REl - 0600210-56.2020.6.21.0018 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/10/2021 às 10:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 18ª Zona que desaprovou as contas de LUIZ CARLOS PINTO CRUZ, candidato ao cargo de vereador nas eleições de 2020 no Município de Dom Pedrito, e determinou-lhe a transferência de R$ 1.047,00 ao órgão partidário e R$ 5.000,00 ao erário, em face das seguintes irregularidades: realização de despesas junto a fornecedores cujos sócios ou administradores estão inscritos em programas sociais; pagamento de gastos eleitorais, mediante a emissão de cheques não cruzados, com verbas da conta “Outros Recursos”, no total de R$ 1.047,00; e pagamento de gastos eleitorais por cheques não cruzados, com recursos do Fundo Partidário, na cifra de R$ 5.000,00.

Passa-se, a seguir, à análise discriminada dos apontamentos glosados.

I – Gastos com fornecedores cujos sócios ou administradores estão inscritos em programas sociais

O órgão técnico de contas, na instância de origem, detectou a realização de duas despesas contratadas com fornecedores cujos sócios ou administradores estão inscritos em programas sociais, o que poderia indicar ausência de capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado (ID 28224933).

Os gastos referidos são de R$ 1.262,00 e de R$ 667,00, efetuados, respectivamente, em AFDANIELLI INDUSTRIA GRAFICA LTDA., CNPJ 13.859.472/0001-46, e MARCIO ARLENIO PINHEIRO DA FONSECA, CNPJ 24.089.325/0001-50.

Ora, a Lei n. 14.020/20, que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, não exige falência da pessoa jurídica para que seus sócios recebam benefício emergencial. Logo, uma empresa pode estar com dificuldades financeiras, em virtude da pandemia, mas operando.

Dessa maneira, o fato de os sócios ou administradores terem sido beneficiados pelo programa do Governo Federal não implica a falta de condições da empresa de fornecer os produtos ou serviços contratados.

Nesse sentido, colaciono recente acórdão desta Corte:

(…)
3. Realização de despesas contratadas com fornecedores cujos sócios ou administradores estão inscritos em programas sociais, o que poderia indicar ausência de capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado. Entretanto, a Lei n. 14.020/20 (que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda) não exige falência da pessoa jurídica para que seus sócios recebam benefício emergencial. Logo, uma empresa pode estar com dificuldades financeiras, em virtude da pandemia, mas operando. Ademais, trata-se de pagamentos realizados a microempreendedor individual (MEI) e microempresas (ME). O art. 2º, inc. VI, al. “a”, da Lei n. 13.982/20 expressamente prevê a concessão de auxílio emergencial ao trabalhador que exerça atividade na condição de microempreendedor individual, o que não afeta a capacidade para a prestação do serviço ou fornecimento do bem. Assim, considerando que as despesas se encontram suficientemente demonstradas, inexiste inconsistência, devendo ser afastada a irregularidade.
(...)
(TRE-RS, REl n. 0600431-39.2020.6.21.0115, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 17 de agosto de 2021).

Merece ser afastada, portanto, a presente falha.

 

II – Pagamento de despesas com recursos do Fundo Partidário, mediante cheque sem cruzamento

A examinadora técnica que atua junto ao Juízo Eleitoral verificou a existência de inconformidade atinente a despesas eleitorais quitadas com recursos do Fundo Partidário, no total de R$ 5.000,00, consubstanciada na emissão de cheques sem o necessário cruzamento, consoante tabela a seguir reproduzida:

Com base nisso, o magistrado a quo entendeu caracterizada a irregularidade na utilização de recursos públicos e comandou o ressarcimento ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Compulsando os autos, verifico que os dispêndios acima referem-se a serviços de panfletagem, para o período de 26.10 a 14.11.2020, conforme contratos de prestação de serviços celebrados com Diuliane Ferreira Simões, no valor de R$ 500,00 (ID 28221683); Suzi Mary Garrido Cruz, no valor de R$ 900,00 (ID 28222033); Geferson Mendonça de Simas, no valor de R$ 900,00 (ID 28221633); Catiana Cardoso Gomes, no valor de R$ 500,00 (ID 28221983); Sthephane Alves Barreto, no valor de R$ 500,00 (ID 28221883); e Fabiele Goularte Xavier, no valor de R$ 500,00 (ID 28221933). Com Lian Chagas Balsamo, a contratação foi para a coordenação de equipe, cujo valor ajustado foi de R$ 1.200,00 (ID 28221783).

