REl - 0600536-08.2020.6.21.0150 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/10/2021 às 10:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Mérito

O juízo de origem desaprovou as contas do recorrente (ID 23777033), em razão do recebimento de doações em valor superior a R$ 1.064,10 mediante depósitos bancários realizados de forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, e determinou o recolhimento de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) ao Tesouro Nacional, conforme disposto no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Conforme consta nos autos, o relatório preliminar (ID 23776683) apontou que o recorrente recebeu doações financeiras mediante depósitos sucessivos em dinheiro, identificados com o CPF do próprio candidato, realizados na mesma data (09.11.2020), nos valores de R$ 572,00 (quinhentos e setenta e dois reais), R$ 1.064,00 (mil e sessenta e quatro reais) e R$ 1.064,00 (mil e sessenta e quatro reais).

O fato foi confirmado pelo recorrente, restando incontroverso. Apenas sustentou equívoco incapaz de gerar a reprovação das contas, tendo em vista que os depósitos foram identificados, situação que demonstra a origem dos recursos. Ainda, defendeu que as irregularidades são de pequena monta, fato que possibilita a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação das contas ou a aprovação das contas com ressalvas.

As razões do recorrente não o socorrem.

De fato, o conjunto de operações em tela está em desacordo com o art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual as doações financeiras acima de R$ 1.064,10 devem ser realizadas por meio de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, in verbis:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

[...]

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução. (Grifei.)

Embora os depósitos glosados, isoladamente, não tenham excedido o valor de R$ 1.064,10, o conjunto de transações alcançou o montante de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), ultrapassando objetivamente o limite previsto na legislação eleitoral.

No mesmo sentido, colho os seguintes arestos deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. DOAÇÕES SUCESSIVAS EM ESPÉCIE CUJA SOMA ULTRAPASSA O LIMITE REGULAMENTAR. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser efetivadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação. Na hipótese, realizados depósitos sucessivos em dinheiro, realizadas pelos mesmos doadores, nas mesmas datas, cuja soma ultrapassa o limite legal para depósitos em espécie previsto nos arts. 22, §§ 1º e 2º, e 34, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17. As doações sucessivas, realizadas por um mesmo doador, em uma mesma data, devem ser somadas para fins de aferição do limite regulamentar.

2. Posicionamento firme do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o depósito, mesmo no caso de ser identificado, é meio incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória do ato. A ausência de comprovação segura do doador caracteriza o recurso como de origem não identificada, devendo o valor correspondente ser recolhido ao Tesouro Nacional.

3. Desaprovação. (grifei) (Recurso Eleitoral nº 0602858-34.2018.6.21.0000, Acórdão, RELATOR: DES. ELEITORAL ROBERTO CARVALHO FRAGA Publicação: Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico-PJE) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. MAJORITÁRIA. DESAPROVAÇÃO. VALORES RECEBIDOS VIA DEPÓSITOS SUCESSIVOS. EXTRAPO-LADO O LIMITE LEGAL. VIOLAÇÃO À NORMA REGENTE. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. APORTE IRREGULAR EM PERCENTUAL EXPRESSIVO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. DESPROVIMENTO

1. Insurgência contra sentença que desaprovou a contabilidade de campanha dos recorrentes, com determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, por violação ao disposto no art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Doações em valor superior a R$ 1.064,10 mediante depósitos bancários.

2. Ainda que cada um dos depósitos apresente valor inferior ao limite estabelecido, foram feitos no mesmo dia e pelos mesmos doadores. A realização de depósitos sucessivos em dinheiro demonstra a clara tentativa de burlar a norma eleitoral, o que é expressamente vedado pela citada resolução. Prática que permite o ingresso de valores na conta do candidato sem a possibilidade de segura verificação da pessoa do doador, vez que o CPF de identificação lançado pelo depositante não reflete, necessariamente, o autor da contribuição, o que somente poderia ser garantido por meio das operações indicadas nas normativas legais.

