REl - 0600384-98.2020.6.21.0104 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/10/2021 às 10:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidato a vereador, relativa às eleições do ano de 2020.

As contas do recorrente foram desaprovadas com base em parecer técnico conclusivo das contas (ID 28547833), no qual foi indicada irregularidade proveniente de omissão relativa às despesas relacionadas às notas fiscais emitidas pelo fornecedor de combustíveis RICARDO BOZETTI EIRELI (CNPJ 11.064.906/0001-96), totalizando R$ 3.934,50 (três mil, novecentos e trinta e quatro reais e cinquenta centavos).

O recorrente, em suas razões, alegou que as notas fiscais referentes à aquisição de combustível para o abastecimento de dois veículos próprios, utilizados na campanha, foram juntadas por um lapso. Sustentou que o gasto não foi listado dentre as despesas de campanha, diante da autorização legal contida no § 6º do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Adianto que as circunstâncias dos autos não permitem a aprovação das contas como requerido pelo recorrente.

Verifica-se que o candidato informou 2 (dois) veículos automotores na lista de bens registrados na Justiça Eleitoral quando do Registro de Candidatura: TOYOTA ETHIOS; e VOLKSWAGEN FUSCA (divulgacandcontas.tse.jus.br).

De fato, a al. “a” do § 6º do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que:

(…)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(...)

Assim, estariam excluídas dos gastos eleitorais as despesas com combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha. Ou seja, a legislação eleitoral excepciona do gasto apenas o veículo utilizado pelo candidato.

Nesse caso, o primeiro ponto a destacar é que não há como considerar a utilização de dois veículos concomitantemente (ao mesmo tempo) pelo candidato.

Partindo desse raciocínio, não parece crível o gasto diário de R$ 80,28 (R$ 3.934,50/49 dias) com gasolina pelo candidato. Isso porque tal gasto corresponde ao percurso de aproximadamente 136 km diários, em um município com área de 107,15 km² e população de 1.832 habitantes.

Nesse sentido, colho os fundamentos indicados no parecer exarado pelo ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Nesi Venson, os quais agrego às minhas razões de decidir:

(…)

O mesmo alega que os gastos de R$ 3.934,50 não contabilizados estariam amparados no disposto no art. 36, § 6º, da Resolução TSE 23.607/2019, cuja redação é a seguinte:

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

Por outro lado, a mesma resolução determina que sejam declarados os gastos com combustíveis de veículos relativos a despesas com carreata ou com os veículos utilizados a serviço da campanha, conforme art. 36, § 11, da resolução:

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I – veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II – veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

Como se extrai das normas suprarreferidas, somente estariam excluídos da prestação de contas gastos com o veículo utilizado pelo candidato, portanto como a utilização, nesse caso, não é para o pessoal da campanha, mas apenas pelo candidato, entendemos que não pode ser dividida diariamente entre dois veículos, como se fossem os dois utilizados ao mesmo tempo. O que interessa apenas é o gasto diário total de combustível, para ver se seria compatível com o deslocamento apenas do candidato.

Nesse sentido, não nos parece compatível o gasto diário de R$ 80,28 (R$ 3.934,50/49), que daria no segundo semestre de 2020, aproximadamente 17 litros de gasolina (R$ 4,60 por litro1), o que equivaleria a percorrer, todos os dias, 136 km (considerando um consumo de 8 km/litro) durante 49 dias, em um total de 6.664 km.(…)

À vista disso, entendo que o valor total de R$ 3.934,50 (três mil, novecentos e trinta e quatro reais e cinquenta centavos), indicado pelo candidato com gasto pessoal com combustível, mostra-se incompatível com a realidade. Por conseguinte, sendo o gasto vinculado ao CNPJ da campanha, tenho como oriundo de recursos eleitorais.