Conforme extrato eletrônico constante do sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, mantido pelo Tribunal Superior Eleitoral, disponível em https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86290/210001141098/extratos, observa-se que os cheques n. 900004, no valor de R$ 1.200,00, e 900005, no montante de R$ 500,00, foram compensados, respectivamente, na conta n. 3907713504, agência n. 200, do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, e na conta n. 100103985, agência n. 1635, do Bradesco. Quanto aos demais cheques, n. 900001, de R$ 500,00, n. 900002, de R$ 900,00, n. 900003, de R$ 900,00, n. 900006, de R$ 500,00 e n. 900007, de R$ 500,00, foram todos sacados, conforme imagem a seguir:

 

Tendo em vista que o extrato bancário não refletiu informações necessárias relacionadas à movimentação financeira, como a contraparte dos beneficiários das cártulas, foi a instituição bancária instada pelo magistrado singular a prestar informações complementares, cujo atendimento se deu pela documentação acostada sob ID 28224233, que reúne inclusive microfilmagem dos cheques.

Analisando-se a tabela com os gastos efetuados, o extrato bancário eletrônico e as imagens dos cheques, verifica-se que:

1) o cheque n. 900001, nominal à prestadora de serviços Diuliane Ferreira Simões, no valor de R$ 500,00, não contém cruzamento e, no verso, há registro eletrônico de pagamento;

2) o cheque n. 900002, nominal à prestadora de serviços Suzi Mary Garrido Cruz, no valor de R$ 900,00, não contém cruzamento e, no verso, há uma assinatura e o lançamento do CPF da fornecedora, bem como registro eletrônico de pagamento;

3) o cheque n. 900003, nominal ao prestador de serviços Geferson Mendonça de Simas, no valor de R$ 900,00, não contém cruzamento e, no verso, há registro eletrônico de pagamento;

4) o cheque n. 900004, nominal ao prestador de serviços Lian Chagas Balsamo, no valor de R$ 1.200,00, não cruzado, foi depositado em conta bancária, conforme indica o extrato eletrônico, e, no verso, encontra-se anotado o nome do fornecedor e seu CPF;

5) o cheque n. 900005, nominal à prestadora de serviços Catiana Cardoso Gomes, no valor de R$ 500,00, não contém cruzamento e foi depositado em conta bancária, conforme extrato eletrônico;

6) o cheque n. 900006, nominal à prestadora de serviços Sthephane Alves Barreto, no valor de R$ 500,00, não contém cruzamento e, no verso, há assinatura e o lançamento do CPF e do RG da fornecedora, bem como registro eletrônico de pagamento;

7) o cheque n. 900007, nominal à prestadora de serviços Fabiele Goularte Xavier, no valor de R$ 500,00, não contém cruzamento e, no verso, há assinatura e o lançamento do CPF da fornecedora, bem como registro eletrônico de pagamento.

Pois bem.

A forma de pagamento dos gastos eleitorais encontra-se disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado.

A exigência de cruzamento do título visa impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial que os prestadores de serviço informados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE GASTOS ELEITORAIS POR MEIO DE CHEQUES NOMINAIS NÃO CRUZADOS. INFRINGÊNCIA AO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. CARÁTER OBJETIVO DA NORMA. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAR O BENEFICIÁRIO DO RECURSO. VALOR REDUZIDO DAS IRREGULARIDADES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou contas de candidato ao cargo de vereador, referentes às eleições municipais de 2020, em razão de pagamento de gastos eleitorais por meio de cheques nominais não cruzados, descumprindo o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. A forma de pagamento dos gastos eleitorais sob discussão está disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. O cheque não cruzado pode ser compensado sem depósito bancário. Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

3. Caracterizada a irregularidade na forma de pagamentos de despesas mediante cheques não cruzados. A alegação de que a exigência em tela impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

(...)

(TRE-RS, REl n. 0600280-46.2020.6.21.0027, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 19.8.2021.) Grifei.

 

Na hipótese, constata-se que as ordens de pagamento com recursos do Fundo Partidário, inequivocamente, foram emitidas sem o necessário cruzamento, em violação às normas de regência.

