REl - 0600642-70.2020.6.21.0052 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/10/2021 às 10:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Mérito

O juízo de origem aprovou com ressalvas as contas do recorrente (ID 34734633), em razão do(a): a) recebimento de doações em valor superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) mediante depósitos bancários realizados de forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, determinando o recolhimento de R$ 1.310,00 (mil trezentos e dez reais) ao Tesouro Nacional; e b) extrapolação no uso de recursos próprios previstos na campanha, fixando multa no percentual 100% do valor excedido (R$ 129,22), determinando também o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

Passo ao exame das irregularidades de forma individualizada.

a) Doações sucessivas em montante superior a R$ 1.064,10

Conforme consta nos autos, o parecer conclusivo (ID 34734483) apontou que o recorrente recebeu doações financeiras mediante depósitos sucessivos em dinheiro, identificados com o CPF do próprio candidato, realizados na mesma data (12.11.2020), nos valores de R$ 310,00 (trezentos e dez reais) e R$ 1.000,00 (mil reais).

O fato foi confirmado pelo recorrente, restando incontroverso. Apenas alegou tratar-se de recursos próprios, devidamente identificados pela indicação do CPF do candidato nos depósitos. Ainda, sustentou tratar-se de mero erro formal incapaz de macular a regularidade das contas.

As razões do recorrente não o socorrem.

De fato, o conjunto de operações em tela está em desacordo com o art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual as doações financeiras acima de R$ 1.064,10 devem ser realizadas por meio de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, in verbis:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

[...]

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução. (Grifei.)

Embora os depósitos glosados, isoladamente, não tenham excedido o valor de R$ 1.064,10, o conjunto de transações alcançou o montante de R$ 1.310,00 (mil trezentos e dez reais), ultrapassando objetivamente o limite previsto na legislação eleitoral.

No mesmo sentido, colho os seguintes arestos deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. DOAÇÕES SUCESSIVAS EM ESPÉCIE CUJA SOMA ULTRAPASSA O LIMITE REGULAMENTAR. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser efetivadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Na hipótese, realizados depósitos sucessivos em dinheiro, realizadas pelos mesmos doadores, nas mesmas datas, cuja soma ultrapassa o limite legal para depósitos em espécie previsto nos arts. 22, §§ 1º e 2º, e 34, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17. As doações sucessivas, realizadas por um mesmo doador, em uma mesma data, devem ser somadas para fins de aferição do limite regulamentar.

2. Posicionamento firme do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o depósito, mesmo no caso de ser identificado, é meio incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória do ato. A ausência de comprovação segura do doador caracteriza o recurso como de origem não identificada, devendo o valor correspondente ser recolhido ao Tesouro Nacional.

3. Desaprovação. (grifei) (Recurso Eleitoral nº 0602858-34.2018.6.21.0000, Acórdão, RELATOR: DES. ELEITORAL ROBERTO CARVALHO FRAGA Publicação: Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico-PJE) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. MAJORITÁRIA. DESAPROVAÇÃO. VALORES RECEBIDOS VIA DEPÓSITOS SUCESSIVOS. EXTRAPO-LADO O LIMITE LEGAL. VIOLAÇÃO À NORMA REGENTE. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. APORTE IRREGULAR EM PERCENTUAL EXPRESSIVO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO

1. Insurgência contra sentença que desaprovou a contabilidade de campanha dos recorrentes, com determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, por violação ao disposto no art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Doações em valor superior a R$ 1.064,10 mediante depósitos bancários.

2. Ainda que cada um dos depósitos apresente valor inferior ao limite estabelecido, foram feitos no mesmo dia e pelos mesmos doadores. A realização de depósitos sucessivos em dinheiro demonstra a clara tentativa de burlar a norma eleitoral, o que é expressamente vedado pela citada resolução. Prática que permite o ingresso de valores na conta do candidato sem a possibilidade de segura verificação da pessoa do doador, vez que o CPF de identificação lançado pelo depositante não reflete, necessariamente, o autor da contribuição, o que somente poderia ser garantido por meio das operações indicadas nas normativas legais.

3. O montante recebido de forma irregular corresponde a 21,29% do total declarado como recebido, percentual que inviabiliza a aprovação das contas, mesmo com ressalvas, visto que compromete substancialmente a confiabilidade e transparência da movimentação contábil. Manutenção da sentença com determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional. (grifei) (TRE-RS – RE: 0600553-37.2020.6.21.0023, AJURICABA – RS, Relator: DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Data de Julgamento: 11/05/2021, Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico-PJE) (Grifei.)

Cabe ressaltar, ainda, que as doações realizadas por depósito bancário, mesmo com a identificação do doador, não são suficientes para comprovar a origem dos recursos – na linha da jurisprudência desta Corte, conforme demonstra o julgado do TSE abaixo colacionado:

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.2.Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros – R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha – oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.4. Concluir em sentido diverso – especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador – demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE. 5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes. 6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.7. Agravo regimental desprovido. (grifei)

(Recurso Especial Eleitoral nº 25104, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 066, Data 05/04/2019, Página 68-69) (Grifei.)

