancial que, em princípio, não afasta o ilícito, razão pela qual deve ser analisado no mérito do recurso, juntamente com as demais circunstâncias do caso.

Por isso, não se verifica tenha havido nenhuma inovação em sede recursal.

 

Afasto, assim, a preliminar.

 

2. Mérito.

Colho, da sentença, trecho que bem resume os fatos:

TOBIAS ANTONIO DA SILVA LENZ e COLIGAÇÃO BARRACÃO PODE MAIS apresentaram representação por captação ilícita de sufrágio em face de ALDIR ZANELLA DA SILVA, LUIZ CARLOS DA SILVA e GEVERSON ROQUE CASSOL, relatando, em síntese, que o representado Aldir, o qual concorria ao cargo de Prefeito no município de Barracão, cuja chapa majoritária era formada com o representado Luiz Carlos, procurou o senhor Nilso Alves Padilha para convencer ele e sua família a votar em sua chapa (Dile e da Silva), propondo que poderia favorecê-los de alguma maneira, caso votassem segundo sua orientação. Disseram que as tratativas envolviam sete votos da família do Sr. Nilso e, em troca, Aldir Zanella pagaria as duas últimas parcelas do jazigo do falecido pai de Nilso, no valor de R$ 9.000,00 cada. Referiram que, posteriormente, o representado Geverson, candidato a vereador, procurou o Sr. Nilmar Alves Padilha, irmão de Nilso, para confirmar o acordo, dizendo que ajudaria Aldir a pagar o valor combinado. Relataram que Nilso e Nilmar gravaram as respectivas conversas que tiveram com os representados e informaram o ocorrido a algumas pessoas que fazem parte da coligação autora, razão pela qual ajuizaram a presente demanda. Disseram que a conduta praticada pelos representados constitui captação de sufrágio, o que é vedado pela Lei 9.504, bem como configura abuso de poder econômico.

 

Transcrevo, ainda, trecho da fundamentação da decisão hostilizada, o qual traz as conclusões a que chegou o Magistrado da 103ª ZE:

Portanto, considerando que a justificativa dos eleitores Nilso e Nilmar para procederem na gravação das conversas, de que assim o fizeram porque sabidamente o réu Aldir não seriam cumpridor das suas promessas, não merece credibilidade, pois não se mostra crível que alguém negocie seu voto com quem já sabe de antemão que não pagará pela oferta apresentada, mesmo com a promessa de assim o fazê-lo. A par disso, somente resta uma outra explicação, a de que os eleitores citados agiram com o intuito de armação, com certa semelhança ao que ocorre na seara penal com o flagrante preparado. E conquanto entenda que é inaplicável à moldura fática e no ambiente eleitoral o conceito de flagrante preparado/provocado, porque essa figura exige a adoção de arranjos que tornem impossível a consumação de um crime (no caso, não se cuida de participação da autoridade policial na gravação ambiental, tampouco se está a falar na prática de delito de natureza penal), portanto é um arquétipo ligado ao direito penal, o certo é que no caso dos autos os eleitores Nilso e Nilmar agiram não com o propósito de vender seus votos, mas sim agiram com a manifesta intenção de fazer parecer crer tenha havido a concretização da ofensa ao bem juridicamente protegido para, em momento posterior, como ocorreu, denunciar os réus com o intuito de obter uma sanção aos candidatos eleitos.

E ainda que, como regra, se reconheça a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, e sem autorização judicial, necessário que sejam examinadas as circunstâncias do caso concreto para haurir não a questão da ilicitude ou não da gravação ambiental, mas a real intenção de quem assim se comporta ao gravar conversas no ambiente privado. No caso dos autos, tenho que o modus operandi utilizado pelos eleitores Nilso e Nilmar para a comprovação da compra de votos está caracterizado pelo induzimento dos réus, arquitetado por tais eleitores, ocasionando real vício na formação da vontade do agente, ora demandados, a afastar a aplicação e reconhecimento do ilícito do art. 41-A da Lei 9.504/97.

Em conclusão, o caso dos autos retrata hipótese de vício na formação de vontade dos demandados de efetivar a captação ilícita de sufrágio, decorrente do induzimento conduzido por Nilso e Nilmar para a prática de captação ilícita de sufrágio.

Portanto, para fixar este convencimento, considero que os eleitores Nilso e Nilmar agiram como agentes provocadores e com premeditação, de forma que os demandados não agiram de forma espontânea na promessa de vantagens indevidas em benefício daqueles. Com isso, diante da ausência de elementos mínimos indispensáveis à caracterização do ilícito narrado na inicial, a improcedência da ação se impõe.