Saliento, no que atina ao cheque n. 900004, para Lian Chagas Balsamo, na quantia de R$ 1.200,00, e ao cheque n. 900005, emitido em nome de Catiana Cardoso Gomes, no valor de R$ 500,00, que o fato de terem sido depositados em conta bancária, como restou demonstrado, não tem o condão de desconstituir a falha, uma vez que não é possível aferir, a partir dos registros bancários das operações, o real favorecido pelo pagamento e/ou sua vinculação com o fornecedor declarado.

Logo, restou caracterizada irregularidade quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do Fundo Partidário, perfazendo o valor global de R$ 5.000,00, o qual deve ser restituído ao erário, por ausência de comprovação segura de sua utilização, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

III – Pagamento de despesas com verbas da conta “Outros Recursos”, mediante cheque sem cruzamento

A unidade técnica detectou a realização de gastos eleitorais satisfeitos com verbas da conta “Outros Recursos”, no total de R$ 1.047,00, mediante emissão de cheques sem cruzamento, consoante tabela abaixo:

Exsurgindo clara a concretização de irregularidade, consistente na ausência de cruzamento das cártulas, em ofensa ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, a sentença, ainda, considerou que a quantia de R$ 1.047,00 deveria ser transferida pelo candidato ao órgão partidário, porque a falta de prova do pagamento caracterizaria os valores como gastos não declarados, constituindo-se em sobra de campanha, por se tratar de recursos privados, consoante transcrevo:

Assim, as irregularidades acima apontadas acarretam a não homologação dos referidos gastos, os quais não poderiam ter sido pagos com recurso da campanha sem as formalidades da legislação, ainda que provenientes de "Outros Recursos".

Desse modo, a exclusão (glosa) dos gastos não homologados da contabilidade da campanha gera a recomposição do saldo.

Esse saldo, apurado na forma do art. 50, I, da Resolução TSE 23.607/2019, constitui-se em sobras de campanha, as quais devem ser transferidas ao órgão partidário (art. 50, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019.

 

A Procuradoria Regional Eleitoral acompanha o raciocínio assentado na sentença, afirmando que o valor pago aos fornecedores deve ser compreendido como sobra de campanha, devendo ser a importância transferida ao partido político (ID 38860433):

... não merece reparos à sentença em relação à determinação de recolhimento da importância de R$ 1.047,00, cujos gastos provenientes da conta “Outros Recursos” tem sua inclusão glosada diante da utilização de forma de pagamento indevida, pelas razões acima referidas. Não homologado o gasto eleitoral, tem-se sobra de campanha que deve ser transferida ao órgão partidário, nos termos do art. 50, § 1º, da Resolução citada.

 

Entretanto, tenho que não há como classificar o montante das despesas não comprovadas como sobra de campanha, pois o valor gasto foi debitado da conta bancária do candidato e não foi estornado ou devolvido como receita de campanha.

Segundo o art. 50, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, a seguir transcrito, sobra de campanha se traduz na diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha:

Art. 50. Constituem sobras de campanha:
I - a diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha;
II - os bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha até a data da entrega das prestações de contas de campanha;
III - os créditos contratados e não utilizados relativos a impulsionamento de conteúdos, conforme o disposto no art. 35, § 2º, desta Resolução.
§ 1º As sobras de campanhas eleitorais devem ser transferidas ao órgão partidário, na circunscrição do pleito, conforme a origem dos recursos e a filiação partidária do candidato, até a data prevista para a apresentação das contas à Justiça Eleitoral.

 

Na espécie, os valores referentes aos desembolsos não retornaram à campanha, logo, não há que se falar em sobra de campanha, nem tampouco em recolhimento ao ente partidário.

Nesse sentido é a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. IMPULSIONAMENTO. FACEBOOK. AFASTAMENTO DA DETERMINAÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES A TÍTULO DE SOBRAS DE CAMPANHA. SÍNTESE DO CASO.
1. O Tribunal de origem, por unanimidade, aprovou com ressalvas a prestação de contas de campanha do candidato, referentes às Eleições de 2018, quando concorreu ao cargo de deputado federal, bem como determinou o recolhimento do valor de R$ 597,83 ao ente partidário, nos termos do art. 53, § 1º, da Res.–TSE 23.553, por não terem sido comprovadas as despesas realizadas mediante contrato com o Facebook a título de impulsionamento de campanha.
2. Por meio da decisão agravada, foi dado provimento ao agravo, bem como ao recurso especial para reformar o acórdão regional e afastar a determinação de devolução da quantia de R$ 597,83 ao ente partidário, valor alusivo às supostas sobras de campanha, mantendo a aprovação das contas, com ressalvas.
ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL
3. No julgamento do Ag–REspEl 0603524–57, este Tribunal Superior assentou que, ausente a informação, no acórdão regional, sobre o retorno à campanha do candidato dos recursos pagos a mais para o fornecedor do serviço de impulsionamento de conteúdo, não há como classificar esses valores como sobras de campanha.
4. No caso, não há menção no acórdão regional de que os recursos pagos a mais ao Facebook do Brasil retornaram à campanha, afastando, assim, a caracterização de sobra de campanha.
CONCLUSÃO
Agravo regimental a que se nega provimento.
(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060614734, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 121, Data 30.6.2021.)