Nesse contexto, a quantia recebida em desacordo com legislação eleitoral, bem como a forma utilizada para doação prejudicou o cruzamento das informações com o sistema financeiro nacional, impedindo a confirmação da exata origem dos recursos recebidos, uma vez que, para o depósito em espécie, são lançadas as informações declaradas pelo depositante.

Para além, a ausência de comprovação segura do doador compromete a regularidade das contas prestadas e qualifica o recurso como de origem não identificada, cujo valor correspondente deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 21, §§ 3º e 4º, e 32, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

b) Extrapolação do limite de gastos com recursos próprios

A sentença condenou o recorrente pela extrapolação no limite de gastos com recursos próprios, fixando o pagamento de multa no percentual de 100% do limite excedido (R$ 129,22).

Destaco que o limite de gastos para o cargo de vereador no Município de Caibaté-RS, para o pleito de 2020, foi fixado em R$ 12.307,75 (doze mil, trezentos e sete reais e setenta e cinco centavos). Sendo assim, em obediência ao art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o candidato só poderia ter utilizado 10% (dez por cento) desse montante com recursos próprios, ou seja, no máximo R$ 1.230,78 (mil duzentos e trinta reais e setenta e oito centavos).

No parecer conclusivo, foi identificada a utilização de recursos próprios no valor R$ 1.360,00 (mil, trezentos e sessenta reais), superando o limite estabelecido pela Resolução em R$ 129,22 (cento e vinte e nove reais e vinte e dois centavos).

Contudo, verifica-se também que: a) o total de receitas de campanha compreende R$ 1.660,00 (mil seiscentos e sessenta reais); b) já fora constatada a irregularidade consistente na utilização de recursos de origem não identificada, no valor de 1.310,00 (mil, trezentos e dez reais).

Assim, constatada a irregularidade consistente na utilização de recursos de origem não identificada pela existência de doações sucessivas acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais), no valor de R$ 1.310,00 (mil, trezentos e dez reais), em desacordo com o art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/2019, incabível a condenação pela extrapolação na utilização de recursos próprios.

Isso porque, em tese, só poderiam ser considerados recursos próprios a quantia de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), resultante da diferença entre o total de receitas declaradas e o valor constatado como recurso de origem não identificada (R$ 1660,00 – R$ 1.310,00). E, em sendo assim, não haveria extrapolação no limite estabelecido pela Resolução (R$ 1.230,78).

No mesmo sentido, trago o entendimento exarado no parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Nesi Venzon, o qual agrego as minhas razões de decidir:

(..)

No que tange à segunda irregularidade, alusiva ao autofinanciamento acima do limite legal, deve ser afastada, vez que incompatível com a primeira irregularidade. Se foram considerados de origem não identificada R$ 1.310,00 e tendo a receita total da campanha ficado em R$ 1.660,00, somente poderiam ser considerados recursos próprios R$ 350,00, o que fica abaixo do limite legal de R$ 1.230,78. A partir do momento em que se entendeu presente a primeira irregularidade alusiva ao pagamento acima de R$ 1.064,10 fora das hipóteses legais, restou afastada a declaração do prestador e passou a valer o entendimento da unidade técnica e do juízo no sentido de que se tratam de recursos de origem não identificada, daí a determinação de recolhimento ao Tesouro.

Destarte, resta afastada a irregularidade alusiva ao autofinanciamento irregular.

(...)

Por essas razões, a irregularidade de extrapolação na utilização de recursos próprios deve ser afastada, assim como a penalidade de multa imposta.

c) Percentual de irregularidades

Destaca-se que as falhas remanescentes, no valor R$ 1.310,00 (mil trezentos e dez reais), representam 78,91% do total de receitas arrecadadas (R$ 1.660,00) na campanha, situação que, consoante entendimento desta Corte, levaria ao juízo de reprovação das contas. Contudo, interposto recurso apenas pelo candidato, não cabe, nesta instância, de ofício, desaprovar as contas do recorrente, sob pena de violação do princípio da non reformatio in pejus.

Por essas razões, deve ser mantida a aprovação das contas com ressalvas, bem como a determinação do recolhimento da quantia de R$ 1.310,00 (mil trezentos e dez reais) ao Tesouro Nacional, afastando-se a irregularidade de extrapolação na utilização de recursos próprios na campanha e a multa aplicada no valor de R$ 129,22 (cento e vinte e nove reais e vinte e dois centavos).

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso, para manter a aprovação das contas com ressalvas de Aderson Fabiano da Luz Brasil, referentes ao pleito de 2020, bem como a determinação do recolhimento da quantia de R$ 1.310,00 (mil trezentos e dez reais) ao Tesouro Nacional, e afastar a imposição da multa aplicada no valor de R$ 129,22 (cento e vinte e nove reais e vinte e dois centavos), diante da inexistência de irregularidade de extrapolação na utilização de recursos próprios em campanha.