 

E as alegações dos recorrentes podem ser resumidas no sentido de que não há comprovação de que tenha havido premeditação de parte dos eleitores e que a promessa de vantagem financeira em troca de votos restou comprovada. Sustentam que o bem jurídico tutelado, a integridade da vontade do eleitor, foi ferido. Aduzem não haver comprovação de que a iniciativa de negociação do voto teria partido de Nilmar e Nilto e que, ainda que assim tivesse ocorrido, a circunstância não afasta a ilicitude da conduta do candidato, sobretudo quando ausentes vícios de vontade ou de consentimento, como no caso posto, pois os recorridos agiram de forma espontânea. Apontam que as acusações de que Nilso e Nilmar possuem vinculação com a coligação representante partem de simpatizantes das candidaturas dos recorridos.

À análise.

Inicialmente, trago a redação do art. 41–A da Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação

de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990.

 

Já na doutrina, a obra especializada de Francisco de Assis Vieira Sanseverino (Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p.274.) traz a lição de que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 busca proteger, forma ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições e, modo estrito, (1) o direito do eleitor de votar livremente, e (2) a igualdade de oportunidades entre os competidores eleitorais.

Além, a ocorrência de captação ilícita de sufrágio há de ser antecedida por três elementos, segundo pacífica posição do Tribunal Superior Eleitoral: (1) a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer); (2) a existência de uma pessoa física (eleitor); (3) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

Assim, para a configuração da hipótese do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, necessária a conjugação dos elementos subjetivos e objetivos.

Postas tais premissas, adianto que não assiste razão aos recorrentes.

O contexto de toda a prova carreada aos autos, não apenas a gravação ambiental, mas também os testemunhos prestados e os demais documentos, permite concluir que desde o início houve a finalidade de que os candidatos recorridos fossem condenados por compra de votos.

Nessa linha, os candidatos foram insistentemente abordados e interpelados, pois os irmãos Nilmar e Nilso é que tomaram todas as iniciativas de negociação espúria, em situações muito bem identificadas na sentença. Destaco, no ponto, as imagens (prints) do aplicativo de mensagens WhatsApp, nas quais as propostas sempre partem do eleitor - “viu home precisava troca uma ideia com o senhor amanhã”, ou “viu, desça ai para nós troca uma ideia” – Nilso, no WhatsApp, dirigindo-se ao recorrido GEVERSON, e outras ocasiões inclusive despudoradas, chegando ao surpreendente ponto de Nilmar, em depoimento perante o Juízo Eleitoral, admitir que “ele me pediu o voto e eu pedi uma ovelha”.

Por óbvio, e como bem salientado pelo Procurador Regional Eleitoral, o aceite, de parte de candidato, de proposta de compra/venda de votos é de ser reprimida conforme a legislação de regência, e o simples fato “dos irmãos Nilso e Nilmar terem procurado os candidatos para obterem vantagem no período eleitoral não afastaria a prática do ilícito previsto no art. 41-A da Lei das Eleições, a partir do momento em que estes teriam concordado com o pagamento de parte das despesas com o jazigo do pai dos eleitores”.

Todavia, é certo que essa negociação, para que fossem puníveis os candidatos, não poderia ter sido construída como foi, com o nítido objetivo de incriminar os competidores eleitorais. Forjada como tal, a ilicitude foi afastada pela existência de verdadeira “trama”, em situação onde não há, sequer em hipótese, a lesão à liberdade de sufrágio.

Dito de outro modo, em momento algum de toda a cadeia de fatos a liberdade de voto dos eleitores restou minimamente ameaçada, até mesmo porque há razoáveis indícios da participação dos referidos na campanha adversária, como a abordagem de Nilso e Nilmar a Deividi Douglas Nunes Bitencourt, em ocorrência registrada na Polícia Civil.

Nesse norte, transcrevo trechos elucidativos do parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral:

Nesse sentido, para que se configure o ilícito do art. 41-A da Lei das Eleições não é suficiente a reprovabilidade da conduta do candidato, sendo necessário que a mesma tenha potencialidade de afetar a liberdade do voto de dado eleitor. Tanto que é afastado o ilícito caso a pessoa corrompida, por exemplo, não seja eleitor na circunscrição eleitoral do candidato ou esteja com os direitos políticos suspensos.

[...]

Neste ponto, assiste razão ao Magistrado quando pondera que, ainda que os representados tenham aderido à negociação de votos proposta pelos eleitores, não se vislumbra, in casu, a configuração da infração de captação ilícita de sufrágio, em virtude da ausência de violação ao bem jurídico tutelado. Isso porque os eleitores agiram com o único intuito de constituir prova para ajuizamento de processo de cassação dos candidatos representados, o que, logicamente, afasta a ocorrência de constrangimento à liberdade do sufrágio.

 

Em resumo, a conduta reprovável dos eleitores denota a impossibilidade de ofensa ao bem jurídico tutelado pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Friso que o eleitorado de Barracão conferiu vitória nas urnas aos recorridos, e não serão circunstâncias absolutamente nebulosas a afastar a vitória legítima, obtida nas urnas.

 

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.