 

No mesmo rumo, trago à baila precedente desta Corte Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. COMPROVADA CAPACIDADE FINANCEIRA PARA APLICAR RECURSOS PRÓPRIOS NA CAMPANHA. EXERCÍCIO DA VEREANÇA. PROFISSÃO DE ADVOGADO. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. PAGAMENTO IRREGULAR DE DESPESAS. AUSÊNCIA DE CHEQUE NOMINAL E CRUZADO. FALTA DE DADOS DO BENEFICIÁRIO DO VALOR. FALHA GRAVE. EXPRESSIVIDADE DA QUANTIA IRREGULARMENTE DESPENDIDA. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE DEPÓSITO NA CONTA BANCÁRIA DO PARTIDO A TÍTULO DE SOBRA DE CAMPANHA. CARACTERIZADA COMO DÍVIDA DE CAMPANHA. RETIFICAÇÃO DA SENTENÇA. PARCIAL PROVIMENTO.
1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas as contas referentes às eleições municipais de 2020, diante da declaração de ausência de bens no requerimento de registro de candidatura e posterior aplicação de recursos próprios na campanha e da emissão de cheques pagos por caixa, não cruzados nem preenchidos de forma nominal. Determinado recolhimento de valores ao Tesouro Nacional e transferência para o órgão partidário.
(...)
3. Constatada irregularidade pela falta de cópia do cheque nominal cruzado (arts. 35, 38, 53 e 60 da Resolução TSE 23.607/19) utilizado para recebimento na "boca do caixa", sem dados do beneficiário do valor. Apesar da alegação de que os pagamentos estariam comprovados por meio de contratos firmados com fornecedores de bens e serviço, não foi possível identificar, no extrato bancário eletrônico, o atendimento à exigência do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Falha grave, pois impede que a Justiça Eleitoral efetue o rastreamento do valor para confirmar se o fornecedor de campanha é a mesma pessoa que recebeu o pagamento por meio do cheque. Expressiva quantia irregularmente despendida, equivalente a 58,63% da receita de campanha, impedindo a aprovação das contas sem qualquer ressalva.
4. Impossibilidade de classificação das despesas não comprovadas como sobras de campanha, sendo equivocada a determinação do recolhimento do valor gasto ao partido pelo qual concorreu o recorrente, por aplicação do disposto no art. 50, inc. I e § 1º, da Resolução TSE 23.607/19. Os pagamentos debitados e não devolvidos aos candidatos não têm a natureza de sobra, pois o art. 50, inc. I, da referida Resolução é expresso ao estabelecer que as sobras são a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados, ou seja, são a receita que remanesce como crédito para o candidato, não sendo este o caso dos autos.
(…)
(TRE-RS, REl n. 0600201-94.2020.6.21.0018, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 01.9.2021.)

 

Por essa razão, deve ser afastada a determinação de que o valor das despesas não comprovadas seja transferido ao órgão partidário, porquanto o § 1º do art. 50 da Resolução TSE n. 23.607/19 não alcança a situação verificada nestes autos.

Conclusão

Assim, as irregularidades identificadas nas contas alcançam o somatório de R$ 6.147,00 (R$ 5.000,00 + R$ 1.047,00), cifra que representa 70,45% das receitas declaradas (R$ 8.725,00), inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal.

Destarte, impõe-se a manutenção do juízo de desaprovação das contas, devendo, porém, ser afastada a determinação de transferência da quantia de R$ R$ 1.047,00 ao órgão partidário.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, ao efeito de afastar a irregularidade relativa aos gastos com fornecedores cujos sócios ou administradores estão inscritos em programas sociais (item I) e a determinação de recolhimento de R$ 1.047,00 ao órgão partidário (item III), mantidas a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 5.000,00 ao Tesouro Nacional.