Dessa forma, excluída a hipótese da exceção prevista na alínea “a” do § 6º do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, existindo a comprovação do gasto pelas notas fiscais juntadas, e ocorrida a omissão de registro financeiro no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral, a quantia deve ser considerada como recurso de origem não identificada, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Destaco que a emissão de nota fiscal sem o registro da despesa correspondente na prestação de contas revela indícios de omissão de gastos eleitorais, em violação ao 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

(…)

g) receitas e despesas, especificadas;

O não reconhecimento de despesa haveria de ser comprovado, v.g., com a demonstração do cancelamento da nota fiscal emitida, nos termos previstos no art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

Na mesma linha, a jurisprudência desta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. SUPLENTE. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. OMISSÃO DE DESPESA. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Omissão de despesas caracterizada pela existência de documentos fiscais sem o correspondente registro na prestação de contas. Falha grave que impossibilita a identificação da origem dos recursos utilizados para pagamento das despesas contratadas. Na espécie, apesar das alegações da prestadora acerca da emissão unilateral da nota fiscal e da argumentação sobre a responsabilização por ato de terceiro, não foi demonstrado o cancelamento do documento, de forma que se impõe o reconhecimento da omissão na prestação de contas. 2. As despesas omitidas na prestação de contas caracterizam recursos de origem não identificada, visto que foram ou serão pagas com recursos que deixarão de transitar pelas contas de campanha e de submeter-se ao controle da Justiça Eleitoral, o que atrai a imposição de recolhimento do valor equivalente ao Tesouro Nacional. Falha equivalente a 4,67% do total da receita declarada, possibilitando a aplicação dos precedentes desta Corte e do TSE que autorizam a aprovação com ressalvas das contas. (PC n. 0602542-21.2018.6.21.0000, j. em 05.11.2019, Relator: Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler) Grifei.

Logo, demonstrado o gasto eleitoral com combustível, derivado de recursos não provenientes das contas bancárias específicas, impõe-se o dever de desaprovação das contas, consoante o art. 14 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

Ressalta-se, ainda, que a irregularidade (R$ 3.934,50) representa 441% das receitas declaradas (R$ 892,00), sendo inviável, portanto, a aplicação dos princípios da insignificância, da proporcionalidade ou da razoabilidade, conforme requerido pelo recorrente.

No mesmo sentido cito precedente do Tribunal Superior Eleitoral:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. OMISSÃO DE DESPESAS. DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Agravo interno contra decisão que negou seguimento a recurso especial eleitoral interposto para impugnar acórdão que desaprovou as contas de campanha para o cargo de vereador nas Eleições 2016.

2. No caso, o acórdão regional consignou que a irregularidade, consistente na omissão de gastos com combustível, atingiu o percentual de 186,24% do total de despesas informadas na campanha, comprometendo sua confiabilidade, razão pela qual são inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

3. A modificação dessa conclusão, a fim de entender que a irregularidade não comprometeu a confiabilidade das contas, demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório, providência vedada nesta instância especial (Súmula nº 24/TSE).

4. Além disso, inexiste similitude fática entre as hipóteses tratadas nos acórdãos confrontados. Incide, portanto, a Súmula nº 28/TSE, que dispõe que não se conhece de recurso especial eleitoral por dissídio jurisprudencial nos casos em que não há similitude fática entre os acórdãos paradigmas e o aresto recorrido.

5. Por fim, nos termos do art. 36, § 6º, do RITSE, é possível ao relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível ou que esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante deste Tribunal e dos tribunais superiores.

6. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 43857, Acórdão, Relator: Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 31, Data 13.02.2019, Página 70.) Grifei.

Por fim, embora exista previsão expressa de recolhimento dos valores apontados como de origem não identificada aos cofres do Tesouro Nacional (art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19), não tendo sido determinado pela sentença, e existindo a interposição de recurso apenas pelo candidato, não cabe, nesta instância, a imposição do dever de recolhimento de ofício, sob pena de violação do princípio da non reformatio in pejus.

Assim, a sentença deve ser mantida em sua integralidade.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que desaprovou as contas de Ademir Ferrari, relativas ao pleito de 2020.