3. O montante recebido de forma irregular corresponde a 21,29% do total declarado como recebido, percentual que inviabiliza a aprovação das contas, mesmo com ressalvas, visto que compromete substancialmente a confiabilidade e transparência da movimentação contábil. Manutenção da sentença com determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional. (grifei) (TRE-RS – RE: 0600553-37.2020.6.21.0023, AJURICABA – RS, Relator: DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Data de Julgamento: 11/05/2021, Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico-PJE) (Grifei.)

Cabe ressaltar, ainda, que as doações realizadas por depósito bancário, mesmo com a identificação do doador, não são suficientes para comprovar a origem dos recursos – na linha da jurisprudência desta Corte, conforme demonstra o julgado do TSE abaixo colacionado:

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.2.Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros – R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha – oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.4. Concluir em sentido diverso – especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador – demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE. 5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes. 6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.7. Agravo regimental desprovido. (grifei)

(Recurso Especial Eleitoral nº 25104, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 066, Data 05/04/2019, Página 68-69) (Grifei.)

Nesse contexto, a quantia recebida em desacordo com legislação eleitoral e a forma utilizada para doação prejudicaram o cruzamento das informações com o sistema financeiro nacional, impedindo a confirmação da exata origem dos recursos recebidos, uma vez que, para o depósito em espécie, são lançadas as informações declaradas pelo depositante.

Para além, a ausência de comprovação segura do doador compromete a regularidade das contas prestadas e qualifica o recurso como de origem não identificada, cujo valor correspondente deverá ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 21, §§ 3º e 4º, e 32, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Destaca-se que as falhas, no valor R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), representam 22,99% do total de receitas arrecadadas (R$ 11.740,25) na campanha, motivo pelo qual não há que se falar em proporcionalidade ou razoabilidade, ou valor módico (até R$ 1.064,10), devendo ser mantida a desaprovação de contas.

Outra não é a direção do parecer do ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. Fábio Nesi Venzon, cujos fundamentos agrego às razões de decidir (ID 30393733):

(…)

Não merece reforma a sentença, pois o(a) prestador(a) utilizou recursos recebidos de forma indevida, eis que não observado o art. 21, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019, que exige a transferência eletrônica ou utilização de cheque cruzado e nominal no caso de doações superiores a R$ 1.064,10, caracterizando-se os recursos como de origem não identificada.

O fato de terem sido feitos depósitos no mesmo dia em valor inferior a R$ 1.064,10 por parte de um mesmo doador, mas que, somados, ultrapassam, a aludida quantia não afasta o ilícito nos termos do art. 21, § 2º, da Resolução TSE 23.607/2019, podendo, inclusive, indicar tentativa de burla à vedação.

Importante salientar que o objetivo da regra é, para quantias mais significativas, exigir uma forma de doação que assegure à Justiça Eleitoral que os recursos saíram da conta do doador declarado, haja vista que o mero depósito de dinheiro com identificação do CPF não é suficiente, vez que a informação do CPF, no caso de depósito em dinheiro, é inserida pelo próprio depositante sem controle por parte da instituição financeira, abrindo-se a possibilidade de colocação de qualquer CPF, o que, obviamente, não ocorreria se utilizada a transferência eletrônica ou depósito de cheque cruzado e nominal, onde a operação é “conta a conta”, o que garante a correta identificação da origem do recurso.

Ademais, consoante a jurisprudência da Corte para as eleições de 2016 (RE 210-53.2016.6.21.0113), tanto para determinar o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, quanto para verificar o percentual da irregularidade, deve ser considerado o valor integral dos depósitos e não apenas o que excede o limite de R$ 1.064,10.

Assim, não é o caso de aprovação das contas com ressalvas, vez que a irregularidade (R$ 2.700,00) representa 22,99% dos recursos declarados como recebidos (R$ 11.740,25), percentual superior ao utilizado como limite (10%) para aprovação com ressalvas na esteira da jurisprudência dessa egrégia Corte.

Finalmente, tendo os recursos sido utilizados na campanha, correta a sentença ao determinar o recolhimento de quantia equivalente ao Tesouro Nacional nos termos do art. 21, § 3º, da Resolução TSE 23.607/2019.

(...)

Portanto, por essas circunstâncias, a manutenção da sentença, com o desprovimento do recurso, é medida que se impõe.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas de Joel de Matos Novaski, relativas ao pleito de 2020, bem como a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais).